Auditório da Reitoria ficou lotado e muitas pessoas acompanharam evento por um telão instalado no hall (Fotos: Ítalo Padilha/Agecom/UFSC
Cerca de 500 pessoas estiveram presentes no auditório e no hall da Reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) na quinta-feira, 11 de agosto, para o ato cívico em defesa do estado democrático de direito. O ato foi promovido pelo Sindicato dos Professores das Universidades Federais de Santa Catarina (Apufsc) em conjunto com 27 entidades da sociedade civil. Estiveram presentes autoridades políticas, representantes de organizações sindicais e integrantes da gestão da Universidade, entre eles o reitor Irineu Manoel de Souza e a vice-reitora Joana Célia dos Passos.
O ato foi realizado simultaneamente à leitura da Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito, realizada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
O evento na UFSC teve apresentações artístico-culturais, falas de representantes das entidades participantes e manifestações individuais de preferências eleitorais. Antes do início formal, a MC Triz fez uma performance de hip hop em que improvisou rimas com temas sugeridos pelo público, tais como democracia, urna eletrônica e a mulher.
Voz e voto
Após a execução do hino nacional, o presidente da Apufsc, Carlos Alberto Marques, o Bebeto, ocupou a tribuna. Em sua fala, destacou que as ameaças autoritárias são um instrumento para frear as conquistas políticas e sociais. “A democracia morre muito antes dos golpes e dos rompantes autoritários. Ela morre quando não gera mais emprego e renda, quando produz desigualdades e miseráveis, quando faz as pessoas não terem teto para morar e terra para plantar. Ela, a democracia, seguramente morre quando ao povo é negada a voz e o voto”.
Gabriel Kazapi, do Grupo Prerrogativas, elogiou a atitude da Apufsc de organizar o evento. “Estar aqui hoje, neste território livre da arte e da ciência, para defender o estado democrático de direito, é tarefa de todos aqueles que não deixam surrupiar a memória”.
Evento teve apresentações culturais, como o hip hop da MC Triz
Representando a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), Prudente José Silveira Mello mencionou as lutas empreendidas pela sociedade desde a leitura da primeira Carta aos Brasileiros, em 1977, como a volta dos perseguidos políticos, a Lei da Anistia, as eleições diretas para presidente e a Assembleia Nacional Constituinte. E também citou os retrocessos vividos em tempos mais recentes. “Tivemos a destruição dos direitos sociais e trabalhistas, os ataques contra as instituições democráticas e a apologia da volta da ditadura. Nós queremos a garantia da Constituição, a garantia dos direitos fundamentais”.
Cláudia Maria Dadico, juíza federal e conselheira nacional da Associação Juízes para a Democracia (AJD), leu a carta elaborada pela Coalizão para a Defesa do Sistema Eleitoral, um coletivo que reúne mais de 200 entidades e organizações da sociedade civil. A carta cita os “ataques periódicos, reiterados e sistemáticos ao sistema eleitoral brasileiro” e como eles geram instabilidade institucional e insegurança jurídica. “A normalidade democrática formal é fundamental para que o Brasil retome o combate contra a destruição do Estado social e de enfrentamentos às diversas formas de discriminação, segregação e exclusão”, diz um trecho do documento.
Avanço civilizatório
O ex-governador Paulo Afonso evocou a história do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) na resistência à ditadura e nas conquistas sociais e democráticas que se seguiram. Ele considerou “surreal” que tenhamos hoje que reeditar essas lutas. “Hoje temos que voltar às ruas, praças e auditórios para dizer não ao fascismo, não à ditadura, não ao autoritarismo e não à violência”. De acordo com o ex-governador, a democracia tem suas imperfeições, mas é ela que garante a cidadania, o avanço civilizatório, os direitos humanos e a nossa liberdade de decidir.
Nesta altura do ato, o músico Toni Dias e cantora Aline Sandoval interromperam a apresentação da canção “Samba da Utopia” para que o público pudesse acompanhar a leitura da Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito, diretamente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). A apresentação musical foi retomada após a transmissão.
Marcos Aurélio dos Santos foi um dos oradores, representando o movimento negro
A parte cultural seguiu com a poetisa Vânia Schwenck, que narrou um conto africano.
Momento emocionante do evento no auditório da Reitoria foi a “chamada” de diversos nomes de personalidades que foram vítimas ou se notabilizaram no enfrentamento à ditadura e aos abusos de poder. A ex-senadora Ideli Salvatti, que presidia a mesa, convidou todos a ficarem em pé e iniciou a leitura dos nomes pelo deputado catarinense Paulo Stuart Wright. Também foram citados Arno Preis, Derlei Catarina de Luca, Adolfo Dias, Hamilton Alexandre (Mosquito), bispo Dom José Gomes, Eurides Mescolotto, desembargador Lédio Rosa de Andrade. Após a menção a cada nome, a plateia repetiu “presente!”. Por fim, foi chamado o nome do ex-reitor da UFSC Luiz Carlos Cancellier de Olivo, o Cau, “pessoa que entregou a vida, num ato político contra a perseguição e a injustiça”, nas palavras de Ideli Salvatti.
Imensos desafios
A presidente estadual da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Ana Júlia Rodrigues, lembrou que a classe trabalhadora é a primeira a sofrer nas ditaduras e enalteceu o valor da democracia. “A democracia para as trabalhadoras e os trabalhadores é mais que um direito de votar em quem quiser, de se expressar de maneira livre. É na democracia que a classe trabalhadora pode se organizar, reivindicar, conquistar e ampliar direitos”.
O ex-senador Nelson Wedekin iniciou sua fala dizendo-se feliz em estar em local nos quais o hino e a bandeira nacional estavam num ambiente de civilidade, paz e diálogo. Ele lembrou dos imensos desafios a vencer no Brasil, como a pobreza e a fome. “Mas antes disso nós precisamos afastar o mal, a indignidade, a força bruta, a mentira, o obscurantismo”. Wedekin foi aplaudido quando defendeu as urnas e o sistema eleitoral. Também criticou a “mistura deletéria” entre política e religião e alertou para uma escalada de atos golpistas no Brasil. “Nosso compromisso é com a liberdade. Estamos tratando aqui de resgatar o nosso sonho de viver num país onde exista a paz, a justiça, a liberdade e a solidariedade”.
Os representantes estudantis Lucas Bonatto, do Diretório Central de Estudantes (DCE), e Victória Salgado, do Centro Acadêmico XI de Fevereiro (Caxif), foram juntos à tribuna. Lucas afirmou que não devemos almejar qualquer democracia. “Devemos buscar por uma democracia que sirva aos interesses do povo brasileiro e à soberania nacional”, afirmou. Victória disse que aquele era um dia de celebração – Dia do Estudante e Dia do Advogado – mas também um dia muito sério e crítico na História do país. “No ano em que comemoramos os 200 anos da Independência, o Brasil se une pela educação, a democracia e o devido processo legal nas eleições”, disse ela.
O representante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Vilson Santin, destacou a necessidade de estarmos em movimento “diuturnamente, com alma, coração, sentimento, pertença e mística”. Ele citou uma frase da pensadora Rosa Luxemburgo: “Quem não se movimenta não sente as correntes que o aprisionam”. Segundo Santin, a sociedade tem a missão histórica de derrotar o neofascismo.
Resistência
Irineu e Joana lembraram participação da UFSC em momentos importantes da história recente do país
Presidente do Conselho Estadual da População Afrodescendente, Marcos Aurélio dos Santos citou que as pessoas negras têm pouco acesso a direitos e afirmou que o Brasil tem uma dívida histórica com essa população. De acordo com ele, “abolição inacabada” deixou as pessoas negras em situação que exige reparação, não só através de políticas de cotas, mas também reparação de terras e financeira. “Precisamos avançar nas políticas públicas voltadas para essa população”, afirmou Marcos Aurélio.
A vice-reitora Joana Célia dos Passos e o reitor Irineu Manoel de Souza foram os últimos oradores do evento. A professora Joana disse que a UFSC não poderia se furtar de estar junto à sociedade na defesa do estado democrático de direito, como fez em outros momentos dos seus 60 anos. Ela leu um trecho do poema “Resistência”, do poeta negro Cuti. “Resistência porque é isso que estamos fazendo aqui hoje, é o que os 56% da população negra faz todos os dias e é o que a população indígena faz historicamente neste país”.
O professor Irineu disse estar feliz por participar deste “momento histórico”, destacando que as universidades são instituições críticas e seculares. Ele lembrou que a UFSC sempre está presente em momentos difíceis e também em momentos felizes da vida nacional. O reitor afirmou que a Universidade também trava suas próprias lutas, em busca de recursos e condições para sobreviver e manter-se funcionando. “Neste momento é importante a Universidade Federal de Santa Catarina acolher todas essas manifestações e apoiar a Constituição, o estado democrático de direito e a democracia”.
O evento cívico foi encerrado com a exibição de um vídeo em que personalidades do mundo artístico leram trechos da Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito.
A íntegra da solenidade pode ser acompanhada no Canal do YouTube da Apufsc
Luís Carlos Ferrari / Agecom/UFSC