Guilherme Boulos fala sobre crise da democracia e desafios da esquerda em aula magna na UFSC
A 3ª aula magna do Centro de Estudos em Reparação Psíquica de Santa Catarina (CERP-SC) trouxe para a UFSC nesta quarta-feira, 29 de novembro, o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos. “Democracia ou Barbárie”, o tema da conferência, refere-se à encruzilhada vivida hoje no país. “A crise econômica, junto com a crise política, é algo sem precedentes na nossa história. Desde o fim da ditadura militar, não tivemos momentos tão graves como esses que estamos vivendo desde o ano passado. E por isso é muito pertinente fazer debates e discutir os rumos dessa encruzilhada”, afirmou Boulos.
Segundo ele, o Brasil está passando por retrocessos que são marcados pela dissolução de três pactos nacionais que foram construídos na sociedade brasileira no último século. Um deles é a política implementada nos 13 anos de experiências do governo do PT no país, com seus avanços e problemas. “Nesses avanços nós podemos destacar um conjunto de políticas sociais, de valorização do salário mínimo, que permitiu ao povo mais pobre ter acesso a meios de consumo que antes não tinham. Os elementos progressivos que marcaram esse pacto foram as primeiras vítimas do golpe: alguns deles desmontados, outros destruídos”, observou Boulos. Em seguida, ele citou o pacto constitucional, ameaçado principalmente pela aprovação da Emenda Constitucional 95, que congela os gastos públicos por 20 anos. Ele ressaltou que a aprovação da medida foi realizada a partir de um elemento profundamente antidemocrático: um presidente que não foi eleito estabeleceu a política econômica dos próximos quatro presidentes. “É uma política obrigatória de ajuste fiscal político”. E, por último, Boulos falou sobre o pacto varguista dos anos 40: “Foi aprovada uma reforma trabalhista que rasga toda a proteção ao trabalho que nós tivemos nos últimos 80 anos – o que não foi feito nem na ditadura militar.”
Crise da democracia
Além da crise econômica, a atual situação no Brasil passa por uma crise política de representação. “A nova república não tem mais condições mínimas de estabelecer hegemonia na sociedade. Após a crise de 2008, a necessidade de o capital de dar respostas mais duras para manter sua rentabilidade aprofundou a contradição entre capitalismo e democracia”, apontou o coordenador. Ele explicou que estamos em um momento em que a margem democrática do capitalismo caiu — não há mais o contrapeso da participação popular: “Isso faz com que um governo de 97% de rejeição não caia e continue aprovando as medidas mais bárbaras.”
Boulos alertou que esse problema de representação se traduz em um sentimento de anti-política generalizado, de desprezo às opções políticas, que ocorre como um fenômeno mundial. Esse discurso, segundo ele, deságua em algum lugar: em abstenções, mas também se traduz politicamente — pessoas que se dizem anti-políticas ganham a eleição.
“Em um momento de crise, as alternativas intermediárias de conciliação perdem espaço. E isso faz com que as alternativas políticas se polarizem”, afirmou o palestrante. Ele ressaltou que é preciso que a esquerda compreenda esse sentimento de insatisfação política para que possa traçar novos caminhos. “No Brasil, a esquerda foi identificada pela maior parte do povo como um problema na crise de representação. E por isso as pessoas foram procurar soluções em outros lugares”, apontou. “Quanto mais a esquerda se parece com as estruturas conservadoras, mais ela perde a capacidade de disputa.”
Boulos falou sobre a necessidade de a esquerda se colocar alguns desafios. O primeiro deles é uma unidade ampla no campo popular em relação a temas fundamentais — não uma identidade, mas a capacidade de valorizar o que temos em comum, compreendendo as diversidades. O segundo desafio é o da repactuação de um projeto de transformação social com o povo — segundo ele, o distanciamento da esquerda deixou um vácuo que foi tomado por outros grupos, como igrejas evangélicas. “Fazer trabalho de base de quatro em quatro anos não adianta. Se não tiver lastro social, representatividade na organização da sociedade, não produz mudanças.” O terceiro desafio que ele trouxe foi o de pensar em um projeto de futuro. “Um dos problemas da esquerda do último período foi muitas vezes ter se rendido ao pragmatismo, ao imediatismo, à lógica da governabilidade parlamentar.” E questionou: “O que nós oferecemos para além da tentativa de editar e reeditar pactos nos quais as pessoas não acreditam mais?”
O coordenador do MTST afirmou que acredita que se encerrou um ciclo — o de promover mudanças sem fazer rupturas. Ele comentou que, no governo Lula, o crescimento econômico permitiu criar políticas sociais sem mexer em privilégios e agendas estruturais, o que ele chamou de pacto do “ganha-ganha”. Medidas como reforma agrária, tributária e urbana não são necessariamente medidas revolucionárias, segundo Boulos. “Essas agendas são realizadas por países capitalistas no mundo todo, mas a configuração do capitalismo brasileiro é tão retrógrada, a burguesia age de tal jeito como se estivesse na Casa-Grande, com uma herança escravista pesada, e essa lógica faz com que haja uma intolerância com qualquer tipo de mudança.”
Lavínia Beyer Kaucz/Estagiária de Jornalismo/Agecom/UFSC
Fotos: Henrique Almeida/Agecom/UFSC