Imagem ilustrativa (Imagem de Pete Linforth por Pixabay)
Os mecanismos fundamentais subjacentes à dinâmica da atividade cerebral ainda são amplamente desconhecidos, mas o seu conhecimento pode ajudar a entender a resposta do cérebro a condições patológicas, como no caso dos derrames. Apesar dos esforços da comunidade científica, os mecanismos subjacentes à recuperação funcional e comportamental de pacientes com acidente vascular cerebral (AVC) ainda são pouco compreendidos. O estudo Recovery of neural dynamics criticality in personalized whole-brain models of stroke, publicado na revista Nature Communications, resultado de uma colaboração internacional, propõe a teoria da criticalidade cerebral para explicar as relações entre alterações cerebrais e função em pacientes neurológicos. O texto é assinado por físicos, neurologistas e psicólogos, com autoria do professor do Departamento de Física da UFSC, Rodrigo Pereira Rocha, e de Loren Kocillari, Samir Suweis, Michele De Grazia, Michel Thiebaut De Schotten, Marco Zorzi e Maurizio Corbetta.
Conforme o professor, na Física, há muito se sabe que certos sistemas estão localizados na fronteira entre a ordem e o caos em um estado chamado “crítico”. “Por exemplo, a água passa do estado líquido, no qual o sistema apresenta ordem de curto alcance, para o estado gasoso, no qual as moléculas se movem de maneira caótica a uma temperatura crítica próxima de 374°C. Mais ou menos 374°C representa, portanto, a temperatura crítica na qual a água assume duas formas diferentes, líquida ou gasosa, nas quais o caos e a ordem estão presentes. Essa temperatura na física é chamada de ‘crítica’, e a mudança de estado é chamada de transição de fase”, contextualiza.
A criticalidade tem sido usada para descrever fenômenos de terremotos à frequência cardíaca humana, de oscilações de pontes ao mercado de ações. “Também foi demonstrado que o cérebro poderia operar próximo a um ponto crítico, no qual todos ou a maioria dos neurônios têm um comportamento coletivo e coordenado, o que proporcionaria ao sistema funções ótimas, ligadas, por exemplo, à eficiência na transmissão de informação, ou à velocidade de resposta a estímulos externos”.
Sob essa lógica, se a criticalidade é de fato uma propriedade fundamental de cérebros saudáveis, então as disfunções neurológicas alteram essa configuração dinâmica ideal. Alguns estudos relataram perda de criticalidade durante convulsões epilépticas, sono de ondas lentas, anestesia e doença de Alzheimer. No entanto, um teste crucial dessa hipótese seria mostrar que as alterações locais da arquitetura estrutural e funcional do cérebro também causam uma perda no sistema.
Além disso, explica Rocha, se as alterações melhorarem ao longo do tempo, por exemplo, devido a uma atividade de fisioterapia, é preciso observar a recuperação da criticalidade em paralelo.”Outra previsão é que, se a criticalidade é essencial ao comportamento, sua alteração após uma lesão focal deve estar relacionada à disfunção comportamental e à recuperação da função. Finalmente, as mudanças na criticalidade também devem estar relacionadas aos mecanismos de plasticidade subjacentes à recuperação”, pontua.
Abordagem interdisciplinar
“O objetivo deste trabalho foi abordar essas importantes questões por meio de uma abordagem interdisciplinar que combina neuroimagem, neurociência computacional, física estatística e métodos de ciência de dados”, explica. No estudo, a equipe examinou como as lesões cerebrais modificam a criticalidade usando uma nova abordagem personalizada de modelagem da atividade cerebral. A teoria modela a dinâmica cerebral individual com base em redes anatômicas reais de conectividade cerebral, tanto a conectividade anatômica quanto a atividade cerebral funcional, usando ressonância magnética funcional.
“Para esses indivíduos, finalmente, também tínhamos resultados de testes comportamentais disponíveis. Descobrimos que os pacientes com acidente vascular cerebral têm níveis reduzidos de atividade neural transcorridos três meses do AVC, assim como níveis reduzidos da variabilidade e a força das conexões funcionais. Todos esses fatores contribuem para uma perda geral de criticalidade que, no entanto, melhora ao longo do tempo com a recuperação do paciente”, reforça o professor. O estudo também demonstra que as mudanças na criticalidade predizem o grau de recuperação comportamental. “Em resumo, nosso trabalho descreve um avanço importante no entendimento da alteração da dinâmica cerebral e das relações cérebro-comportamento em pacientes neurológicos”, afirma.
Para o professor Maurizio Corbetta, diretor do Centro de Neurociências de Pádua da Universidade de Pádua e da Clínica Neurológica do Hospital Universitário de Pádua, esses resultados demonstram que modelos dinâmicos computacionais do cérebro podem ser usados para rastrear e prever a recuperação do AVC no nível do paciente individual. “Isso abre a possibilidade de usar esses métodos para medir o efeito de terapias como reabilitação ou estimulação não invasiva”, conclui.