Professor da UFSC participa da descoberta de estrela gigante que quase desapareceu no centro da galáxia

01/07/2021 16:35

Representação artística da estrela VVV-WIT-08. Ilustração: Amanda Smith

Na região central da Via Láctea, a mais de 25 mil anos-luz daqui, o “quase desaparecimento” momentâneo de uma estrela gigante intriga os cientistas. Em 2012, a VVV-WIT-08, como foi nomeada, foi encoberta por cerca de 200 dias por um objeto enorme e misterioso, capaz de ocultar 97% do brilho de um corpo celeste aproximadamente cem vezes maior do que o Sol. A descoberta foi descrita em artigo publicado em junho na revista científica Monthly Notices of the Royal Astronomical Society e contou com a participação de dois brasileiros em meio ao grupo internacional de astrônomos: o professor do Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Roberto Kalbusch Saito e o pesquisador do Laboratório Nacional de Astrofísica Luciano Fraga.

É comum que estrelas apresentem oscilações em seu brilho – seja por características intrínsecas a elas, como é o caso das variáveis pulsantes que se expandem e contraem periodicamente; seja por causa de objetos que passam entre a estrela e o observador, causando um efeito de eclipse. O que aconteceu com a VVV-WIT-08, contudo, nunca foi observado antes (apesar de haver casos com algumas similaridades). Até o momento, ao menos, ela é uma estrela única. 

“É uma estrela que, a princípio, tu olhas a curva de luz dela, que é a variação de brilho ao longo do tempo, e é sempre constante, a estrela não varia. A não ser em um evento em 2012 quando ela quase desapareceu. Ela perdeu 97% do brilho e depois voltou ao brilho normal de novo. E desde então, até hoje, com todo o acompanhamento que a gente fez dela, ela segue sem nenhuma mudança de brilho, e isso não é esperado para uma estrela. Então, o comportamento diferenciado é que ela teve um único evento, em mais de uma década de observação, em que ela perde uma quantidade de brilho muito grande, quase 100%”, explica Roberto.

“Por isso despertou tanta atenção da comunidade astronômica, porque é algo que a gente não tinha observado ainda em uma estrela, que é um objeto que a gente sabe que vai ter perda de luz, sabe que acontecem tanto fenômenos intrínsecos quanto de eclipse nos quais a estrela apresenta esse período de baixa luminosidade, mas não em um grau tão grande e do jeito que foi a característica do evento, de ser um evento somente ao longo de tantos anos”, complementa o professor.

A explicação mais provável é a passagem de uma estrutura bastante opaca e de grandes dimensões. Uma densa nuvem de gás e poeira ou um enorme planeta em órbita são algumas das possibilidades. Vale ressaltar que o tempo de órbita de planetas ou outros objetos varia bastante. Saturno, por exemplo, leva quase 30 anos para dar cada volta em torno do Sol. Já no sistema Epsilon Aurigae, uma estrela supergigante é parcialmente eclipsada por um disco de poeira a cada 27 anos, mas seu brilho só diminui cerca de 50%. O TYC 2505-672-1, por sua vez, detém o recorde atual de sistema estelar binário eclipsante com o período de órbita mais longo ⎼ 69 anos.

“Para esse nosso objeto, como a gente tem uma cobertura temporal de pouco mais de uma década, se eu tiver um objeto orbitando a estrela com um período maior do que esse, eu poderia, sim, no futuro, observar outro episódio semelhante. Por isso é importante seguir monitorando esse objeto, para ver se nos próximos anos observamos outro episódio como esse de eclipse, no caso de ser um eclipse”, comenta Roberto.

“O que é isto?”

A VVV-WIT-08 foi encontrada a partir de dados do projeto Variáveis Vista na Via Láctea (VVV), que utilizou o telescópio Vista, no Chile, para observar, por quase uma década, cerca de um bilhão de estrelas na região central da galáxia, em busca daquelas com brilho variável. A descoberta também se valeu de informações do Optical Gravitational Lensing Experiment (Ogle), um projeto astronômico coordenado pela Universidade de Varsóvia (Polônia), e de observações no Southern Astrophysical Research Telescope (Soar), um telescópio situado nos Andes Chilenos e do qual o Brasil (representado pelo CNPq) é sócio majoritário, em uma parceria que inclui ainda três instituições estadunidenses.

As particularidades da VVV-WIT-08 não permitiram seu enquadramento em nenhuma das categorias previamente estabelecidas e fizeram com que recebesse a denominação de WIT, uma abreviação para “what is this?”, ou “o que é isto?”, na tradução para o português. “Existem várias classes de estrelas variáveis. Então, se eu descubro uma estrela variável, olho o comportamento dela e consigo colocá-la dentro de uma caixinha, onde estão as estrelas de mesmo comportamento, só que nesse projeto a gente começou a achar algumas estrelas com comportamento que a gente não conseguia classificar. Eram estrelas com comportamentos variáveis bastante distintos”, relata Roberto.

Como seu próprio nome indica, esse é o oitavo corpo celeste do tipo encontrado no âmbito do VVV. “Os sete primeiros objetos também são objetos variáveis estranhos, não necessariamente igual à VVV-WIT-08. Então, tem uma estrela ali que tinha um eclipse que poderia sugerir um planeta com anéis gigantescos, tinha outro objeto que poderia ser talvez uma supernova por trás da Via Láctea, outro que coincidia com a posição de uma galáxia, que poderia ser um AGN [núcleo galáctico ativo]. Objetos bastante raros que, como a gente não conseguiu na época classificar dentro de todas as classes de variáveis, acabou usando essa nomenclatura”, conta o pesquisador.

A VVV-WIT-07, por exemplo, cuja descoberta também contou com a participação de Roberto Saito, apresenta variações peculiares no seu brilho, que foram comparadas às da Estrela de Tabby, outro objeto incomum associado a uma suposta atividade alienígena. Essa característica levou à sua inclusão no catálogo do projeto Seti (Search for Extraterrestrial Intelligence, ou Busca por Inteligência Extraterrestre, em uma tradução livre), o mais reconhecido projeto científico internacional de busca por vida inteligente fora da Terra.

Segundo o professor, a tendência é que objetos peculiares como esses sejam encontrados com maior frequência, uma vez que há cada vez mais grandes levantamentos em operação. “A astronomia vem mudando muito nos últimos anos por projetos como o VVV, que monitoram um número muito grande de estrelas. Então, se a gente está tentando entender o comportamento de estrelas, etc., vão ter eventos ou objetos que vão ser muito raros. Se você está observando dez estrelas, é difícil encontrar alguma coisa que seja diferente, se está observando mil estrelas também é difícil. Agora, se você está observando quase 1 bilhão de estrelas, você tem uma amostra tão grande que essas estrelas bastante raras começam a aparecer. É uma pecinha a mais que tu podes colocar, por exemplo, numa história de evolução estelar, de como as estrelas interagem, de como, por exemplo, se for realmente algo relacionado à órbita da estrela, sistemas planetários funcionam, e assim por diante”, salienta o docente.

 

Camila Raposo/Jornalista da Agecom/UFSC

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