
No PRV divide-se o pasto e espera-se o ponto de corte de cada área para então deixar o gado pastar
Tido nos anos 1970 como romântico e subversivo, o chamado sistema de Pastoreio Racional Voisin vai ao encontro da preocupação mundial com o meio ambiente ao respeitar o tempo de repouso da pastagem oferecida aos animais. Compartilhar experiências desse método em palestras, mesas redondas e oficinas é o objetivo do I Encontro Pan-Americano sobre Manejo Agroecológico de Pastagens – PRV nas Américas, que acontece entre os dias 29 de setembro e 01 de outubro em Chapecó.
“É um sistema muito óbvio”, explica o professor Luiz Carlos Pinheiro Machado Filho, coordenador do Laboratório de Etologia Aplicada (LETA) da UFSC, que abriga o Núcleo de Pastoreio Racional Voisin (lê-se Voasan). “Todo agricultor que tiver uma vaca de leite vai ter uma pequena plantação de aveia. Num dia ele colhe um pouco, no dia seguinte, mais um pouco, e quando tiver dado toda a aveia ao animal, a planta ceifada no início já terá crescido novamente. Simplificando, divide-se o pasto e espera-se o ponto de corte de cada área para então deixar o gado pastar”, exemplifica. Apesar do sistema ser rotacionado – enquanto um dos piquetes está em uso os outros ficam em descanso, favorecendo a fotossíntese através do acúmulo de reservas energéticas e protéicas nas raízes das plantas – essa rotação não segue ordem pré-estabelecida. Para utilizar-se o piquete em seu “ponto ótimo” as condições de cada um são analisadas e confrontadas com os conhecimentos técnicos. Só depois desse processo se escolhe qual piquete, naquele momento, é o ideal para o uso, por isso o sistema é dito racional.
O PRV propõe aumentar a qualidade da alimentação dos animais – e assim melhorar o leite e a carne produzidos. A implantação de novas forrageiras, sem, no entanto, destruir os campos naturalizados já existentes, contribui com a melhoria da qualidade de vida do homem e também dos animais, beneficiando ainda as espécies vegetais. Métodos agressivos ao meio ambiente, como as queimadas, a utilização de agrotóxicos e adubos solúveis, que causam a erosão e o desmatamento, são deixados de lado. O principal insumo empregado no cultivo do pasto, para o PRV, é a energia solar.
Seguindo por essa filosofia, a divisão da área em pequenos piquetes permite ao solo que momentameamente não está oferecendo o alimento ser descompactado, já que não é submetido ao pisoteamento excessivo, voltando assim a ser permeável. Cursos de água pequenos, extintos pelo rebaixamento do lençol freático também devido ao pisoteio, podem voltar a brotar.
O respeito ao meio ambiente é recompensador. “No primeiro ano o pasto tem produtividade triplicada em comparação ao sistema tradicional. No quarto ou quinto ano, esse número chega a ser dez vezes maior”, atesta o professor Pinheiro Filho. Esses números são refletidos inclusive na criação do gado: se no manejo extensivo são necessários dez hectares para três ou quatro bovinos, o PRV possibilita que a mesma área alimente trinta ou quarenta cabeças depois de cinco anos de adesão ao sistema.
Participarão do evento agricultores do oeste de SC, que desenvolvem o PRV em suas propriedades, além de professores, pesquisadores, técnicos e alunos, de diversas regiões do Brasil e também de outros países da América.
O Encontro está sendo realizado pela UFSC, UFFS, Unochapecó, Ascooper, pelo Instituto Saga e Instituto André Voisin. A programação completa e outras informações podem ser obtidas pelo site do Núcleo, pelo telefone 3721-5349 ou pelo e-mail prv_americas@cca.ufsc.br.
Do constrangimento à solução francesa
O aluno de graduação do curso de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) não entendia.
– Mas por que não se utiliza o sistema de Pastoreio Racional Voisin? – perguntou.
– Deixe de bobagem – respondeu o professor. – Esse sistema nem científico é. Onde já se viu esperar o pasto crescer quando podemos adubar e ter melhores rendimentos? Esse método, além de romântico, é subversivo!
O diálogo, ocorrido em meados da década de 1970, teve como aluno-protagonista o professor Pinheiro Filho. A reação do docente da UFRGS era comum entre os estudiosos, os colegas e os militares da época, dentre outros fatores, por ter sido aplicado inicialmente em Cuba. A relação direta que se fazia do sistema com o regime socialista acabou mantendo resquícios com o passar do tempo também por ser utilizado junto ao Movimento Sem Terra, nos anos 1990.
O sentimento de perplexidade do aluno Pinheiro Filho se dava em função de um fato simples: ele cresceu observando seu pai – o também professor Luiz Carlos Pinheiro Machado – utilizar o PRV em sua fazenda, em Taquara (RS). Seguindo o amigo e agrônomo Nilo Romero, de Bagé, os dois foram os pioneiros na América Latina a implantar o sistema criado na década de 1950 pelo francês André Voisin.
“Meu pai lecionava na UFRGS e se sentia constrangido, pois defendendo teorias que aumentavam a produtividade do gado leiteiro, não possuía grandes produções em sua fazenda para mostrar aos alunos. Até que teve acesso aos livros de Voisin e passou a aplicar seus conhecimentos em nossa propriedade”, lembra Pinheiro Filho.
Os estudos de Voisin funcionaram na fazenda de Taquara, e o professor então repassava as experiências em sala de aula. A ditadura, no entanto, acabou fazendo com que fosse expurgado da Universidade, e o professor-fazendeiro tornou-se um homem do campo em período integral. O tempo extra que dedicava a terra fez com que explorasse mais intensamente a técnica de PRV, criando o Instituto André Voisin e disseminando o sistema pelo Brasil e para a Argentina. Luiz Carlos Pinheiro Machado e seu amigo Nilo Romero também participarão do I Encontro Pan-Americano sobre Manejo Agroecológico de Pastagens em Chapecó.

O PRV prefere instalar bebedouros a céu aberto a fim de prover ao rebanho água sempre fresca e ciclada, em detrimento dos açudes, que podem conter urina e dejetos
Sombra e água fresca
A UFSC foi a primeira instituição do Brasil a ensinar e pesquisar o PRV. Introduzido na década de 1980 pelo então professor Mário Luiz Vicenzi, que veio da UFRGS e aprendeu o sistema com Pinheiro, a universidade catarinense desenvolveu estudos que defendem – hoje sendo aplicados e reconhecidos – a necessidade de bebedouros e sombras de árvores nos piquetes.
Em vez de se valer de açudes, que podem conter urina e dejetos, bebedouros são instalados a céu aberto a fim de prover ao rebanho água sempre fresca e ciclada. A sombra – com um mínimo de quatro m² por animal -, é proporcionada por árvores em detrimento da sombra artificial. “Oferece mais conforto à vaca e também aumenta a produtividade, já que a árvore submerge suas raízes a cerca de quatro metros e traz nutrientes para a folha que, quando cai, recicla o solo”, esclarece o professor Pinheiro Filho.
O bem estar animal é item fundamental para o PRV, e muitas vezes significa o entrave na adoção do sistema nas propriedades. De acordo com artigo sobre o método publicado na Wikipedia, “o primeiro e crucial passo é o que tem que ser dado pelo dono ou administrador da propriedade. Se ele não tiver certeza de que quer partir para um sistema de bases holísticas, que mudará profundamente a atividade da fazenda, então não deve ousar fazê-lo, pois as consequências serão negativas. O veterinário não conhece, o agrônomo vai falar que isso não existe e os funcionários da fazenda vão boicotar o sistema caso o responsável não deixe claro que este é um caminho sem volta e reflete a decisão e interesse da fazenda. O gado passa a ser manejado a pé, o peão na frente, definindo o ritmo, sem nenhum instrumento que represente ameaça aos animais. Esse já é um dilema cultural para o peão, que aprendeu a tratar o gado à base do chicote no lombo, de cima de um cavalo e aos gritos, para mostrar quem manda, mesmo que isso não garanta o controle das rezes. Os animais, mesmo tendo sido maltratados desde o nascimento, após passarem por treino de cerca de três dias num piquete junto ao curral, tornam-se extremamente dóceis e obedientes. Em uma semana de manejo, o lote inteiro já está se comportando de forma surpreendente, se aproximando do manejador ao invés de tentar a fuga”.
Reconhecimento dos alunos e do País
O PRV começou a ser ensinado na prática, aos agricultores do Oeste catarinense, em 1992. “Era uma verdadeira operação de guerra. Professores e alunos saíam de madrugada em kombis capengas e chegavam de manhã a municípios do oeste do Estado. Assim começou, sob a liderança do Professor Vincenzi, uma profícua parceria com agricultores e prefeituras da região Oeste. Mais tarde, em 2006, esse trabalho veio a ser financiado pelo CNPq, num projeto que envolveu vários professores e estudantes do Centro de Ciências Agrárias (CCA). “Divididos em grupos, os estudantes visitavam as propriedades, almoçavam e conversavam com toda a família, levantando informações sobre análise e manejo do solo, topografia, plantio de grãos – como soja e feijão – e a criação dos animais. Partiam então para Florianópolis e faziam um projeto específico para aquela fazenda, apresentavam para toda a turma, voltavam ao município e o entregavam ao agricultor”, relembra Pinheiro Filho.
“Muitos desses alunos apontaram essa como a melhor experiência que tiveram na UFSC”, orgulha-se o professor. A Universidade atendeu, através do PRV, os municípios de Coronel Martins, Jupiá, Galvão, Formosa do Sul, Novo Horizonte, Anchieta, Guaraciaba, São Domingos, Bom Jesus, Flor do Sertão e Jardinópolis. Há relatos de famílias solicitando crédito para dar início à produção de gado leiteiro à base de pasto. A produção de leite de melhor qualidade, maior quantidade e com menores custos é um alento aos moradores rurais do oeste: a esperança agora é que o êxodo rural diminua consideravelmente.
O Núcleo PRV já aprovou diversos projetos junto ao CNPq; um deles, financiado também pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), foi reconhecido como um dos dois projetos de maior destaque da região Sul do Brasil. Consultores das duas instituições visitaram no mês de agosto municípios catarinenses onde o PRV foi implantado para constatar os resultados do trabalho.
Dividido em treze subprojetos e com a coordenação do Núcleo PRV, a UFSC acabou de aprovar agora, em conjunto com diversas instituições, projeto financiado pelo CNPq, MDA, MEC, Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e fundações de apoio à pesquisa. Com duração de três anos, o projeto pretende ampliar ainda mais a atuação do Pastoreio Racional Voisin no Brasil.
Por Cláudia Schaun Reis/ Jornalista na Agecom