Interpretar a consciência de si de mulheres negras na educação, compreendendo como as violências racistas e sexistas influenciam esse processo. Além do trabalho de conclusão de curso (TCC) no curso de Antropologia da UFSC, a pesquisa rendeu à Giovanna Barros Gomes a menção honrosa do prêmio Lélia Gonzalez pelo artigo “Conscientização Identitária de Mulheres Negras no Ensino Médio e de Magistério em Florianópolis”. O reconhecimento veio na 32ª edição da Reunião Brasileira de Antropologia, organizado pela Associação Brasileira de Antropologia.
O artigo foi sintetizado a partir do TCC de Giovanna, orientado por Miriam Grossi, fundamentado em pesquisa de campo realizada em 2019. O trabalho envolveu estudantes do terceiro ano de formação em Magistério do Instituto Estadual de Educação (IEE) e bolsistas do Programa de Iniciação Científica (Pibic) do Ensino Médio ligadas ao Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades (Nigs) da UFSC, além da experiência da própria Giovanna, estudante negra e paulista em Santa Catarina, numa autoetnografia. Ela explica que o estudo envolve esses três tipos de interlocução no ambiente escolar: “Basicamente trago estas três percepções para falar da consciência da mulher negra, como é importante enfatizar a negritude dentro de si”.
Giovanna conta que suas interlocutoras “situavam vivências escolares junto com as familiares, como a família sempre foi um apoio importante em casos de racismo que se passavam nas escolas, de se aceitar”. As estudantes sentiam falta do tratamento de fatores raciais e representatividade no ambiente escolar, aponta a pesquisadora: “Pesa muito isso. Muitas das interlocutoras do magistério estavam se tornando professoras para servir de exemplo para outras estudantes negras, queriam enfatizar a presença de mulheres negras no espaço escolar, a partir da percepção de si, e não na de outros”.
A principal diferença entre as pessoas que participaram da pesquisa foi a idade: as estudantes de iniciação científica tinham entre 17 e 18 anos, e as do magistério tinham entre 30 e 40 (uma delas estava na casa dos 60 anos). Na época, Giovanna tinha 22. “As interlocutoras do magistério tinham uma carga de vivência muito maior. Elas faziam diversos tipos de reflexões enquanto estudantes e atuando como professoras. As minhas vivências tinham um fator de (ter sido) estudante de ensino e de quem acompanhava estudantes do ensino médio”, cita Giovanna. As últimas tinham experiências mais demarcadas e especificadas, acrescenta: “Eram casos de racismo que aconteceram no IEE, e de como era a inserção de autores negros e autoras negras no Instituto. As do magistério me chamavam mais atenção porque era um misto de idade e vivências, era muito interessante dialogar com elas, porque tinham experiências parecidas com a minha e foi possível uma comunicação mais forte”.
Os dois grupos foram acompanhados ao mesmo tempo. “Todas as vivências me chamam atenção, cada uma tem sua particularidade, mas o racismo atinge de forma igual a todas, marca muito forte a mulher negra”, lembra Giovanna. Um exemplo enfatizado pela pesquisadora “é a dificuldade de se reconhecer enquanto negra. Isso se dá por diversos fatores: desde uma baixa representatividade no ambiente escolar, até razões familiares. Uma estudante do magistério, negra, e o pai, branco, não a reconhecia enquanto filha. Ela não queria ser negra”. O fato impediu-a de se auto reconhecer como negra, “ela via um teor negativo”.
Em outro exemplo, uma estudante do Pibic se reconhecia com parda, mas não como negra. “Ela via que pardo era muito diferente de ser uma pessoa negra. Não se via nas mesmas lutas até entender que na verdade ela é negra, e não simplesmente parda, o que mudou sua concepção sobre si. São estes fatores que o cantor Emicida fala: ‘Ela quis ser chamada de morena, que isso camufla o abismo entre si e a humanidade plena‘. É uma construção social, como se os preconceitos não existissem se a gente não se reconhece como negro. Muitas das minhas interlocutoras tinham esta percepção”. Quando há o reconhecimento enquanto negras, diz Giovanna, a concepção sobre elas muda, assim como sobre as coisas que acontecem ao seu redor. “Elas entendiam que não é por ser mais claras que não iam passar certos preconceitos”.
Durante o percurso da bolsa de iniciação científica, as estudantes do ensino médio, através do diálogo, com aprofundamento teórico referente a suas pesquisas e leitura de autores negros, assimilaram isso em suas vivências. “Já algumas estudantes do Magistério não tinham essa percepção, não se auto reconheciam enquanto negras. A família delas sim, mas elas não. É uma negação sobre si, por diversos motivos, traumas por preconceitos e racismos em diferentes espaços. É um fator tão violento que a pessoa acaba negando sua identidade”. Giovanna acredita que a família ajuda neste processo. “Faz parte da nossa identidade, entender como outras pessoas do âmbito familiar se identificam. A educação é um fator muito forte para construção identitária das pessoas”.
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