Lincoln: "a questão é saber se as obrigações devidas a fetos, crianças e adultos também são devidas a embriões"
Pesquisa sobre uso e seleção de embriões, publicada em livro pela EdUFSC, venceu Grande Prêmio Capes de Teses
O embrião humano não é um de nós, portanto, pode ser criteriosamente usado para pesquisas, finalidades terapêuticas ou simplesmente ser eliminado. A tese do pesquisador Lincoln Frias, defendida na Universidade Federal de Minais Gerais (UFMG), foi transformada no polêmico livro A ética do uso e da seleção de embriões, lançado pela Editora da Universidade Federal de Santa Catarina (EdUFSC), dentro da Série Ethica. A obra, viabilizada com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), agregou novo valor aos leitores: além de vencer o “Grande Prêmio UFMG de Teses de 2011”, a pesquisa que concebeu o livro acaba de ser anunciada como ganhadora do “Grande Prêmio Capes de Teses 2010”, o que significa que a prestigiada Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (Capes), agência de fomento do Ministério da Educação (MECV), considerou o trabalho de Lincoln a melhor tese de toda a área das ciências humanas, sociais e artes do País.
O autor, atualmente professor da Universidade de Alfenas (MG), trata, sem rodeios, de temas caros para a sociedade e a comunidade científica: as pesquisas com células-tronco embrionárias humanas (CTEHs) e com o diagnóstico genético pré-implantação (DGPI), que acontecem no começo da vida humana, ou seja, com o próprio embrião.
– Poucos defenderiam que é aceitável matar seres humanos adultos para beneficiar outros ou que não é imoral matar crianças com problemas de saúde para que apenas os saudáveis sobrevivam. O que une os dois temas, portanto, é que tratam do embrião humano em laboratório, surgido da fertilização artificial, que tem menos de 14 dias e que nunca esteve em um útero. O que interessa saber é que obrigações morais existem em relação a ele. Dito de outra forma, a questão é saber se as obrigações devidas a fetos, crianças e adultos também são devidas a embriões.
O livro analisa, de forma contextualizada, os principais argumentos empregados no debate, superando as opiniões sólidas das supostamente insustentáveis. Ao contrário dos “concepcionistas”, que acreditam que o embrião é um de nós, o pesquisador pensa que, “por reduzir significativamente a incidência de doenças hereditárias e anomalias cromossômicas”, a seleção de embriões é boa para todos (“pais, filhos, e sociedade em geral”). Embora deixe o debate na roda, Lincoln Frias não enxerga nenhuma razão consistente para acreditar que um embrião de até 14 dias goze do direito à vida. A tese confronta aqueles que defendem que embriões humanos adquirem “situação moral (status) igual aos seres humanos adultos”. O cientista reforça a sua tese lembrando que os embriões depois de 14 dias “não são de grande utilidade nem para a derivação de células-tronco nem para fertilização in vitro”.
O livro, contudo, parte do pressuposto de que o respeito à pessoa precisa prevalecer diante da maximização da utilidade. “A morte de embriões não deve ser vista como uma ofensa a um direito porque o embrião, assim como o esperma e o óvulo, não pode ser considerado um sujeito de direito, um de nós, mas sim uma condição para que um de nós exista e, embora seja errado matar um de nós, não é errado impedir que um de nós exista”.
Lincoln (branco) conversando com leitores durante a Feira de Livros da UFSC, ocorrida em março deste ano
A tese, em resumo, mostra que a seleção de embriões é moralmente aceitável, cientificamente defensável e humanamente desejável. Tudo, segundo o autor, respeitando critérios, princípios e limites éticos.
A capacidade de autocontrole, a racionalidade e autoconsciência são características que definem uma pessoa. “O problema é que o embrião está incrivelmente longe de possuía-las. Afinal de contas, ele não possui um único neurônio que seja”.Para validar sua tese, Lincoln apresentou, em artigo recente, um dilema aos leitores:
-Se há um incêndio em uma clínica de fertilização e você precisa decidir entre salvar dois embriões ou uma criança de três anos, quem você escolheria? Nunca encontrei alguém que salvasse os embriões, mesmo que fossem cem ou mil. Se você também pensa assim, o leitor não acredita realmente que eles tenham direito à vida.
Faltou perguntar, talvez, ao concepcionista!.
Doutor em Filosofia pela UFMG e docente da Universidade de Alfenas (Unifenas), Lincoln Frias integra o Grupo de Trabalho de Ética da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (Anpof). Especialista em ética prática (aborto, genética, direitos dos animais) o autor esclarece que o seu livro “não é exaustivo nem definitivo; seu objetivo foi apenas dar uma contribuição para a discussão sobre o uso e a seleção de embriões”, um debate controverso e certamente, interminável. Lincoln, embora convicto e convincente, não quer parecer o dono da verdade.
Moacir Loth / Jornalista da Agecom / UFSC
lothmoa@gmail.com
Obra: A ética do uso e da seleção de embriões
Autor: Lincoln Frias
Editora: EdUFSC – Fapemig
Série Ethica
266 p.
R$ 36,00
Contatos: editora@editora.ufsc.br, www.editora.ufsc.br ou (48) 3721-9408.
Contato com o autor: lincolnfrias@gmail.com