
Professora Miriam Grossi fala durante abertura da sétima edição do curso Gênero e feminismos, na UFSC. Foto: Henrique Almeida/Agecom/UFSC.
Com 60% de participação – o maior índice dos últimos dez anos – a votação nas eleições para renovação da Diretoria, Conselho e Secretarias Regionais da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) terminou nesta terça-feira, 22 de junho. O filósofo e ex-ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, venceu a disputa com o neurocientista Carlos Alexandre Netto e será o novo presidente da entidade em substituição a Ildeu de Castro Moreira. Janine Ribeiro obteve 1.205 dos 1.914 votos contra 617 de Netto. Foram eleitos para os cargos de vice-presidentes a socióloga Fernanda Sobral (atual vice de Moreira) e o físico Paulo Artaxo. Sobral teve 1.116 votos e Artaxo 683.
Sete mulheres vão compor a diretoria, um número inédito na história de 73 anos da SBPC. São elas: Claudia Linhares Sales, atual secretária, eleita secretária-geral com 1.747 votos; as três vagas de secretaria, preenchidas pela professora do Departamento de Antropologia da UFSC Miriam Pillar Grossi (1.227 votos), juntamente com Laila Salmen Espíndola (1.016) e Francilene Procópio Garcia (939); e as duas vagas de Tesoureiras: a primeira ficou com Marimélia Porcionatto (1.698) e a segunda com Ana Tereza de Vasconcelos (1.312).
Miriam Pillar Grossi credita esta representatividade como consequência da forte presença de mulheres no campo científico brasileiro – já são mais de dez anos com mais mulheres sendo tituladas com doutorado do que homens no país. “A SBPC reflete este movimento, mas ele não é espontâneo, é fruto de um projeto político e de articulação. Na eleição dei muita ênfase em haver maior representação de mulheres”, comenta Miriam.
Historicamente a ciência se desenvolveu nas regiões mais ricas do país, sobretudo no Sudeste, e por isto as regiões Norte, Centro Oeste e Nordeste são pouco representadas nas associações do campo científico, lembra a professora da UFSC. Entretanto, ocorreu “um momento de transformação e maior diversidade regional com a criação de universidades federais nos governos Lula e Dilma, para muitos lugares, especialmente no interior. Esta expansão levou à ampliação de mercado de trabalho”, explica Miriam.
As renovações começaram a ser refletidas pelas políticas de ações afirmativas, com uma forte demanda e presença de negros e indígenas nas universidades, destaca a pesquisadora da UFSC. Dos grupos com pouca representatividade nas entidades científicas, o das mulheres foi o primeiro a furar a barreira, aponta Miriam. “A ciência não é só masculina, mas branca. Já conseguimos um lugar ao sol, mas estão sendo eleitas agora mulheres ainda brancas. de camada média. É um primeiro rompimento epistêmico, com outros corpos e formas de pensar no campo científico, mas não se transforma isto do nada, precisamos de muitas lutas e demandas” salienta a professora da UFSC.
Outro elemento diferente no pleito da SBPC, observa Miriam, foi a eleição de um representante das Ciências Humanas na presidência, o professor Renato Janine Ribeiro, além de uma vice socióloga (Fernanda Sobral). “Represento a Antropologia da UFSC , e tradicionalmente, a SBPC teve biólogos, físicos, engenheiros na sua direção, com poucas pessoas da área de humanas. Vai ser importante ter pessoas com essa formação num momento de corte verbas governamentais, num momento de análise e interpretação, que é a grande contribuição da pesquisa de políticas sobre a vida social. Mais do que nunca, as ciências humanas são fundamentais”.
A professora da UFSC destacou a luta do atual presidente da SBPC, Ildeu Moreira, contra o corte de verbas na ciência brasileira: “É uma liderança impressionante, com forte articulação no Congresso pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Garantido em lei, esse fundo não pode ser contingenciado. Desde ano passado, o governo não disponibilizou os recursos, já foi alertado pelas questões legais de não aplicação, mas infelizmente está parado na execução pelo Ministério da Economia”.
A implicação da falta de verbas para pesquisa na sociedade pôde ser vista com maior facilidade por conta da pandemia, diz Miriam. “Se tivesse maior investimento na pesquisa, poderíamos ter resposta mais rápidas e imediatas. O número de 500 mil mortes poderia ser evitado com maior investimento da ciência. Autonomia de saber é algo que constrói soberania e desenvolvimento. Um dos grandes problemas da pandemia é o tal IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo), que só a China produz. Se a gente tivesse maior investimento, esse tipo de dependência poderia estar superado”.
Outra ameaça observada pela SBPC na atual gestão e que terá continuidade na nova será a defesa da liberdade de cátedra – a entidade lançou o Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade para lidar com o tema. “É algo que está sob forte ameaça. Vai ser outra ação que a nossa gestão vai dar continuidade. Os casos de cientistas sendo acuados na sua forma de pensamento são muitos. O professor Conrado (Hübner Mendes) da USP escreveu um artigo e está sendo processado. Não é o único”.
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