Com um exemplar currículo no ensino superior, construído em instituições públicas, a professora Ione Jayce Ceola Schneider destaca-se hoje na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e é uma das vencedoras do Prêmio Mulheres na Ciência 2021, concedido pela Pró-Reitoria de Pesquisa (Propesq). Filha de um pedreiro e de uma professora da educação infantil, seu Ivo Schneider e dona Leopoldina Ceola, a caçula de três irmãos recorda com orgulho da luta dos pais para garantir boas condições de estudo e um melhor futuro.
Professora Ione Schneider é natural de Presidente Getúlio, no Vale do Itajaí. Foto: Acervo pessoal
Ione deixou a cidade de Presidente Getúlio, localizada na região do Vale do Itajaí, em 1995, para cursar o ensino médio em Florianópolis. Três anos depois passou no vestibular do curso de Fisioterapia para Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). “Tudo isso [a possibilidade de sair da cidade natal para estudar] foi um sacrifício da minha família, pois não havia possibilidade de arcarmos com os custos de uma universidade privada”, relembra.
Depois da graduação, a fisioterapeuta começou a trabalhar em uma clínica oncológica. Nesse período, realizou um curso de coordenação da Sociedade Brasileira de Profissionais de Pesquisa Clínica e recebeu o prêmio de Profissional do Ano, em 2006. Paralelamente, tornou-se voluntária da Associação Brasileira de Portadores de Câncer, entre os anos 2003 e 2009, e participou de alguns cursos da American Cancer Society, que lhe ampliaram o conhecimento sobre gerência e gestão de projetos e controle do câncer.
A trajetória acadêmica
A carreira acadêmica iniciou-se com a graduação em Fisioterapia pela Udesc. Foto: Acervo pessoal
Em 2006, Ione Schneider decidiu dar continuidade à pesquisa e ingressou no mestrado em Saúde Pública da UFSC, com o objetivo de analisar a sobrevida de mulheres com diagnóstico de câncer de mama. “Nesse programa conheci a professora Eleonora d’Orsi, que me acolheu de forma acadêmica e maternal e me auxiliou no meu direcionamento. A Eleonora trabalhava com a linha de pesquisa de Epidemiologia do Câncer, área que eu me identificava totalmente e estava vinculada às minhas experiências anteriores”.
A pesquisadora conta que no período da pós-graduação iniciou a busca por novos cursos, aprendeu estatística e gerenciamento de banco de dados para, assim, “entender e saber fazer o que os artigos científicos mostravam”. Ela defendeu sua dissertação e enviou o resumo para dois importantes eventos: o Congresso Mundial de Epidemiologia, promovido em 2008 no Brasil, e o San Antonio Breast Cancer Symposium, no Texas, Estados Unidos. Os resultados de sua dissertação repercutiram na imprensa, uma vez que o trabalho relacionou o maior risco de óbitos em decorrência do câncer de mama a mulheres de baixa escolaridade, resultados que previamente não eram muito explorados, conforme explica Ione.
Pesquisadora auxiliou na organização e condução do estudo EpiFloripa. Foto: Acervo pessoal
Durante o doutorado, a pesquisadora auxiliou na organização e condução do estudo EpiFloripa – Condições de Saúde de Adultos e Idosos de Florianópolis. Em sua tese, defendida em 2013, na UFSC, a professora explorou o conhecimento e prática em relação à mamografia em mulheres adultas e idosas de Florianópolis. A partir do trabalho, publicou dois artigos científicos: um na Revista Brasileira de Epidemiologia e outro na Revista Cadernos de Saúde Pública. Dois anos após sua defesa, iniciou um estágio pós-doutoral no Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública da University College London (UCL), no Reino Unido, com uma bolsa CNPq – Ciências sem Fronteiras. Na experiência, foi supervisionada pelo pesquisador brasileiro Cesar de Oliveira e teve contato com os dados do estudo sobre envelhecimento daquele país, o ELSA (English Longitudinal Study of Ageing).
Em uma declaração de apoio à candidatura da professora Ione, Cesar de Oliveira, principal research fellow no ELSA, ressaltou que a colega aprofundou seus conhecimentos científicos nas áreas dos determinantes sociais da saúde e do envelhecimento populacional. “Seu brilhante domínio na área estatística foi um dos destaques de seu período na UCL. A colaboração científica existente entre a UFSC e a UCL, liderada pela professora Ione, tem resultado em publicações importantes em revistas científicas internacionais de alto impacto. Além do aspecto científico de alto nível, a professora possui uma ética e profissionalismo que impressionaram os professores e equipes de pesquisa do Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública da University College London”, escreveu.
A carreira docente
Ione é docente docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação (Araranguá) e em Saúde Coletiva e em Neurociências (Florianópolis). Foto: Acervo pessoal
O ingresso como docente da UFSC ocorreu em outubro de 2015. Atualmente a professora integra o Departamento de Ciências da Saúde, do Centro de Ciências, Tecnologias e Saúde do Campus Araranguá. É docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação, em Araranguá, e dos Programas de Pós-Graduação em Saúde Coletiva e em Neurociências, em Florianópolis, todos da UFSC. “Ao assumir como professora, cria-se o desafio de entender todos os processos que a instituição tem e que, como estudante, eram desconhecidos. Conciliar ensino, pesquisa, extensão e administração são tarefas, às vezes, desgastantes”, diz.
Ione revela que sempre procurou também participar ativamente das atividades administrativas. “Ainda durante o estágio probatório fui chefe de departamento, e atualmente sou coordenadora de ensino do Departamento de Ciências da Saúde. Nos programas de pós-graduação, oriento mestrado e doutorado. Já tive 6 orientações de mestrado concluídas e todas de estudantes mulheres”. Faz parte também do quadro de colaboradores do Global Burden of Disease (GBD), coordenado pelo Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME), da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, e do grupo de pesquisadores da Rede GBD Brasil. Desde 2014, Ione colaborou em mais de 30 artigos publicados pelo grupo, sendo que um desses trabalhos possui mais de 6 mil citações.
No ano passado, Ione Schneider foi citada na pesquisa conduzida por uma equipe da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, que utilizou as citações da base de dados Scopus até 2019. O estudo publicado no Journal Plos Biology, em 16 de outubro de 2020, identificou os cientistas mais influentes do mundo, e o nome da pesquisadora da UFSC figura entre os 2% melhores cientistas de sua área de subcampo principal, entre aqueles que publicaram pelo menos cinco artigos. Dos professores da Universidade listados na pesquisa, Ione é a única servidora de fora do Campus Florianópolis. A citação fez com que recebesse uma Moção de Aplausos da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (Alesc) e uma Moção de Aplausos e Reconhecimento da Câmara de Vereadores de Presidente Getúlio, sua cidade natal.
A mais recente conquista da professora Ione foi o Prêmio Mulheres da Ciência, na área de conhecimento Ciências da Vida, na Categoria Júnior, voltada a pesquisadoras que ingressaram no quadro permanente da Universidade a partir de 2014. “Essa conquista me remete a relembrar todas as etapas da minha vida, todas as pessoas que passaram pelo meu caminho, que me auxiliaram, que estiveram ao meu lado. Não foram só momentos exitosos nesses anos. Assim, sou grata a todos que contribuíram para que eu tivesse a oportunidade de chegar até aqui. Também sei das responsabilidades que essa conquista traz: ser exemplo, especialmente às minhas orientandas. É um caminho árduo para muitas que têm filhos, trabalham, ficam longe das famílias, mas incentivo a seguirem e estarei aqui para ajudá-las a superar esses desafios”, diz a docente.
A pesquisadora destacou a importância da UFSC em toda sua formação após a graduação. “Aprendi muito aqui e ainda aprendo. Agradeço aos professores que me ajudaram na formação e aos meus colegas de Departamento, os quais fizeram a indicação do meu nome para o prêmio. Esses reconhecimentos são importantes para que os profissionais sejam lembrados. Atuamos em diversas atividades dentro da Universidade e, muitas vezes, somos pouco reconhecidos pela sociedade. Somos professores, ministramos aulas, compartilhamos, mas desenvolvemos pesquisas, vamos sempre em busca de novos conhecimentos”, finalizou.
Maykon Oliveira/Jornalista da Agecom/UFSC