Marcelo Farina, pesquisador do Departamento de Bioquímica do Centro de Ciências Biológicas (CCB) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e novo membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências (ABC), é motivado por “um certo descontentamento persistente”. “O que seria isso?” – ele explica – “É estar sempre querendo algo a mais, estar sempre buscando melhorar e realizar mais. Minha busca nunca foi no sentido de almejar este ou aquele posto. Eu prefiro estar focado em aprimorar o meu dia a dia, a minha pesquisa, a formação dos meus alunos.” A diplomação na ABC é uma conquista decorrente de sua atuação como pesquisador; por isso, a notícia foi recebida com alegria. “Quando chegou o e-mail do presidente da Academia Brasileira de Ciências dizendo ‘parabéns’, fiquei muito feliz, não tem como descrever de outra forma. Um reconhecimento é sempre uma motivação.”
Marcelo Farina em seu laboratório. Foto: Jair Quint/Agecom/DGC/UFSC.
Diferentemente da categoria de membro titular, a de membro afiliado é destinada a pesquisadores jovens, de até 40 anos, que usufruem o direito de participar nas atividades da Academia por um período de cinco anos. Antes de Marcelo, apenas um professor da UFSC havia sido diplomado como membro afiliado: André Luiz Barbosa Báfica, do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia. O pesquisador Juliano Ferreira, do Departamento de Farmacologia, é membro afiliado desde 2012, quando ainda era professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Para o período 2015-2019, foram escolhidos cinco pesquisadores da Regional Sul, dos quais quatro são da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e Marcelo, da UFSC.
A escolha de novos afiliados ocorre em duas etapas: na primeira, um membro titular indica o pesquisador; na segunda, todos os titulares votam para eleger dentre os indicados. A escolha é feita em função da trajetória acadêmica: anos dedicados à pesquisa, principais conquistas do ponto de vista científico. Marcelo foi indicado por João Batista Teixeira da Rocha, da UFSM, seu orientador de mestrado e doutorado. “Esse pesquisador já orientou dezenas de doutores. Ele se tornou membro titular em 2014. O fato de sua primeira indicação ser alguém que não é da sua universidade me causa bastante alegria.”
Marcelo tem 39 anos e considera importante a participação das novas gerações de pesquisadores na ABC. “Um membro titular geralmente se baseia no que vivenciou há algumas décadas. Os jovens trazem o diferencial de terem uma experiência mais recente de aspectos importantes relacionados à ciência no Brasil. Por isso podemos trocar experiências e ideias de como podemos avançar em termos de política, ciência e tecnologia. Eu pretendo contribuir justamente dessa forma, a partir da minha experiência pessoal como pesquisador jovem.” A atuação política da entidade é algo que lhe motiva como novo membro. “É uma grande oportunidade poder participar das reuniões da Academia. A ABC é muito atuante politicamente, é uma instituição que luta em prol da ciência brasileira.”
A ciência
Em sua pesquisa, Marcelo busca averiguar de que forma compostos tóxicos presentes na natureza afetam a saúde humana. “Hoje em dia estamos mais suscetíveis à exposição de agentes tóxicos: medicamentos; pesticidas; produtos derivados da atividade industrial, como metais pesados, solventes etc. Tudo isso é lançado na natureza a partir da atividade humana. Eu investigo de que forma alguns desses componentes, que antes eram inexistentes ou existentes em menor quantidade, atuam no organismo.” Em seus experimentos, o pesquisador tenta compreender até que níveis o ser humano pode estar exposto a essas substâncias sem correr risco de sofrer seus efeitos nocivos. “Muitas doenças – como Alzheimer, Parkinson, diabetes, câncer – têm causas que ainda não são totalmente compreendidas. Por isso é importante definir os limites aceitáveis de exposição a esses compostos e, a partir disso, desenvolver uma base científica para implementar políticas ambientais. Por que se diz que o nível aceitável de chumbo no sangue é ‘tanto’? Porque se sabe que, até esse nível, em princípio, ele não prejudica a saúde.”
Caso se comprove que determinado componente possa desenvolver uma doença, a tendência seria, primeiramente, banir ou minimizar ao máximo sua presença na natureza. Marcelo explica que sua pesquisa busca, em uma segunda etapa, desenvolver estratégias que funcionem como antídoto. “Ou seja: se você se expõe agudamente a um agente tóxico, existe alguma forma de bloquear essa toxicidade? Após o indivíduo ter sido exposto e já estar apresentando sintomas crônicos que não são revertidos a curto prazo, é possível atuar farmacologicamente para minimizar esse estado?”
Entre os muitos compostos tóxicos que poderiam ser analisados, Marcelo decidiu estudar a atuação de metais e pesticidas. “O Brasil é um grande e talvez o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Alguns agentes que já foram banidos em alguns países ainda são utilizados aqui.” A pertinência desse tipo de investigação se deve ao fato de não haver, hoje, uma legislação que regulamente o uso de muitas dessas substâncias. O pesquisador se sente motivado, fundamentalmente, pela possibilidade de “fazer a diferença” e de melhorar a vida do ser humano. “Seria uma realização enorme se algumas das moléculas que estou investigando como potencial agente terapêutico para essas condições viessem a se tornar um medicamento, trazendo benefícios para a população. Eu sei que para isso existem várias etapas, e eu estou numa fase muito inicial. Mas estou tentando dar um passo significativo em termos científicos na minha área, adquirindo resultados que possam ser realmente benéficos à sociedade – imaginar isso até me emociona.”
Trajetória acadêmica
O caminho que o levou à Bioquímica começou quando partiu de sua cidade natal, Erechim (RS), para cursar, na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a graduação em Farmácia. Essa não foi, entretanto, uma escolha premeditada. “Há pessoas que dizem ‘desde pequeno eu queria ser farmacêutico’. Não é o meu caso. Quando chegou o momento de fazer vestibular, fiz um teste vocacional, que apontou para as ciências da vida. Decidi fazer Farmácia, pois gostava de Química. Na época foi o primeiro curso que me passou pela cabeça. Eu não tinha um sentimento genuíno de ‘ah, eu quero ser isso!’. Se o teste vocacional dissesse ‘você deve ser músico’, talvez eu me tornasse músico. Eu inclusive gosto de tocar bateria.”
Mas o teste vocacional provavelmente estava certo. Já durante a graduação, Marcelo se identificou com a Farmacologia e a Bioquímica – área em que fez Iniciação Científica. Posteriormente, no mestrado, o pesquisador diz ter sido influenciado por seu orientador. “O professor João Batista trabalha, principalmente, a toxicologia de compostos metálicos; então, eu comecei a me interessar por isso. No mestrado, eu me voltei para o efeito das substâncias no organismo como um todo; no doutorado, optei focar o sistema nervoso central e as doenças neurodegenerativas.” Marcelo considera que ainda existe muito a ser descoberto nessa área, mas as lacunas de conhecimento são, para ele, uma característica de todo campo do saber. “O ser humano sabe muito pouco de si próprio e do Universo, por isso acho muito importante a continuidade da ciência, a busca do conhecimento científico, daquilo que não se compreende.”
O ingresso no mestrado foi, para ele, o momento decisivo de sua trajetória profissional. Após concluir a graduação, voltou a Erechim para trabalhar em um hospital. “Depois de seis meses em um laboratório de Análises Químicas, percebi que aquilo não me motivava tanto, era muito monótono.” Nessa época, soube que a Capes havia recém-aprovado o mestrado em Bioquímica da UFSM, e que, em alguns meses, haveria a seleção para a primeira turma. “Fui da primeira turma do mestrado em Bioquímica da UFSM.” Aos 22 anos, Marcelo retornou àquela universidade e integrou a equipe de pesquisadores do laboratório de Bioquímica. “Quando saí daquele ambiente hospitalar e voltei ao acadêmico, tudo parecia mais lindo, mais espontâneo, mais alegre, mais criativo. Eu me senti feliz cursando mestrado e atuando em um laboratório de pesquisa. Isso me motivou muito; eu me vi fazendo aquilo pelo resto da vida.”
Marcelo cursou o doutorado na mesma área, mas na UFRGS, em Porto Alegre. Assim que o concluiu, em 2003, foi aprovado em concurso para professor efetivo do Departamento de Análises Clínicas e Toxológicas da UFSM. Dessa vez sua passagem por Santa Maria durou apenas seis meses: nesse período, ele também foi selecionado em concurso para professor da UFSC e optou mudar-se para Florianópolis pela característica que lhe é intrínseca: o “descontentamento persistente”. “Busquei um pouco de independência científica.”
Na UFSC, Marcelo teve o desafio de “começar do zero”: conquistar desde um espaço físico para seus experimentos, passando pela compra da primeira geladeira para seu laboratório, até a criação do Programa de Pós-Graduação em Bioquímica da Universidade. “O fato de me sentir mais independente me motivava muito. Embora eu atue numa linha muito próxima da em que eu atuava na UFSM, aqui tive a oportunidade de construir algo. Eu entrei na UFSC em 2004, e, em 2008, conseguimos criar o Programa de Pós-Graduação em Bioquímica, com mestrado e doutorado. Posso dizer que houve uma contribuição significativa de minha parte: fui o presidente da comissão de implantação do curso. Mas é claro que isso foi possível por já haver aqui uma equipe competente.” O professor se sente feliz por fazer parte da Universidade. “Eu considero a UFSC uma universidade respeitável, muito ativa e importantíssima para Santa Catarina. Para mim é um orgulho ser professor da UFSC.”
Atualmente, Marcelo orienta dois alunos de Iniciação Científica, três mestrandos, quatro doutorandos e dois pós-doutorandos. O ensino é, para ele, parte muito importante de sua atuação como acadêmico. “Gostaria de contribuir para a formação de novos cientistas, que talvez venham a gerar conhecimentos importantes para a sociedade.” O pesquisador reafirma que se sente feliz como membro da ABC, mas que o mais importante é ser cada vez melhor no que faz. “Mais do que fazer mais, quero fazê-lo benfeito. O lançamento de um novo medicamento não ocorre se nós, como pesquisadores, não fizermos um excelente trabalho.”
Daniela Caniçali/Jornalista da Agecom/DGC/UFSC
daniela.canicali@ufsc.br
Revisão: Claudio Borrelli/Revisor de Textos da Agecom/DGC/UFSC