Em 1992, uma criança de poucos meses morreu quando seu irmão de dois anos lhe deu mais de 30 comprimidos brilhantes e coloridos. Dentro dos comprimidos estava o metal ferro, mortal quando ingerido em excesso. O uso dos comprimidos em níveis adequados pela mãe das crianças caracterizava uma suplementação dietética, pois o ferro é essencial para os seres humanos e sua carência também causa efeitos deletérios à saúde.
O grupo de pesquisa coordenado pelo professor Marcelo Farina, do departamento de Bioquímica da UFSC, tem estudado como o excesso de ferro causa danos aos organismos e como algumas moléculas de gordura (lipídeos) protegem contra lesões causadas pelo ferro. Em um estudo conduzido em colaboração com pesquisadores estadunidenses e espanhóis, o grupo de pesquisa coordenado pelo professor Farina descobriu que um dos principais mecanismos pelos quais o excesso de ferro causa danos é através da indução de ferroptose, um tipo de morte celular ainda pouco conhecido e caracterizado pela intensa oxidação de lipídeos nas membranas das células. O trabalho foi financiado pela Capes, CNPq e Fapesc.
De acordo com o professor, os efeitos danosos do excesso de ferro não ocorrem apenas em casos graves de intoxicação aguda. “De fato, há uma doença humana nomeada hemocromatose e caracterizada pelo excesso de ferro no organismo devido a defeitos genéticos ou à necessidade de repetidas transfusões de sangue, o qual possui elevados níveis deste metal”, explica.
Óleo presente no azeite de oliva pode ajudar a combater excesso de ferro (Imagem de Steve Buissinne por Pixabay)
Segundo ele, há evidências científicas suportando uma associação entre níveis de ferro e envelhecimento e apontando para o acúmulo de ferro em doenças relacionadas ao envelhecimento: pacientes com doença de Parkinson apresentam níveis elevados de ferro em determinadas regiões do sistema nervoso central. Dentre os tratamentos atualmente disponíveis para indivíduos com excesso de ferro no organismo, destaca-se a flebotomia (sangramento) e o uso de medicamentos quelantes, que se complexam com o ferro e facilitam sua eliminação.
O estudo, que se baseou em modelos experimentais utilizando o nematoide Caenorhabditis elegans, camundongos e linhagens celulares humanas, detectou um composto lipídico nomeado ácido oleico, um ácido graxo monoinsaturado presente em abundância no azeite de oliva, como molécula protetora capaz de inibir a ferroptose. A consequência seria a proteção contra os danos induzidos pela sobrecarga de ferro nos três modelos experimentais.
“O estudo sugere que estratégias nutricionais baseadas na utilização de ácidos graxos monoinsaturados, como o ácido oleico, podem mitigar o dano induzido pelo excesso de ferro, o que poderia representar uma estratégia terapêutica adicional”, explica o professor. “Interessantemente, o ácido oleico faz parte da dieta mediterrânea, que está associada à saúde e à longevidade”, reforça
Outro mecanismo desvendado no estudo foi o envolvimento de uma proteína-chave que determina se o ácido oleico pode ser protetor. Nesse caso, a proteína PPAR-alpha (do inglês peroxisome proliferator-activated receptor-alpha) foi considerada fundamental para a capacidade do ácido oleico de proteger contra o dano induzido pelo excesso de ferro em células e nematoides.
Os resultados do estudo foram divulgados em um artigo científico publicado no periódico Cell Chemical Biology, que traz como primeira autora a pesquisadora Josiane Mann, orientada pelo professor Marcelo Farina durante doutorado no Programa de Pós-Graduação em Neurociências e atualmente bolsista de pós-doutorado em Bioquímica. A equipe da UFSC também contou com a doutoranda Melania Santer e o professor Alcir Dafré. O trabalho também é assinado pelo professor Brent Stockwell, da Columbia University, nos Estados Unidos, que coordenou o trabalho pioneiro que culminou na descoberta da ferroptose há cerca de uma década.