Pesquisa revela um dos mecanismos capazes de tornar células resistentes à morte celular

28/05/2019 12:00

O desenvolvimento de métodos para análise de proteínas de membranas envolvidas na morte celular resultou na descoberta de um mecanismo que evita essa ocorrência. O estudo publicado na Nature Communications tem a participação de Guilherme Razzera, professor do Departamento de Bioquímica do Centro de Ciências Biológicas (CCB) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e de pesquisadores de instituições de Portugal, Holanda e Alemanha.  O trabalho colaborativo demonstrou a possibilidade da transformação de células de câncer de cólon em células resistentes à morte.

Guilherme explica que as ceramidas, um grupo de lipídios presentes em todas as membranas,  induzem à morte celular quando acontece um aumento de sua quantidade dentro da mitocôndria, organela responsável pela maior parte da produção de energia do corpo. “Quando o aumento acontecia, desencadeava um processo de morte. E a gente não sabia exatamente qual era o mecanismo que envolvia isso”.

O pesquisador conta que houve a simulação computacional da membrana para ver exatamente quem participava desta morte em células de câncer de cólon. ”Descobrimos que se trocássemos especificamente uma parte de uma proteína (chamada VDAC2), essa morte não acontecia mais”. Posteriormente, houve testes em células reais de câncer de cólon e o resultado foi o mesmo: elas deixaram de ser induzidas à morte. “O trabalho é importante porque a gente conseguiu testar um mecanismo computacionalmente e validar isso experimentalmente. Foi a primeira vez que simulamos a membrana de uma mitocôndria”, relata Guilherme, que completa: “A célula vai continuar cancerígena. Mas agora se sabe o caminho que induz à morte. Então, podemos estimular a morte de células cancerígenas”.

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Ao descobrir o caminho de entrada das ceramidas em células de câncer de cólon e mudá-lo, o professor afirma que teoricamente é possível fazer o oposto. Este será o próximo passo do estudo, a cargo de pesquisadores na Alemanha, parceiros no projeto, aponta Guilherme. “O caminho natural é desenvolver moléculas modificadas que possam especificamente chegar ali e induzir a morte, usando esse caminho. Conseguimos fazer este mapeamento, ou seja, descobrir uma via que já era conhecida antigamente, mas não se sabia de que forma acontecia a interação”.

A parte computacional da pesquisa, pioneira na UFSC nesta metodologia, é fundamental porque poupa trabalho e permite a criação de múltiplas simulações. Dois supercomputadores foram utilizados na pesquisa, um do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) e outro da instituição parceira na Holanda. Para análise dos dados, Guilherme contou com o apoio da Superintendência de Governança Eletrônica e Tecnologia da Informação e Comunicação (SeTIC) da UFSC, que forneceu máquinas para fazer análises. “Às vezes, trabalhos computacionais levam muitos anos porque requerem computadores muito potentes e agora a coisa evoluiu de um jeito que possibilitou simularmos isto mais rápido”.

O trabalho necessitou de diversas réplicas de simulações para ter uma relevância estatística e evitar o acaso. Cada uma delas demora, em média, uma semana de trabalho de um supercomputador – num PC normal, demoraria muitos meses. Os pesquisadores juntaram informações dos supercomputadores durante seis meses e passaram um ano analisando os conjuntos de dados. “Fazer as ferramentas de análise também é difícil . Como é novo, a gente tem que construir os métodos de análise, que são todos através de programação. São muitos dados e precisamos extrair uma informação útil”, diz Guilherme. Ele comenta que as simulações em computador geram imagens, visualmente mais didáticas para quem é leigo. “Nossa esperança é que o poder computacional aumente e possamos fazer esse tipo de análise até em computadores mais simples. À medida que os supercomputadores ficam mais velhos, os novos também ganham poder computacional equivalente”, completa.

Contato da ceramida que induz à morte celular ao ativar VDAC2 – proteína de membrana da mitocôndria (Clique na imagem). Fonte: Guilherme Razzera/CCB/UFSC

Da parte de Guilherme, a meta é aumentar o tamanho das simulações por supercomputadores, com mais moléculas envolvidas e mais interações, desenvolvendo uma metodologia de criar grandes sistemas e aumentar a capacidade de cálculo. “A gente sabe que quando a célula morre, forma um grande poro, que envolve múltiplas moléculas e isso nunca foi visto. Como é que isso é montado? Como é que abre esse buraco? Tem um interesse tecnológico: como formar buracos nas membranas, se a gente quiser passar coisas por lá?, questiona.

O trabalho do grupo de pesquisadores irá estimular outros trabalhos com simulações mitocondriais. Eles desenvolveram uma metodologia e deixaram todos os dados abertos a interessados. “Este estudo é fundamental porque, com as técnicas que a gente montou, outras pessoas poderão propor hipóteses e testar o funcionamento. Disponibilizamos todos os scripts de cálculos e programação. Ou seja, a pessoa pode fazer o download disso e começar a aplicar nos próprios modelos”. Uma membrana dessas tem milhares de proteínas e seria impossível para o grupo estudar todas, por isto a filosofia é trabalhar com programas e códigos abertos, que inclusive podem ser acessados por empresas para o desenvolvimento de produtos.

A pesquisa depende muito de dinheiro público a situação preocupa Guilherme. “O Laboratório Nacional De Computação Científica é a nossa base de trabalho e há um custo alto para manter este supercomputador funcionando. Portugal não tem um supercomputador e nós temos um dos poucos na América Latina”.

Caetano Machado/Jornalista da Agecom/UFSC

Foto: Jair Quint/Agecom/UFSC

 

 

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