
Professores Wander Miranda, Patrícia Peterle e Raúl Antelo na mesa de abertura do congresso Fluxos Literários, que acontece nos dias 12 e 13 de junho
Com a palestra do professor Wander Melo Miranda, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que analisou a obra do escritor mexicano Mario Bellatin, teve início nesta terça-feira, 12 de junho, o congresso internacional Fluxos Literários: ética e estética. O evento reuniu mais de cem professores, pesquisadores e estudantes no Auditório Henrique Fontes, no Centro de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina (CCE/UFSC), que tiveram a oportunidade de ouvir e debater também com o professor Raúl Antelo, que falou sobre fluxos e movimentos da literatura a partir do questionamento “É isto ainda a Europa?”.
Wander Miranda começou sua fala alertando que seu estudo ainda está em fase de gestação. Sua análise é a de que o texto de Bellatin tem uma lógica do mundo virtual, ao utilizar trechos de entrevistas publicadas na internet dentro de seus romances e ao retomar situações narrativas de outras obras do próprio autor. “O que ele faz é decompor a estrutura de um corpo morto de texto para transformá-lo em outro texto. Essa mimetização está em harmonia com o cenário comunicacional de trocas. Estou fazendo um mapa para conseguir localizar as narrativas”, afirma o professor Wander. Para ele, o texto passa da propriedade privada simbólica do escritor para transformar-se em uma plataforma pública de discussão.
”É como se Bellatin se embrenhasse dentro da obra para ficar fora da obra. Há uma cena emblemática de um de seus romances em que a personagem está no parapeito da janela de um casarão em ruínas, olhando de fora para fora”. A obra de Bellatin apresenta novas proposições até para o objeto livro, que pode ser interpretado como uma instalação. A editora brasileira Cosac Naify, que publicou o livro Flores, descreve o projeto gráfico como radical: sem capa, com a orelha despregada do miolo, o livro envolto num saco plástico.
Para ele, a obra de Bellatin é perturbadora, pois não há antes e depois, fora ou dentro. É ao mesmo tempo atraente e repugnante, o que revela possibilidades na literatura, pois foge do esquematismo e apresenta a ideia do todo como um horizonte utópico. Portador da síndrome de talidomida, Bellatin nasceu sem o braço direito. Sua obra é marcada por personagens com corpos mutilados, amputados, sangues contaminados. “Quando você lê a obra dele, você vê que existe uma outra proposição de literatura que interrompe esse fluxo mundializado. É possível estudar a literatura muito mais pela voz do que estão pensando as artes visuais do que quem está pensando a literatura. Críticos de arte colocam questões estéticas e poéticas que a literatura ainda está aquém”, afirma o professor.
O fluxo
Intitulada “The flow: é isso ainda a Europa?”, a outra palestra da manhã foi ministrada pelo professor Raúl Antelo (UFSC), que tomou como ponto de partida o artigo do crítico literário italiano Alberto Asor Rosa, “Se questo è ancora un romanzo” (“É isto ainda um romance?”). Nele Asor Rosa debate o que é o romance, uma vez que a narrativa está presente em todos os lugares, seja na publicidade, nas histórias em quadrinhos, no discurso político. Conforme aumenta o fluxo do comércio literário, a literatura passa a fazer parte da categoria de economia.
Antelo desenvolveu sua narrativa citando Guy Debord, Primo Levi, Gunther Grass, Michel Foucault, Pier Paolo Pasolini, entre outros pensadores, para tratar do conceito de humano e do conceito de sem forma na literatura. “O sistema literário, quando comparado ao sistema econômico, é uma rua de mão única dos fluxos literários, em que uma literatura hegemônica pode exterminar as outras literaturas”, afirma Antelo.
Ele citou Foucault e sua ideia de que a literatura é essencialmente marginal, que questiona e que nunca será tomada como um discurso. “Até o século XIX escrever romance era querer edificar, construir. A partir daí a literatura passou por uma constante desinstitucionalização, pela transformação em palavra anárquica, sem instituição, que mina todos os outros discursos”, afirma Antelo. Para ele, a literatura sempre esteve fascinada pela loucura, seja imitando a loucura ou por tornando-se louca. Questionado sobre como pensar o alegórico hoje, Antelo afirmou que a alegoria estabelece limites entre o familiar e o estranho. “A mim interessa levar o texto à loucura, e não corroborar com os limites, pois isso seria estancar o fluxo.”, concluiu.
O Congresso Internacional Fluxos Literários: ética e estética é realizado pela Pós-Graduação em Literatura e pelo Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), UFSC e CCE. O evento é gratuito e continua até 13 de junho no Centro de Comunicação e Expressão da UFSC.
Mais informações:
http://fluxosliterarios.blogspot.com.br/
Por Laura Tuyama, jornalista na Agecom. Fotos: Wagner Behr.