Reunião da Câmara da PROPG debate política de ações afirmativas no próximo dia 2 de julho. Foto: Alissa De Leva/Unsplash
O último ato do ministro Abraham Weintraub à frente da pasta da Educação foi revogar a Portaria Normativa nº 13, de 11 de maio de 2016, que incentiva a política de cotas para negros, indígenas e pessoas com deficiência em cursos de pós-graduação nas universidades federais. A medida recebeu críticas do Congresso e foi alvo de despacho no Supremo Tribunal Federal (STF) para que a Advocacia-Geral da União se manifestasse sobre a ação. Poucos dias depois, o Ministério da Educação (MEC) tornou sem efeito a portaria publicada no dia 16 de junho.
A norma de 2016 amplia para além da graduação a política de ações afirmativas (PAA) estabelecida pela Lei nº 12.711, mais conhecida como Lei de Cotas, criada em 2012. Segundo a secretária de Ações Afirmativas e Diversidade (Saad) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Francis Solange Vieira Tourinho, se confirmada, a revogação da portaria nº 13/2016 não afetaria a continuidade de adoção de medidas deste âmbito na instituição. “Na prática, as Instituições Ensino Superior passariam a estar desobrigadas de apresentar propostas relativas à inclusão de PAA na pós-graduação. Além disso, cabe destacar que essas instituições têm autonomia para implantação e justificativa jurídica, conforme declaração do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade das políticas de ações afirmativas”, explica.
A UFSC possui hoje diversos programas de pós-graduação lato sensu e stricto sensu que apresentam vagas destinadas para ações afirmativas em seus editais de seleção: Antropologia Social, Direito, Ecologia, Educação, Educação Científica e Tecnológica (mestrado e doutorado); Enfermagem (mestrado e doutorado profissional); Engenharia de Sistemas Eletrônicos, Estudos da Tradução, Filosofia, Interdisciplinar de Ciências Humanas, Saúde Pública, Oceanografia (mestrado). Atualmente, cinco programas de mestrado e doutorado acadêmico estão em fase de estudo acerca do oferecimento dessas cotas: Enfermagem, Inglês, Nutrição, Psicologia e Biologia de Fungos, Algas e Plantas.
Cada programa possui autonomia para decidir quais grupos serão beneficiados e qual será o percentual de vagas destinadas. Além de negros, indígenas e pessoas com deficiência, a UFSC tem ações que contemplam estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica, quilombolas, estrangeiros e refugiados humanitários, professores da rede pública, travestis, transexuais e transgêneros, estudantes beneficiários do Programa Universidade para Todos (Prouni), entre outros. De acordo com os editais de seleção, o candidato, no ato da inscrição, deve assinalar que deseja preencher uma das vagas de PAA e em qual categoria irá concorrer.
Levantamento realizado pela Pró-Reitoria de Pós-Graduação
O mais recente levantamento feito pela Pró-Reitoria de Pós-Graduação (PROPG), realizado em junho de 2018, constatou que, dentre os 49 programas de pós da UFSC que responderam à pesquisa, somente cinco adotavam à época a política de ações afirmativas (10,2% do total). Todos os cinco disponibilizavam vagas para negros; quatro deles para indígenas; e apenas um para pessoas com deficiência. Dentre os programas que oferecem vagas para negros, dois reservam 10% para estes candidatos, enquanto os outros três disponibilizam 5%, 15% e 20%.
Entre os dados apresentados na coleta de informações promovida pela PROPG, há o quantitativo de alunos, por raça, regularmente matriculados na pós-graduação stricto sensu da Universidade. A grande maioria – 77,7% – é formada por alunos que se autodeclaram brancos. Em seguida, aparecem as raças: parda (10,6%), preta (3,4%), amarela (1,2%) e indígena (0,2%). Cerca de 7% dos estudantes consultados optaram por não declarar sua raça. Um dos motivos citados no levantamento para a não adesão de programas à PPA é o fato de os cursos de graduação da Universidade já realizarem a reserva deste tipo de vaga.
A secretária Francis Tourinho, no entanto, considera que a adoção de ações afirmativas apenas na graduação não é suficiente para reparar ou compensar efetivamente as desigualdades sociais resultantes de um legado histórico de exclusão social, desigualdade estrutural, racismo estrutural e graves atitudes discriminatórias que se perpetuam no presente. “A universidade é um reflexo da sociedade em que está inserida. E vivemos em uma sociedade onde o caráter discriminatório traz como um dos maiores desafios o acesso, uma vez que este é elitizado e visto como uma conquista inerente ao conceito utilizado de meritocracia. A universidade cumpre um importante papel nesta disputa, destacando a sub-representação das populações excluídas, discriminadas e marginalizadas”, destaca.
Para a pró-reitora de Pós-Graduação da UFSC, Cristiane Derani, o maior desafio é a construção do entendimento do propósito das ações afirmativas junto a todos atores envolvidos na pós-graduação. “Às vezes as pessoas acham que, com a inserção de cotas no processo seletivo, haveria um afastamento daquilo que seria natural da pós-graduação, que é a seleção dos melhores. (…) Mas isso [a política de ações afirmativas] de modo algum fere os ideais da pós, que é a formação de alto nível, de grandes pesquisadores. Muito pelo contrário, cria espaço para um aumento da diversidade de pensamento, tão necessária para o arejamento das pesquisas e da inovação que são próprios da pós-graduação”.
O tema será uma das pautas na próxima reunião da Câmara da Pós-Graduação da UFSC, marcada para a próxima quinta-feira, dia 2 de julho. Os professores Luiz Mello e José Alexandre Diniz farão uma apresentação sobre a política de ações afirmativas dentro da pós-graduação da Universidade Federal de Goiás (UFG), pioneira na implantação de uma norma geral de cotas para a área, ainda em 2016. A pró-reitora Cristiane Derani esclarece que a reunião ocorre em um momento em que a Câmara discute alterações no Regimento Geral da Pós-Graduação. Algumas mudanças poderiam alterar as diretrizes para a política de ações afirmativas, independentemente da publicação de uma resolução específica sobre a matéria.
Derani salienta ainda que a questão das cotas está relacionada com o processo colonial de ocupação dos espaços políticos, educacionais e científicos do país. “Quando começamos a trabalhar com a cotas, começa a haver a ruptura desse espaço. Está sendo muito pedagógico fazer com que as pessoas que não estavam habituadas a conviver com a diversidade passassem a ver com mais proximidade a cara do Brasil. E trazendo isso para dentro do ensino superior, inclusive na pesquisa, você tem condições de dar respostas muito mais adequadas à nossa realidade. Isso a gente só consegue com diversidade e fazendo com que a Universidade seja realmente um microcosmo do que é a nossa sociedade”, afirma.
Fraudes são uma preocupação
De acordo com a secretária Francis Tourinho, uma das maiores preocupações referentes à política de ações afirmativas são as fraudes. Entre 2014 e 2017, devido a uma decisão do Conselho Universitário (CUn), a UFSC retirou a verificação das autodeclarações e dispensou o procedimento de heteroidentificação para as vagas de pretos, pardos e indígenas (PPI). Porém, há três anos, depois de uma pesquisa promovida pela Secretaria de Ações Afirmativas e Diversidade, observou-se o ingresso de um grande número de estudantes que não deveriam ser beneficiários por não pertencerem aos grupos étnicos específicos das cotas. Assim, em sessão realizada em julho de 2017, o CUn decidiu pelo retorno da heteroidentificação para as cotas PPI.
“O trabalho da UFSC desenvolvido nos processos de heteroidentificação (análise fenotípica) é pautado em leis específicas e tem organização e treinamento dos membros que participam das bancas, compostas por docentes, técnicos administrativos, discentes, membros do movimento negro externo à Universidade, com diversidade de gênero e étnica. A UFSC vem se destacando como modelo pelo seu protagonismo nas diversas modalidades de verificação que realiza: renda, pretos, pardos, negros, indígenas, quilombolas, pessoas com deficiências na graduação e atualmente nos demais grupos beneficiados nas cotas da pós-graduação”, finaliza a secretária Francis.
Maykon Oliveira/Jornalista da Agecom/UFSC