Os bustos, muitas vezes, não merecem a atenção dos que passam. Muitos desconhecem aqueles rostos estáticos em meio ao movimento frenético da vida moderna. A solidez dos traços não expressam as ações pioneiras dos personagens ali esculpidos. Para que suas identidades não sejam esquecidas, nem suas realizações, a série “Nossos Monumentos” traz alguns recortes da história por trás dessas obras de arte na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
A representação de uma pessoa tem por finalidade recriar a sua fisionomia o mais próximo possível da realidade. Esse estilo acadêmico, inspirado nas escolas europeias, não é mais tão usual. No Campus Florianópolis da UFSC, bairro Trindade, há três esculturas do tipo em homenagem a três ilustres catarinenses: José Arthur Boiteaux, Henrique da Silva Fontes e João David Ferreira Lima. A de Boiteaux encontra-se no Centro de Ciências Jurídicas (CCJ); as outras duas, na Praça da Cidadania, em frente à Reitoria.

Fazenda Assis Brasil, atual Campus Florianópolis. Acervo UFSC
Os bustos são uma forma de eternizar a atuação desses três professores, com formação em Ciências Jurídicas, que foram os alicerces da educação superior em Santa Catarina. São nomes igualmente importantes para o nascimento e a trajetória da UFSC.
A história deixa lacunas, inevitavelmente. A memória da instituição, em seus primeiros passos, deve ser resgatada e fielmente registrada, pois as conquistas alcançadas por cada um, cada qual no seu tempo e possibilidades, tornaram possível o surgimento de uma instituição federal, pública e gratuita – a primeira do estado. E mais, foram os responsáveis no passado, por a Universidade ser, no presente, referência dentro e fora do país.
Um ideal concretizado
A UFSC foi criada com o nome de Universidade de Santa Catarina, em dezembro de 1960. Era composta pelas faculdades e escolas da capital catarinense – Direito, Ciências Econômicas, Farmácia, Odontologia, Filosofia, Serviço Social, Medicina e Engenharia Industrial – e tem suas raízes no Instituto Politécnico, constituído em 1917 e absolvido pela Academia de Comércio nos anos 30. O Instituto ofertou os primeiros cursos superiores em áreas técnicas do estado. A Universidade recebeu a designação de federal em lei específica de agosto de 1965. Com a reforma universitária de 1969, as faculdades deram lugar às unidades universitárias, como são chamados os centros de ensino.
José Arthur Boiteaux (1865-1934)
O patrono do ensino superior em Santa Catarina foi desembargador, jornalista, historiador e político. Apresentou em 1931 a proposta de criação da Faculdade de Direito, implantada no ano seguinte, cujo curso foi o primeiro superior do estado. Nas discussões que envolveram a formação do curso, já havia o interesse em criar uma universidade, acompanhando um movimento que se fortalecia no país.
Boiteux faleceu dois anos após a criação da Faculdade de Direito, e Henrique Fontes assumiu as obrigações, avançando em direção à criação de uma universidade.
A Fundição Cavina & Cia, do Rio de Janeiro, em 1989 (ano incerto), foi a responsável pelo busto de bronze, com pedestal de granito.
Henrique da Silva Fontes (1885-1966)
O professor e desembargador Henrique da Silva Fontes “coordenou todas as providências do poder público para a concretização da Universidade”, palavras do governador Heriberto Hülse, em 5 de julho de 1959, na solenidade de lançamento da pedra fundamental do primeiro edifício da cidade universitária que abrigaria a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, atualmente Centro de Comunicação e Expressão (CCE).

Plano da cidade universitária de 1959
Henrique Fontes solicitou ao governo do estado a doação das terras da Fazenda Modelo Assis Brasil, subdistrito Trindade, em Florianópolis, para instalação do campus da UFSC. O vasto espaço cedido, com cerca de um milhão de metros quadrados, era perfeito para a construção da cidade universitária, pois previa o desenvolvimento futuro do sistema universitário e da região. Ferreira Lima era a favor da localização no centro da cidade, porém sua proposta não passou no Conselho Universitário.
Fontes elaborou o plano, com a participação dos professores da Universidade de São Paulo (USP), Hélio de Queiroz Duarte e Ernesto Roberto de Carvalho Mange. O projeto, com as peculiaridades da época, contemplava escolas e institutos, ensino e pesquisa, cultura, recreação e convivência.
A idade avançada de Henrique Fontes o impediu de exercer o cargo de reitor da UFSC. Seu busto é de autoria de José Luiz Kinceler, em 1995, feito de bronze, com estrutura de metal, e a placa registra sua realização: “Ao fundador da Faculdade Catarinense de Filosofia e idealizador do campus universitário”.
João David Ferreira Lima (1910-2001)
Fundador e primeiro reitor da UFSC. Foi nomeado em 16 de setembro de 1961 e permaneceu nesse cargo até 24 de outubro de 1972. Ficou um pouco mais de 10 anos, e o acompanharam dois vice-reitores, Luiz Osvaldo D’Acâmpora (1962) e Roberto Mündel de Lacerda (1968).
Ferreira Lima foi reconhecidamente o responsável pela implantação da Universidade de Santa Catarina. Sua coragem o fez enfrentar as dificuldades e as barreiras burocráticas, e conseguir, em 1962, a sua efetiva instalação.
Em agosto de 2010, na comemoração dos 50 anos da UFSC e pelo centenário do nascimento do fundador, a instituição o homenageou com o descerramento de uma placa e a colocação de flores no busto, ocasião em que estavam presentes os três filhos de Ferreira Lima, que também seguiram a carreira docente e atualmente estão aposentados pela instituição que o pai criou.
O busto de Ferreira Lima é feito de bronze e, na sua estrutura em forma de arco, concreto armado. A obra é do escultor e professor do Departamento de Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), José Luiz Kinceler, que também assinou o busto de Henrique da Silva Fontes. O artista faleceu em junho de 2015, aos 54 anos.
As imagens dos criadores da UFSC foram instaladas na Praça da Cidadania em 1995, quando a UFSC completava 35 anos, na gestão de Antônio Diomário de Queiroz. A abertura social da praça foi em abril de 1994, e na placa de fundação a frase do sociólogo Herbert José de Sousa (o Betinho): “A fome é crime ético”. O conjunto, artes e jardim, faz parte do projeto de humanização do campus, idealizado pelo arquiteto e paisagista Roberto Burle Marx (1909-1994). O objetivo era democratizar o espaço central da Universidade para livre expressão política, artística e cultural.
Os bustos podem não ser obras de arte tão atrativas ou instigadoras da curiosidade alheia. Sua beleza está na história que carregam e na linha do tempo. Aos que passam, fica a dica: perceba, observe e questione. O que a UFSC se tornou é mérito dos que foram retratados, pois estiveram à frente de um grande momento para Santa Catarina, nascido da necessidade de a sociedade crescer.
Rosiani Bion de Almeida/Agecom/UFSC
Fotos dos bustos e montagem: Henrique Almeida/Agecom/UFSC
Com informações institucionais de ‘Arte na UFSC’ (2014), ‘UFSC 50 anos – Trajetórias e Desafios’ (2010) e documentos fornecidos pela família Fontes em 2010 à UFSC – plano da cidade universitária, jornais e ata de lançamento da pedra fundamental da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (1959).