Teodoro Rogério Vahl, um dos pioneiros na implantação da Universidade em Santa Catarina
No comecinho dos anos 60, os aviões que faziam o trajeto Florianópolis – Rio de Janeiro eram os bimotores DC-3 da TAC – Transportes Aéreos Catarinenses. Os voos saíam da Ilha às 8h e chegavam à Cidade Maravilhosa por volta das 18h, porque as escalas não eram poucas – Florianópolis, Itajaí, Joinville, Curitiba, Paranaguá, Santos e, finalmente, Rio, ao anoitecer.
Para a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a luta apenas começava. Sem sede, sem funcionários, sem orçamento, a Universidade funcionava em um pequeno espaço, cedido no auditório da Faculdade de Direito, na rua Esteves Júnior.
As chamadas circunstâncias exigiam que o primeiro reitor, professor João David Ferreira Lima, viajasse – com passagens aéreas de cortesia, concedidas pela própria TAC – com muita frequência ao Rio de Janeiro, onde funcionava o Ministério da Educação e Cultura, a fim de acompanhar a tramitação dos processos sobre orçamento, construção do campus na Trindade, aquisição de materiais e equipamentos etc. Os documentos encaminhados eram escritos e calculados nas primeiras máquinas de escrever e calcular emprestadas pela firma Machado & Cia.
Eventualmente, os DC-3 transportavam também um outro passageiro, que também já trabalhava na Esteves Júnior e, igualmente, assim como Ferreira Lima, frequentava com certa rotina os corredores e salas do MEC.
O passageiro era Teodoro Rogério Vahl, que relembrou, na solenidade em que a UFSC o homenageou com o título de “Professor Emérito”, no último dia 13 de setembro, aqueles tempos de um pioneirismo cada vez mais raro. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito de Santa Catarina em 1966; doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Münster/Alemanha em 1978, e pós-doutor em Administração da Educação Superior pela mesma universidade em 1985, tem, mais de 50 anos depois, uma longa história para contar como um dos pioneiros em 1962.
“Quando chegava ao aeroporto, eu pegava rapidamente minha bagagem de mão e ia direto ao ponto de táxi. Pedia ao motorista que me levasse ao Ministério da Educação o mais breve possível, uma vez que eu necessitava falar com uma pessoa cujo expediente terminava às 18 horas. Ele me respondia que seria muito difícil em função do pesado trânsito. Realmente era. Quando eu chegava ao gabinete do Durmeval Trigueiro Mendes, diretor responsável pela área, a secretária me informava que ele já havia saído. O que me restava era dormir em um hotelzinho em Copacabana chamado Apa Hotel. Uma porta, alguns beliches.”
“Era um grande desafio. Mas, os poucos jovens que aceitaram o convite do professor Ferreira Lima não desistiram e vibraram muito a cada vitória, na direção de alcançar o grande objetivo, que era a implantação da nossa querida Universidade.”
Limitado pelo tempo da cerimônia, Vahl restringiu a apresentação ao período compreendido entre o início da década de 60 e o final da década de 80, ou seja, 30 anos, já que essas informações estão menos disponíveis. Mas contou, com riqueza de detalhes, os primeiros passos da instituição.
Lembrou-se da criação, em 1930, da faculdade de Direito, com José Arthur Boiteux, que foi instalada no Centro de Florianópolis, na sobreloja do prédio situado na esquina das ruas Felipe Schmidt e Trajano. Recordou a criação da UFSC, em 18 de dezembro de 1960, pelo presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira; de sua instalação, em 12 de março de 1962; e da nomeação, em 9 de outubro de 1961, do reitor João David Ferreira Lima.
128 cobras
Vahl também puxou pela memória. “Após uma grande procura e longa negociação, o professor Ferreira Lima conseguiu adquirir da família Molenda, no início de 1962, a propriedade situada na rua Bocaiúva, 60, onde funciona, hoje, o exército, para instalar a Reitoria. Nós começamos primeiro a roçar, e mataram 128 cobras.”
Em 1962, o governo do Estado autorizou a doação dos terrenos da Trindade – chamados “Fazenda Modelo Assis Brasil” – para a nova universidade construir seu futuro campus. Ali já funcionava a Faculdade de Filosofia, estadual, que mais tarde incorporou a Universidade. “Aquele prédio (do CCE) era só a metade, o resto era mato.”
A casa do Tarzan
A escola de Engenharia Industrial (hoje Engenharia Mecânica) começou a funcionar em 1962, numa pequena casa de madeira, apelidada pelos estudantes como “casa do Tarzan”, construída no terreno dos fundos da Reitoria, na Bocaiúva, 60.
Os professores eram todos gaúchos e vinham de avião de Porto Alegre lecionar na recém-criada escola de Engenharia, por meio de convênio de cooperação assinado com a Universidade do Rio Grande do Sul. Eles ficavam em Florianópolis três dias por semana, hospedados no Oscar Palace Hotel. Essa a razão, conta Vahl, de o prédio da escola de Engenharia ter sido o primeiro a ser construído no campus.
Uma parte das máquinas e equipamentos da Engenharia veio da Alemanha Oriental e foi paga com a exportação de café do Brasil. “O Brasil não tinha recursos para comprar, e eles não tinham como vender as máquinas de outra forma. Então era na base da permuta!”
Do Rio para Brasília
Com a transferência do Ministério da Educação do Rio de Janeiro para Brasília, o Conselho de Reitores também se transferiu para lá. No início da década de 1970, Vahl foi convidado para assumir a Secretaria Executiva do Conselho de Reitores no Distrito Federal e acompanhar a construção da sede com um arquiteto e um engenheiro, cedidos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Mas, antes disso, quem compareceu à entrega do título de “Professor Emérito”, no dia 13 de setembro de 2016, ficou sabendo que a Filosofia foi a primeira faculdade a funcionar na Trindade porque era estadual, e o prédio foi construído pelo governo do Estado antes da criação da UFSC, que a incorporou posteriormente. E que, antes da implantação da Reforma Universitária, da construção dos prédios para abrigar as faculdades existentes, elas estavam localizadas nos mais diversos pontos de Florianópolis: Direito, Farmácia e Bioquímica, e Odontologia, na Esteves Júnior; Ciências Econômicas, na avenida Hercílio Luz; Filosofia, na Trindade; Medicina, na rua Ferreira Lima; e Serviço Social, na rua Victor Konder.
As reminiscências de Teodoro Rogério Vahl voltam a 1966, quando foi criado o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, órgão que teve Ferreira Lima como um dos seus idealizadores, e o professor americano Rudolph P. Atcon como secretário-executivo. No mesmo ano, em pleno regime militar, foi assinado o decreto-lei 53, que fixou os princípios e normas de organização das universidades federais, seguido, em 1967, da assinatura do decreto 252, que instituiu a departamentalização das universidades brasileiras.
Ainda em 67, a UFSC promoveu em Florianópolis os cursos de Administração Universitária para o pessoal administrativo das universidades brasileiras e de diversos países da América Latina. Em 1968, ano do “Ato Institucional Número 5” (AI-5), foi promulgada a lei 5.540, que fixou as normas de organização e funcionamento do ensino superior no Brasil, chamada reforma universitária brasileira.
No ano em que a seleção brasileira de futebol ganhou a Copa do Mundo no México (1970), o Brasil iniciou sua reforma universitária, inspirada no modelo norte-americano de departamentos. Um ano depois, a UFSC realizou um seminário internacional de Administração Universitária, com a participação de dirigentes das universidades privadas vinculadas à Fundação das Universidades Privadas da América Central (Fupac) e outras privadas da América Latina, com o objetivo de discutir a estrutura, a organização e o funcionamento das novas universidades no país.
Surgiram, com a reforma universitária, os primeiros centros da Universidade: de Estudos Básicos; Biomédico; Tecnológico; Socioeconômico; Ciências da Saúde; e Educação. Em 1975 foi criado o Centro Agropecuário, e, em 1976, o Centro de Desportos.
De 1975 a 79 foi implantado o primeiro Plano Nacional de Pós-Graduação, que tinha como meta a formação de 16 mil mestres e 1.400 doutores nos quatro anos do programa.
Vahl também não se esqueceu de personagens que, para ele, dedicaram parte de sua vida à criação, implantação e desenvolvimento da UFSC, como: Aluizio Blasi, Emanoel Campos, Antônio Niccoló Grillo, João Nilo Linhares e João Roberto Dutra.
Rosiani Bion de Almeida/Agecom/UFSC