Foto: Daiane Mayer/Agecom/UFSC
Uma viagem no tempo para 1856 nos faria encontrar o cientista Fritz Müller à beira-mar, em Florianópolis, buscando crustáceos para estudar o que, alguns anos mais tarde, seria uma comprovação da teoria da evolução de Charles Darwin. Munido do seu microscópio Schiek, ele conseguia visualizar as espécies aumentando-as entre 150 e 180 vezes, número irrisório, hoje, para os grandes feitos que desempenhou. Naquela época, ele era professor do Liceu Provincial, mas em 1861, o contato com o recém-publicado livro A Origem das Espécies, de Darwin, provocaria uma verdadeira revolução.
A peça histórica que ajudou Fritz Müller a produzir algo revolucionário está ao alcance das nossas mãos – o professor da UFSC, Mário Steindel, estudioso e divulgador do legado do naturalista, resgatou parte de uma história que envolve, inclusive, episódios recentes de sumiço e roubo. O equipamento vai integrar, com painéis e outros objetos, a exposição 200 anos de Fritz Müller – O Príncipe dos Observadores, no Museu Histórico de Santa Catarina, no Palácio Cruz e Sousa, em Florianópolis, que será aberta no dia 31 de março.
Desde 2005, o professor e pesquisador se dedica a conhecer e a espalhar o legado de um dos principais nomes da Biologia no mundo do século XIX. Para se ter uma ideia, conforme Steindel, Müller, mesmo desenvolvendo a maior parte de sua produção intelectual longe dos principais centros científicos daquela época, foi citado 91 vezes nas obras de Darwin. A produção de ambos é considerada um marco, uma verdadeira revolução para a história da ciência.
Em Florianópolis, há pelo menos três anos um grupo intitulado Desterro Fritz Müller Darwin 200 Anos se dedica a resgatar parte dessa história – dentre elas, a do microscópio que fez longa viagem da Europa ao Brasil quando Müller pediu que seu amigo Max Schultze o enviasse para que desenvolvesse aqui seus estudos. “Sabemos que em 1844 Fritz Müller ganhou de seu professor Johannes Müller um microscópio para realizar estudos sobre o desenvolvimento embriológico de sanguessugas na Universidade de Berlim, mas não sabemos se é esse, que estará na exposição, ou um outro”, destaca o professor.
Mas o que se sabe desse microscópio já rende uma saga. Por isso, o próprio pesquisador escreveu um texto intitulado A Saga do Microscópio Schiek que pertenceu a Fritz Müller, relatando como o equipamento utilizado para realizar estudos em favor da comprovação da teoria de Darwin chegou até suas mãos. O primeiro passo foi dado pelo amigo de Müller, Max Schultze, que remeteu o microscópio da Alemanha.
“Fato é que com esse equipamento simples Fritz realizou estudos bastante detalhados de morfologia e embriologia de crustáceos marinhos que culminaram na sua obra mestra, o livro Für Darwin, publicado em 1864 em Leipzig, considerado como uma das primeiras provas factuais de apoio a recente teoria da Evolução de Charles Darwin publicada em 1859″, relata, no texto, o professor.
Quando Müller faleceu, em 1897, sua filha ficou com o material, que permaneceu entre os descendentes e foi doado por um tataraneto do cientista para o Museu de Ecologia Fritz Müller, situado em Blumenau. Pouco depois, uma reviravolta quase deu fim ao equipamento: o microscópio foi roubado. “O ladrão entrou em contato com o então diretor de patrimônio histórico de Blumenau, na época, exigindo uma recompensa com ameaça de jogar o microscópio no rio Itajaí”. Por mil dólares, o resgate foi feito e a peça voltou às mãos dos familiares de Müller.
O professor conta que não conhecia a história do microscópio – além desse, Fritz Muller usava um outro, de dissecção – e que foi graças a um amigo que conseguiu localizá-lo, no Litoral Norte de Santa Catarina. “Esta rara peça de uso pessoal do cientista, agora localizada, após as comemorações será doada novamente ao Museu Ecológico Fritz Müller, mediante garantias à sua integridade”.
Estátua, jardim à beira-mar e celebrações
Se depender do Grupo Desterro Fritz Müller Darwin 200 Anos, coordenado por Marcondes Marchetti e sob coordenação científica do professor Mário Steindel, a memória do imigrante alemão que usou a então Praia de Fora (hoje Beira-Mar Norte) para produzir uma ciência revolucionária será devidamente celebrada. Além da exposição no Cruz e Sousa, ações itinerantes e com monitores ocorrerão a céu aberto, a partir de 2 de abril, onde Muller coletava os seres vivos para estudá-los. A exposição De Repente Extraordinária terá um pequeno jardim com plantas estudadas por Müller, além de várias atividades lúdicas para comemoração do legado do naturalista, sempre na Beira-Mar.
Um simpósio acadêmico em Florianópolis e outro em Blumenau, agendados para junho deste ano, também servirão para resgatar o legado do cientista, que ainda pode ser homenageado com uma estátua e que deve ter aprovado um ano com o seu nome como parte das homenagens. Steindel faz questão de lembrar que o alemão naturalizado brasileiro foi um dos homens mais brilhantes do seu tempo. “O que ele fazia era muito importante. Com o microscópio que temos na exposição ele foi capaz de conduzir estudos muito aprofundados, fundamentais para a consolidação da teoria da evolução de Darwin”, finaliza.
Outro objeto que estará presente nas comemorações é a réplica de um álbum-homenagem que um grupo de cientistas europeus enviou a Fritz Müller, por ocasião de seu aniversário de 70 anos, para reconhecer a relevância das suas descobertas. O original, com fotografia e assinatura de grandes nomes da ciência à época, está na Alemanha, mas os catarinenses terão a chance de conhecê-lo, assim como o viajante microscópio que é uma das provas mais palpáveis da genialidade do cientista.
Amanda Miranda/Jornalista da Agecom/UFSC