Acervo doado à UFSC mostra obstinação de mulher vítima da ditadura por reparação histórica
Boletins do Serviço de Polícia do Exército, questionários de interrogatório aplicados a presos políticos e arquivos que documentam a perseguição a catarinenses durante a ditadura militar estão entre os materiais digitalizados que compõem a coleção do Comitê Catarinense Pró-Memória dos Mortos e Desaparecidos Políticos (CCPMMDP). O acervo está disponível, mediante cadastro, no site do Acervo Memória e Direitos Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
O conjunto documental foi reunido por Derlei Catarina de Luca, vítima da ditadura militar e coordenadora do CCPMMDP. Como primeiro grupo pró-memória do Brasil, o comitê atua em Santa Catarina desde os anos 1990, com influências que ultrapassam o âmbito estadual, gerando articulações nacionais e internacionais em torno do direito à memória e à justiça.
Entre os materiais, destacam-se fotografias originais de funerais, do Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da atuação do comitê; listas com anotações de vítimas da repressão; manuais militares de interrogatório e tortura e cartas pessoais. Há também reportagens de jornais da época, documentos de movimentos sociais, registros da espionagem militar dentro da UFSC e dossiês sobre casos específicos como o de Arno Preis, guerrilheiro enterrado sob identidade falsa, ou o de Higino João Pio, prefeito de Balneário Camboriú cuja morte foi forjada como suicídio.
O material, reunido ao longo de mais de 25 anos de atuação de Derlei, foi doado ao Memorial dos Direitos Humanos, sediado no Laboratório de Sociologia do Trabalho da UFSC. Atualmente, está sob a guarda do Acervo Memória e Direitos Humanos do Instituto Memória e Direitos Humanos (IMDH) da universidade. Uma outra parte dos documentos reunidos por ela está sob custódia do Instituto de Documentação e Investigação em Ciências Humanas (IDCH) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).
O acervo reúne aproximadamente 12 caixas de documentos, com mais de mil itens já indexados. Seu tratamento começou em 2022, como parte de um projeto de extensão universitária. Desde então, uma equipe multidisciplinar formada por historiadores, museólogos, especialistas em ciência da informação, relações internacionais e estatística passou a trabalhar na organização do conjunto documental. “O processo envolve muita leitura, interpretação e decodificação de documentos muitas vezes cifrados com siglas e codinomes usados pelos órgãos da ditadura”, explica o estudante de História Arthur Will Tocchetto, que integrou a equipe do projeto. Cada item é digitalizado página por página, com cuidado para manter a ordem original.
Para a professora Graziela Martins, coordenadora do GT- acervo, o valor da coleção é único justamente por reunir informações que não se encontram em nenhum outro lugar. “Trata-se de uma pesquisa minuciosa, com levantamento de nomes, situações de desaparecimento e outros dados fundamentais. Agora digitalizado, ele amplia o acesso da sociedade, mas é especialmente pensado para atender quem está se aprofundando na temática: estudantes, pesquisadores, autores de TCCs, teses e dissertações”, resume.
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