Entidades representativas da UFSC requerem desbloqueio do orçamento junto ao MPF
A Associação de Pós-Graduandos da Universidade Federal de Santa Catarina (APG/UFSC), a Associação de Professores (APUFSC), o Sindicato dos Trabalhadores em Educação das Instituições Públicas de Ensino Superior do Estado de Santa Catarina (SINTUFSC), o Diretório Central dos Estudantes (DCE/UFSC) e o Centro Acadêmico de Relações Internacionais (Cari) representaram junto ao Ministério Público Federal (MPF) contra a União, requerendo medidas cabíveis a fim de desbloquear o orçamento destinado à instituição.
O documento contextualiza a situação vivenciada pela Universidade, que foi penalizada com o bloqueio de R$ 43 milhões de reais — de um total de R$ 145 milhões inicialmente aprovados para uso da instituição pelo Governo Federal. Mesmo com o desbloqueio de parte deste valor, anunciado na última segunda-feira, a UFSC ainda sofre uma redução significativa no orçamento discricionário — isto é, a verba que pode ser manejada pela Administração Central da instituição para fazer frente a despesas de custeio como água e esgoto, energia elétrica, serviços de vigilância e manutenção. Também foram afetadas as despesas variáveis, que incluem o funcionamento dos Restaurantes Universitários (RUs), o pagamento de bolsas de graduação e medidas de permanência estudantil.
O texto destaca que dentre as diversas consequências dos cortes orçamentários, estão a restrição de acesso ao RU, a redução de funcionários terceirizados, o cancelamento de eventos científicos de grande abrangência, como a Semana de Ensino, Pesquisa e Extensão (Sepex), e a ameaça de fechamento da instituição devido à falta de recursos financeiros para custeamento de despesas essenciais.
> Acesse a íntegra da representação da UFSC ao MPF
A representação ressalta ainda que o perfil de grande parte dos estudantes de graduação da UFSC demonstra condições de vulnerabilidade social e financeira, o que agrava as consequências de possível fechamento do RU, conforme relatório divulgado pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Segundo a pesquisa, 55,8% dos graduandos da UFSC estudou em escola pública e 23,7% declararam que as dificuldades financeiras enfrentadas por eles interferem significativamente na sua vida ou no contexto acadêmico. A UFSC também tem 50% de suas vagas garantidas aos diferentes setores contemplados pelas ações afirmativas, cerca de metade dos quais é específico para estudantes de baixa renda (renda bruta per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo).
Os cortes orçamentários atingem também o Hospital Universitário (HU/UFSC), o qual, no ano de 2018, atendeu mais de 100 mil pessoas em ambulatório e mais de 56 mil pessoas em atendimento de emergência, além de internações clínicas e procedimentos cirúrgicos. “Portanto, as restrições no serviço de saúde gratuito e de qualidade provido pelo HU têm grande impacto na população de Florianópolis e região. Além do acesso à educação, portanto, o acesso à saúde se mostra prejudicado em razão do bloqueio orçamentário”, traz o documento.
O texto menciona ainda o congelamento de bolsas de estágio, extensão e monitoria — que complementam de maneira importante a formação dos estudantes, aproximando-os de suas futuras áreas de ação em suas carreiras profissionais — e a política de permanência estudantil — que inclui a Moradia Estudantil, a Bolsa Permanência, o auxílio-moradia e o auxílio-creche —, cuja continuidade pode ser inviabilizada no decorrer dos próximos meses.
Os fundamentos
A representação encaminhada ao MPF afirma que “todos os fatos narrados tem como consequência direta a violação ao Direito Humano à Educação”. Frisa que o Direito à Educação é um direito social, previsto expressamente no caput do art. 6º da Constituição Federal, e reforça o papel da Universidade. “É na universidade que são formados os professores das escolas de ensino básico obrigatório. É na universidade que são desenvolvidas novas didáticas e materiais de ensino. É na universidade que são construídas as novas tecnologias para educação. É na universidade que são escritos livros que serão utilizados de base para o material didático das crianças e adolescentes que estão nos ensinos fundamental e médio”.
O documento aponta que o Estado brasileiro é historicamente comprometido com a promoção dos direitos humanos promovidos internacionalmente, dentre os quais está a educação. Na Declaração Universal dos Direitos Humanos consta o comprometimento das nações, indivíduos e órgãos da sociedade com a promoção dos direitos ali previstos através do ensino ou da educação. Complementa, ainda, que o Brasil é parte do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o qual prevê que o Estado reconhece o direito de toda pessoa à educação.
De acordo com o texto, o Brasil comprometeu-se a garantir que o ensino superior seja acessível a todos, bem como com a implementação progressiva do ensino gratuito. Considerando que o país promove o ensino superior gratuito e o tem expandido faz décadas, deve-se prezar pelo não retrocesso aos direitos já garantidos, quais sejam: a oportunidade de acesso a instituições de ensino superior públicas, gratuitas e de qualidade. A fim de que o Estado brasileiro possa cumprir com o seu comprometimento com o Direito à Educação, a Constituição Federal versa, de forma expressa, que as universidades gozam de autonomia, nos seguintes termos: Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
Diante deste cenário, a representação finaliza afirmando que “o corte/contingenciamento/limitação/restrição de verbas às universidades é um ataque frontal a sua autonomia”, uma vez que a liberdade é limitada quando não se tem recursos para o seu exercício. Destaca que, considerando ser o Direito à Educação protegido internacionalmente, caso não sejam tomadas medidas no âmbito interno, poderá ser acionado o Sistema Interamericano de Direitos Humanos. “A inércia dos órgãos responsáveis pode ser suficiente para caracterizar o esgotamento dos recursos internos”, diz o documento.
Desta forma, tendo em vista as atribuições conferidas ao MPF, as entidades representativas da UFSC requerem que sejam tomadas as medidas judiciais necessárias “ao combate desta injustiça e descaso para com as garantias constitucionais e direitos humanos fundamentais que asseguram o Direito à Educação, inclusive através da instauração de inquérito civil com objetivo de constatar os fatos narrados”, a fim de determinar o desbloqueio do orçamento destinado à Universidade Federal de Santa Catarina.