
Barbiana é um pequeno vilarejo localizado nos arredores de Florença, região montanhosa do norte da Itália, onde residiu, nos anos 1950 e 1960, o padre e educador Lorenzo Milani. Nesse período, o religioso fundou uma escola muito diferente das instituições tradicionais, que acabou se tornando modelo e inspiração para estudiosos da pedagogia crítica e da justiça social em diversos países. O método e a experiência de ensino desenvolvidos na que ficou conhecida como “Escola de Barbiana” são o tema central do novo livro lançado pela Editora da UFSC (Edufsc): “Lorenzo Milani: a escola de Barbiana e a luta por justiça social”.
A obra, escrita originalmente em língua inglesa e publicada em 2014, tem três autores: Federico Batini, Peter Mayo e Alessio Suria. A opção pela coautoria está inclusive em sintonia com as propostas educativas de Dom Milani, que incentivava a produção de saber coletivo. Um dos frutos da Escola de Barbiana foi o livro “Carta a uma professora”, escrito por oito adolescentes pobres, filhos de operários e camponeses, que não se adequaram ao sistema de ensino tradicional mas tiveram sucesso no processo coletivo de aprendizagem desenvolvido por Dom Lorenzo. Em “Carta…”, os jovens criticam o fato de os livros didáticos convencionais omitirem questões como “a fome, os monopólios, os sistemas políticos, o racismo”.
A tradução para o português é de André Cechinel e Rafael Rodrigo Mueller, ambos egressos de programas de pós-graduação da UFSC e, atualmente, professores da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc). O livro está dividido em quatro capítulos: “Introdução: a relevância de Lorenzo Milani para os nossos tempos”; “Dom Milani e o seu tempo”; “Lorenzo Milani e a abordagem pedagógica da Escola de Barbiana”; “Escrita como alfabetização coletiva”. Há ainda dois prefácios – um à edição brasileira e outro à edição inglesa –, o posfácio e a apresentação, assinada por Nita Freire, viúva e estudiosa de Paulo Freire.
Nas palavras de Nita, Dom Lorenzo foi “um homem que foi viver, por deliberação de seus superiores, numa zona rural italiana sem conforto e sem educação. Em Barbiana, construiu uma escola amorosa, inovadora e ousada – a Escola de Barbiana. No ‘meio do nada’, nas montanhas da Toscana italiana, após a Segunda Guerra Mundial, identificado com a vida simples do povo, criou uma escola-modelo de educação humanista, a partir das experiências da vida cotidiana da pequena comunidade, que contava com apenas 49 almas. Nela cada estudante assumia o risco da responsabilidade pela própria aprendizagem e a de seus pares, sem serem inibidos pela questão do controle e avaliação do conhecimento.”
Apesar de sequer terem se conhecido, as aproximações entre a proposta de educação de Dom Lorenzo e a pedagogia crítica de Paulo Freire são amplamente reconhecidas por pesquisadores da área. No prefácio à edição brasileira, os autores afirmam: “Os dois são reconhecidos como figuras-chave e emblemáticas para um processo educativo conduzido como parte de uma luta maior por justiça social. Ambas são figuras icônicas no campo da educação — as ideias de Milani sendo hoje promovidas dentro daquela mesma área que Paulo Freire tanto inspirou, a pedagogia crítico-libertadora.”
O círculo como metáfora para o processo de aprendizagem está presente nas duas propostas: “Para Milani, um grupo de alunos é, também, um grupo de professores, e ensinar constitui uma atividade circular; nos círculos de leitura de Freire, ‘ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo’. Os dois enfatizam a dimensão política da educação e sustentam uma ‘opção pelos oprimidos e explorados deste mundo’.”, explicam os autores.
Ao narrar a trajetória e o legado de um educador engajado e comprometido com a justiça social, o livro faz uma reflexão pertinente – e sempre atual – sobre o papel da educação na formação de cidadãos e construção de um mundo melhor. Trata-se de uma contribuição à ideia de que “o conhecimento não é algo a ser conquistado como uma mera posse, mas sim algo a ser partilhado com os outros como parte de uma tentativa de gerar um ambiente mais democrático e socialmente justo”.
Mais informações na página da Editora da UFSC.
Daniela Caniçali/Jornalista da Agecom/UFSC