UFSC na mídia: reportagem especial sobre aborto legal em Santa Catarina
Laudelina não quis parir um filho com quem iria compartilhar o próprio pai. Rejeitou uma gravidez resultante de uma série de estupros cometidos dentro de casa que colocaria no colo dela um filho-irmão. A jovem de 24 anos natural do Maranhão reagiu a uma realidade que, infelizmente, é comum no país: ser violentada sexualmente por pessoas próximas. Conforme dados de 2014 do Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (Ipea), 70% dos estupros são cometidos por parentes, namorados ou amigos da vítima.
– Por ser interior, é costume lá. Eu tenho uma prima que engravidou do pai. Todo mundo olha para a criança e diz: “Ah, é a tua cara!”. Todo mundo se parece lá. [Denunciar] não dá em nada. Teve uma mãe que denunciou, e a família expulsou de casa.
Cansada de ser abusada, fugiu para Santa Catarina na companhia de uma prima. Depois de um ano estudando segurança do trabalho, trabalhando em um restaurante e construindo nova vida em Florianópolis, voltou à cidade natal no Nordeste para visitar a mãe acamada. Foi, então, novamente estuprada pelo pai. Preferiu, mais uma vez, esquecer o sofrimento longe dali e não procurou a ajuda que poderia livrá-la de doenças sexualmente transmissíveis e da gestação. Paralisou de medo e vergonha.
Para desespero de Laudelina*, em novembro do ano passado a menstruação atrasou. Testes de farmácia e sanguíneo comprovaram a gravidez, fruto da relação incestuosa. A mesma certeza tinha em relação à gestação: nenhuma outra opção além de não ter a criança a tranquilizava. Lembrar a concepção daquele ser que crescia em seu ventre era como se fosse violentada mais uma vez.
– Quando a gente toma essa decisão, a gente tem medo de ser criticada pelos outros. Porque eu sou de família católica. É uma coisa que eles não aceitam. Você pode ser mãe solteira, mas abortar, nunca. Preferem te humilhar a vida toda do que te apoiar em uma decisão que vai te fazer feliz.
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