Pesquisa da UFSC sobre crimes políticos revela apagamento de líderes mulheres como Olga Benário

04/11/2025 09:30

Olga Benário foi expulsa do país e teve a morte como destino (Fotos: Memorial da Democracia)

Um estudo de jurimetria, ou seja, baseado em estatísticas de decisões judiciais, ajuda a entender o destino de Olga Benário, militante política perseguida pelo governo Getúlio Vargas na década de 1930. A pesquisa realizada pela Universidade Federal de Santa Catarina e coordenada pelo professor Diego Nunes, do Programa de Pós-Graduação em Direito, traz à tona o caso da companheira do líder comunista Luís Carlos Prestes. Os fatos do passado ajudam a tratar de um dos resultados da análise: o apagamento das mulheres como lideranças políticas na época.

Olga Benário não só foi apagada das estatísticas de decisões judiciais do período como teve seu destino traçado pelo regime. Alemã e judia, ao invés de ser julgada no Brasil, foi enviada para a Alemanha nazista, em ordem de Vargas e com anuência do Supremo Tribunal Federal. Isso ocorreu em um contexto no qual seu advogado pediu um habeas corpus pouco usual: ele queria que sua cliente tivesse o direito de ser presa e de cumprir pena no Brasil, a exemplo do que ocorria com outras lideranças do Partido Comunista à época.

“Geralmente a gente entra com habeas corpus para pedir a liberdade, mas nesse caso o advogado já intuía que a expulsão dela seria uma medida muito mais gravosa, inclusive pelo fato de ela estar grávida de Luiz Carlos Prestes. Mas o Supremo Tribunal Federal chancelou a expulsão feita por Vargas, inclusive com argumentos de que ela estaria muito mais feliz e livre na Alemanha, quando de fato o que acabou acontecendo foi algo bem diferente”, explica o professor.

Essa seletividade do Tribunal de Segurança Nacional foi identificada em dados parciais na pesquisa de jurimetria coordenada por Nunes, com o objetivo de olhar para o passado para entender como crimes políticos em um momento de ditadura obedeciam a um certo padrão. Somente em um ano – de 1937 a 1938 – a amostra coletada foi de 229 processos da série Apelação, com 649 acusados com um padrão: homens brancos, alfabetizados, de meia-idade e de esquerda.
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Arquivos de Getúlio e Alzira Vargas contam parte da história do país

21/09/2012 15:31

Professora Letícia Borges Nedel falou sobre seu estágio pós-doutoral sobre os arquivos de Getúlio e Alzira Vargas

A professora Letícia Borges Nedel, do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina, esmiuçou as relações entre arquivística e história na aula magna do curso de Arquivologia proferida na manhã de quinta-feira, dia 20, no auditório da Reitoria. Ela manteve a plateia atenta durante toda a exposição, intitulada “Entre a casa e a rua, entre arquivos e coleções: os arquivos pessoais de Alzira Vargas do Amaral Peixoto e Getúlio Vargas”. O trabalho teve como base o estágio pós-doutoral que realizou a partir de 2006 no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), instituição acadêmica vinculada à Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especializada na guarda de arquivos pessoais de membros da história republicana.

Após citar o crescente interesse despertado pelos acervos privados, a professora falou do trabalho que realizou na organização do arquivo pessoal de Alzira Vargas junto ao setor de documentação do CPDOC, no Rio de Janeiro. Depois, detalhou aspectos relativos à vida pessoal e política da filha de Getúlio Vargas, mulher de temperamento forte que, sem ter se filiado a partidos, era especialista em ações políticas de bastidores e tomou para si a guarda do espólio do pai até que ele fosse destinado ao CPDOC, fundado em 1973 por Celina Vargas do Amaral Peixoto, neta de Getúlio. Na Fundação Getúlio Vargas estão os acervos do pai, conhecido como Fundo GV, e o da filha, batizado de Fundo AVAP.

Letícia Nedel disse que só há pouco tempo os bens patrimoniais domésticos passaram a ser custodiados por instituições públicas, ampliando as perspectivas de diálogo entre a história e a arquivologia. O espólio documental da família Vargas, por exemplo, é de grande riqueza temática e foi muito consultado pelos historiadores, embora franqueados a poucos escolhidos por Alzira, detentora de seus direitos. O que vem desafiando a arquivística é que cada fundo é criado na informalidade e, portanto, expõe as idiossincrasias de seus produtores. “Por isso, eles têm uma excepcionalidade e uma arbitrariedade intrínsecas”, afirmou a professora.

De leis a desabafos – No caso do acervo de Alzira Vargas, há documentos originais ao lado de suportes inusitados, como agendas e papel usado para embalar pães. No espólio de Getúlio, até um mapa astral foi encontrado. Pai e filha circularam por diferentes meios oficiais, embora os ambientes tenham sido os mesmos durante o tempo em que trabalharam lado a lado, no Estado Novo.

O espólio de Getúlio Vargas ficou mais de 20 anos em poder de Alzira, sem ser consultado, e depois foi liberado a quem ela considerava digno de sua confiança. Como ela também produziu material extenso e de valor, “os arquivos de Getúlio e Alzira se iluminam mutuamente, e o dela dá visibilidade ao dele”, de acordo com a palestrante. Cerca de 30 mil documentos foram produzidos entre 1930 e 1954, ano do suicídio de Getúlio, registrando especialmente aspectos da política e da administração pública. O espólio de Alzira tem em torno de quatro mil documentos.

No material, há relatórios, leis, papéis administrativos e correspondências que dão conta de crises na relação do presidente com o parlamento, além de certidões, diplomas, papéis rabiscados, listas de compras, entrevistas, notas incidentais e até desabafos íntimos.

De volta ao poder – O espólio de Alzira é mais complexo, segundo a professora, pela marca da informalidade e do caráter autobiográfico. “Ela dizia que fazer política implicava em telefonar, manter alguns amigos e ter informação privilegiada”, conta Letícia Nedel. Terceira filha de Getúlio, Alzira viveu entre 1914 e 1992 e aos 20 anos já se estabeleceu como biógrafa do pai. Casou-se em 1939 com Ernani do Amaral Peixoto, nomeado interventor federal no estado do Rio de Janeiro dois anos antes, e dizia que a verdade está nos papéis, e não no que o povo diz saber. Perdeu todas as ilusões com a política, mas se manteve fiel ao clã. Com o pai deposto em 1945, tornou-se sua interlocutora e escudo, articulando sua volta ao poder nas eleições de 1950.

Chamada de Alzirinha, tinha amigos, inimigos e aliados em todos os partidos. O livro “Getúlio, meu pai” marcou o início de sua carreira de memorialista, com tom autobiográfico. Mais tarde, já como D. Alzira, se aproximou mais dos historiadores e brasilianistas do que dos jornalistas, marcando o início da volta dos pesquisadores aos arquivos, hábito abandonado durante a ditadura. “O despertar de um novo interesse pela história passou pelos arquivos de Getúlio e Alzira Vargas”, garante a professora. “Alzira usou os documentos sob sua guarda para fazer valer a versão pessoal dos acontecimentos da vida de Vargas. Neste sentido, assumiu o compromisso de colocar a história do país a serviço da memória do pai”.

Paulo Clóvis Schmitz / Jornalista da Agecom / UFSC
pcquilombo@gmail.com

Fotos: Wagner Behr / Agecom / UFSC

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