UFSC lidera rede inédita internacional para melhorar saúde das ostras

Por meio de dois projetos internacionais, rede de pesquisa vai investigar saúde das ostras cultivadas em Florianópolis e identificar possíveis causas de mortalidade (Foto: Divulgação/CCB/UFSC)
Uma rede inédita que envolve pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no Brasil, e de instituições da França e do Chile está dando início a um grande projeto que visa incrementar a saúde das ostras. O objetivo será identificar patógenos potencialmente envolvidos nas mortalidades desses animais no verão. Dessa forma, será mais fácil definir estratégias preventivas para o cultivo, alinhadas ao conceito de Saúde Única.
Na UFSC, a rede vai envolver 13 pesquisadores de departamentos de ensino do Centro de Ciências Biológicas (CCB), do Centro de Ciências Agrárias (CCA) e do Centro de Ciências da Saúde (CCS), com colaboração de uma pesquisadora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). A parceria engloba ainda as universidades de Montpellier e de Perpignan, o Ifremer (instituição de pesquisa francesa dedicada ao conhecimento dos oceanos) e o Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), na França; e a Pontificia Universidad Católica de Valparaíso (PUCV), a Universidad Católica del Norte (UCN) e o Centro de Estudios Avanzados en Zonas Áridas (Ceaza), no Chile. No total, serão cerca de 30 pesquisadores envolvidos com as atividades nos três países. Além deles, a rede também vai contar com a participação de pós-doutorandos e alunos de mestrado e doutorado de cinco programas de pós-graduação da UFSC: Aquicultura, Biotecnologia e Biociências, Bioquímica, Farmácia e Ciências dos Alimentos.

Parte dos pesquisadores que vão integrar a rede de pesquisa, durante lançamento da iniciativa, em maio, em Florianópolis (Foto: Divulgação/CCB/UFSC)
As atividades serão organizadas no eixo de dois projetos internacionais de pesquisa: o EcoHealth4Sea – Consórcio Internacional em Saúde Única Aplicada a Ecossistemas Costeiros, financiado pelo CNRS, e o Sentinels – Saúde Ecológica em Ambientes Marinhos Costeiros Utilizados para o Cultivo de Ostras, financiado pelo Programa Capes/Cofecub, que incentiva pesquisas conjuntas entre Brasil e França. A UFSC vai abrigar a sede brasileira da iniciativa, em um laboratório internacional que será estruturado no Centro de Ciências Biológicas (CCB). A pesquisa conta ainda com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc). O projeto DiagnOSTRA foi aprovado na Chamada Pública 21/2024 – Programa de Pesquisa Universal, viabilizando a aquisição de materiais de consumo e equipamentos.
Saúde Única
O professor Rafael Diego da Rosa, do CCB, atua com pesquisas em imunogenética de ostras e é um dos articuladores da parceria. Segundo ele, a aquicultura é uma atividade econômica altamente impactada por patógenos emergentes ou em circulação no ambiente marinho, como vírus e bactérias, e isso afeta a saúde não só dos animais cultivados, mas também das populações humanas que dependem desses ambientes.
A noção de Saúde Única aplicada a ecossistemas costeiros implica observar as condições de saúde de todo o cenário, não apenas de humanos ou de outras espécies isoladas. “A ostra é um organismo sentinela. Como ela filtra a água em grandes quantidades, acaba concentrando tudo o que está na água. Então estudar a ostra também é estudar a saúde da água, do ecossistema marinho de forma mais ampla”, explica.

Sementes de ostras da espécie Magallana gigas são produzidas no Laboratório de Moluscos Marinhos da UFSC (Foto: Divulgação/CCB/UFSC)
Segundo Rafael, não são totalmente claras as causas da alta mortalidade de moluscos durante os meses mais quentes do ano – fenômeno equivalente ao que já foi estudado em outros países produtores. Desde o início do cultivo de ostras da espécie japonesa Magallana gigas (anteriormente descrita como Crassostrea gigas) em Santa Catarina, na década de 1990 – por meio do Laboratório de Moluscos Marinhos da UFSC -, os meses de verão tendem a registrar alto índice de mortalidade, causando a perda de até 50% da produção, segundo dados da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri-SC). Isso pode ser provocado pela predação dos moluscos por outros animais, mas também por fatores como infecções por patógenos, poluição ou falta de resistência a fatores ambientais, como temperatura e variações na salinidade e no pH da água.
Investigação
A partir dessas questões, os pesquisadores da UFSC vão desenvolver nos próximos anos uma série de coletas e análises de ostras cultivadas nas baías Norte e Sul, em Florianópolis, visando entender se as causas da mortalidade desses moluscos são equivalentes ao que já foi pesquisado pelos pares do estudo na Europa. Lá, as pesquisas mostram que a principal causa da mortalidade de ostras no verão são infecções polimicrobianas conhecidas como “Pacific Oyster Mortality Syndrome” (POMS), tendo as bactérias do gênero Vibrio e o herpesvírus de ostra OsHV-1 como os principais agentes etiológicos.
Dessa forma, a rede vai operar com intercâmbio de informações para verificar fenômenos comuns e vislumbrar soluções para garantir a saúde das ostras, evitando prejuízos e propagação de patógenos que afetem outros organismos. “Como se tratam de locais muito distantes e com condições ambientais diferentes, é possível que aqui tenha um cenário distinto, com a mortalidade ocorrendo por outros fatores infecciosos como vírus e bactérias diferentes dos encontrados na Europa, ou algum aspecto relacionado às mudanças climáticas”, considera o professor Rafael.
Panorama da produção

Amostras de ostras serão coletadas nos cultivos situados nas baías Norte e Sul, como os do Ribeirão da Ilha (Foto: Divulgação/CCB/UFSC)
O Brasil passou a ser o 13º maior produtor global de aquicultura em 2024 – atividade que engloba cultivo de moluscos, peixes, crustáceos e algas, entre outras espécies comerciais. Em 2022, a produção mundial de pesca e aquicultura atingiu um recorde na produção aquícola de animais aquáticos, superando pela primeira vez a pesca de captura, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Para a entidade, a produção de alimentos via aquicultura vem sendo reconhecida como uma das soluções para melhorar a segurança alimentar e nutricional das populações, mitigar a pobreza e impulsionar o desenvolvimento socioeconômico, em especial nas comunidades costeiras. O setor empregou cerca de 61 milhões de pessoas em 2022, segundo a FAO.
O estado de Santa Catarina é o principal produtor de ostras, vieiras e mexilhões do Brasil, responsável por 93,2% da produção nacional em 2023, segundo dados da Epagri. A maior concentração de cultivos de ostras fica nos municípios de Florianópolis, Palhoça e São José. Em 2023, o estado produziu 1.731 toneladas do molusco, sendo 98,5% da espécie Magallana gigas – o restante corresponde à produção de ostras nativas, como a Crassostrea gasar.
Ana Paula Lückman | ana.paula.luckman@ufsc.br
Jornalista da Agecom | UFSC