Carlos Nobre defende transição energética e práticas regenerativas para frear colapso

27/05/2025 13:01

Professora Regina Rodrigues e Carlos Nobre participam de EcoTalks, na Semana do Meio Ambiente da UFSC (Fotos: Gustavo Diehl/Agecom)

A transição para práticas agrícolas e pecuárias regenerativas é uma das principais estratégias para enfrentar os efeitos da emergência climática e reduzir as emissões de gases de efeito estufa no Brasil. O alerta foi dado pelo climatologista Carlos Nobre, um dos maiores nomes de estudos do clima no país e no mundo, que também destacou o papel de uma rápida transição energética para que o país enfrente o desafio global. Em estudo ainda não publicado, ele e outros cientistas preveem que medidas como estas podem levar o país a cumprir a meta de carbono zero até 2040.

Os dados foram trazidos durante palestra na Semana do Meio Ambiente, promovida pela Coordenadoria de Gestão Ambiental (CGA) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), realizada no Auditório da Reitoria, com mediação da professora Regina Rodrigues, da coordenadoria de Oceanografia. Segundo Nobre, menos de 15% da agricultura brasileira é regenerativa, mas esse percentual tem potencial para crescer rapidamente, liberando grandes áreas para restauração florestal e freando o impacto do aquecimento da Terra. Regina lembrou que os relatórios do Painel Intergovernamental do Clima acumulam evidências sobre o impacto da ação humana para o aumento na emissão dos gases de efeito estufa, principalmente o gás carbônico.

Nobre acrescentou que a ciência atua globalmente para explicar porque a temperatura aumentou 0,35 graus de 2022 até agora e, por que, por exemplo, tivemos o mês de janeiro de 2025 como o mais quente da história. O risco de influência na segurança alimentar e energética foi confirmado pelo cientista, que ressaltou que a quantidade de vapor da água que foi para a atmosfera também bateu recorde. “Temos pancadas de chuva mais curtas e mais fortes e recorde de ondas de calor, tudo porque se joga mais energia na atmosfera”.

A apresentação reuniu estudantes, docentes, pesquisadores e representantes da sociedade civil em um momento de reflexão sobre os limites do planeta. Nobre, que também é um dos principais nomes mundiais no estudo da Amazônia, reforçou que o mundo já não vive mais uma fase de “mudança”, mas sim de emergência climática. “Se continuar nesse nível de aumento de temperatura os eventos extremos não diminuirão mais”.

Há 35 anos, o cientista fez alertas sobre o chamado ponto de não retorno da Amazônia, que seria uma espécie de incapacidade de regeneração da floresta, com prejuízos incalculáveis para a humanidade. Ele voltou a alertar sobre o risco, acrescentando que estamos muito próximos deste ponto. “Há 35 anos fizemos os primeiros estudos que alertavam para isso. Hoje, estamos à beira desse ponto – e o mesmo vale para o Cerrado e a Caatinga”, afirmou.  Segundo ele, o projeto de lei que prevê a liberação do desmatamento em áreas sensíveis, a chamada “PL da devastação”, representa “a total devastação dos nossos biomas” e é “absolutamente inconstitucional”.

Nobre é um dos maiores estudiosos da Amazônia no mundo (Fotos: Gustavo Diehl/Agecom)

Antes da fala de Nobre, a professora Regina Rodrigues apresentou dados e gráficos sobre a situação da emergência climática. “Todos os dias do ano de 2024, até agora, estiveram acima da marca de 1,5ºC de aumento da temperatura. Na América do Sul, algumas regiões já se aproximam dos 4 ºC de aumento”, destacou. Nobre pontuou que a ciência ainda busca compreender com precisão o que está acontecendo, mas sabe-se que houve uma redução nas nuvens baixas, que refletem radiação solar. Isso faz com que mais energia se acumule nos oceanos.

Essa energia acumulada gera efeitos em cadeia: aceleração do derretimento de geleiras, aumento do nível do mar (cerca de 10 cm desde 1993), elevação da frequência e intensidade de eventos extremos como enchentes, ondas de calor, secas prolongadas, queimadas, deslizamentos e ressacas. Nobre foi questionado sobre como o Brasil poderia enfrentar esses problemas e fez um alerta de que ainda não estamos preparados. “Com relação as ondas de calor, a maior parte das residências, por exemplo, não tem ar-condicionado, e as populações vulneráveis – crianças pequenas, idosos, pessoas doentes – são as mais afetadas”, alertou.

Papel dos oceanos e da floresta

Regina Rodrigues destacou a importância dos oceanos na regulação do clima: cerca de 90% do excesso de energia gerado pelo aquecimento global está sendo absorvido pelas águas marinhas. Nobre acrescentou que o recorde na quantidade de vapor d’água na atmosfera, proveniente da evaporação oceânica, é uma das causas das chuvas intensas e localizadas, que também podem gerar impactos sociais, considerando a população brasileira que vive em áreas com riscos de deslizamentos, por exemplo.

Outro ponto central da palestra foi o papel das florestas tropicais e dos povos indígenas na regulação do clima. Nobre mencionou um estudo coordenado por Marina Hirota, professora da UFSC e sua ex-aluna, que demonstra a influência dos chamados “rios voadores” da Amazônia e o papel das comunidades indígenas na preservação ambiental. Estes são responsáveis por irrigar 80% de todas as áreas agropecuárias do Brasil, o que demonstra o papel dos povos originários como guardiões ambientais.

Plateia do auditório lotou para ouvir cientistas do clima (Foto: Gustavo Diehl/Agecom)

Caminhos urgentes

Nobre também fez questão de argumentar que não existe oposição entre o combate à emergência climática e o crescimento econômico. Ao contrário: segundo ele, quando busca soluções em sua biodiversidade o país também pode gerar empregos e soluções importantes para frear de vez o cenário de emergência. “Se atuarmos como democracia vamos zerar as emissões porque o Brasil tem todas as condições para isso”, disse, sob aplausos.

Durante a mediação, a professora Regina Rodrigues reforçou a necessidade de se combinarem estratégias de mitigação e adaptação para lidar com a emergência climática. “Mitigar significa reduzir as emissões e adaptar é garantir que as populações estejam preparadas para os impactos que já estão ocorrendo. Cidades-esponja, por exemplo, são soluções que cumprem os dois objetivos ao mesmo tempo”, afirmou.

Nobre defendeu a ampliação do uso de soluções baseadas na natureza, como o aumento da vegetação urbana e a restauração florestal em todos os biomas brasileiros. “A zona leste de São Paulo, por exemplo, pode ser até 10 ºC mais quente que áreas próximas à Mata Atlântica”, disse, destacando que casas com jardins e outras soluções que levem às cidades a terem áreas mais verdes são essenciais.

Apesar do cenário crítico, o pesquisador demonstrou otimismo com o futuro caso o Brasil se mostre uma democracia madura. Ele lembrou, também, sobre a importância de não se eleger políticos negacionistas ou defensores da agricultura e pecuária intensiva – atividades responsáveis por grande parte das emissões de gás carbônico no país.

 

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