‘Nossa meta é conquistar um mundo livre do vírus da aids’, afirma professor da UFSC

28/11/2024 11:20

Professor Aguinaldo Roberto Pinto, no Laboratório de Imunologia Aplicada (LIA/CCB/UFSC). Foto: Gabriel Salles Beltrão.

O dia 1º de dezembro foi instituído pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como o Dia Mundial de Luta contra a Aids. A data – definida em 1988, cinco anos depois de cientistas identificarem o HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) – tem por objetivo promover a conscientização sobre a doença e sua prevenção, combater preconceitos e desinformação,  além de celebrar os avanços no acesso a tratamentos. Tais avanços são resultados das contínuas pesquisas científicas na área, as quais têm contribuído desde a descoberta do vírus causador da pandemia de aids, até a busca por cura.

Entre os cientistas que se destacam internacionalmente na pesquisa sobre HIV/Aids está Aguinaldo Roberto Pinto, professor do departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da Universidade Federal de Santa Catarina (MIP/UFSC) e coordenador do Laboratório de Imunologia Aplicada (LIA/CCB/UFSC). Em alusão à data, o periódico científico Virology Journal publicou uma entrevista com o pesquisador, em que ele narra sua trajetória na investigação sobre o tema e os principais desafios enfrentados no combate à doença. Aguinaldo, que é editor da seção de Retrovírus da publicação, tem se dedicado a diversos aspectos relacionados à infecção pelo HIV e, atualmente, tem pesquisado também sobre o papel da proteína Spike sobre células microgliais – células do Sistema Nervoso Central (SNC) que atuam na defesa imunológica e na proteção do cérebro e da medula – e sua relevância na neuroinflamação da COVID-19.

Campanha da UNAIDS, programa das Nações Unidas que lidera a resposta global à epidemia de HIV/Aids.

Aguinaldo começou a trabalhar com HIV/Aids em 1996, quando ingressou como pesquisador científico no Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, integrando a então recém criada Rede Estadual de Quantificação de Linfócitos. O objetivo da rede era realizar exames para a quantificação dessas células em pessoas com HIV. “Atualmente, esse exame faz parte da rotina de qualquer pessoa que vive com o vírus, mas naquela época foi um grande esforço estruturar esse serviço que atendia todo o estado de São Paulo”, relata o professor. Neste período, ele cursava o doutorado na Escola Paulista de Medicina – hoje Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). 

No início dos anos 2000, quando Aguinaldo fazia pós-doutorado em desenvolvimento de vacinas no Wistar Institute, recebeu um financiamento da amfAR, The Foundation for AIDS Research para estudar a resposta imune provocada por uma vacina experimental contra o HIV. Essa vacina foi desenvolvida a partir de um adenovírus de primatas, semelhante ao utilizado na vacina contra a COVID-19 produzida pela Astra-Zeneca. “Fiquei muito feliz ao ver que uma vacina produzida durante a pandemia utilizou o mesmo protótipo com o qual eu havia trabalhado anos antes”, relembra.

Após retornar ao Brasil, Aguinaldo continuou seus estudos de vacina contra o HIV, que posteriormente tiveram que ser interrompidos, devido às limitações impostas pelo uso de modelos animais. O professor passou a se dedicar então à investigação da epidemiologia molecular do HIV no Sul do Brasil, onde a epidemia possui características distintas quando comparada ao resto do país. “Utilizando diversas ferramentas de bioinformática, meu grupo foi capaz de caracterizar a expansão do HIV subtipo C no Sul do Brasil, bem como as cadeias de transmissão que impactaram a filodinâmica viral e o surgimento de novas formas recombinantes. Estudamos também a microbiota intestinal de pessoas expostas ou vivendo com HIV em diferentes condições clínicas”, explica. 

Hoje, 20 anos depois, Aguinaldo segue se dedicando com entusiasmo à pesquisa sobre HIV/Aids, contribuindo significativamente para o avanço do conhecimento neste campo científico. Confira a seguir a entrevista com o professor na revista Virology Journal, em tradução livre para o português. A versão original em inglês pode ser conferida aqui.

Como você descreveria os avanços do conhecimento sobre HIV/Aids ao longo da sua carreira?

Professor Aguinaldo Roberto Pinto, no Laboratório de Imunologia Aplicada (LIA/CCB/UFSC). Foto: Gabriel Salles Beltrão.

Nos últimos 20 anos, nossa compreensão sobre HIV/Aids avançou de forma expressiva, tanto em termos de conhecimento científico como de tratamento médico. Este progresso transformou consideravelmente a realidade dos indivíduos que vivem com HIV e aprimorou os esforços mundiais no âmbito da saúde pública. Um dos principais avanços foi a melhoria da Terapia Antirretroviral (TARV). No início dos anos 2000, as opções de tratamento eram limitadas e apresentavam muitos efeitos adversos. Nas últimas duas décadas, novos medicamentos foram desenvolvidos, proporcionando terapias mais eficazes e mais fáceis de tolerar. 

A medicação atual envolve geralmente apenas um comprimido por dia, reduzindo substancialmente a carga de medicamentos. Novos tratamentos, como a TARV injetável de ação prolongada, permitiram a administração de doses em intervalos maiores, proporcionando mais comodidade aos pacientes que precisam de uma administração diária de medicamentos. No Brasil, infelizmente, ainda não temos a opção do tratamento injetável.

No âmbito do diagnóstico, temos hoje um rastreio mais eficaz e o diagnóstico precoce. A detecção precoce permite antecipar a TARV, o que é crucial para garantir a supressão viral e prevenir a transmissão. As estratégias de prevenção, como a Profilaxia Pré-exposição (PrEP) e a Profilaxia Pós-exposição (PEP), foram um divisor de águas na prevenção do HIV, produzindo grande impacto na redução da transmissão viral. Houve também uma mudança importante na percepção da aids como uma doença fatal para uma doença crônica e controlável. Com a eficácia da terapêutica, as pessoas que vivem com HIV tiveram uma melhoria considerável na qualidade de vida e têm agora uma expectativa de vida semelhante à do restante da população, uma vez que a carga viral pode ser controlada ao ponto de se tornar indetectável no sangue (condição conhecida como “indetectável = intransmissível”).

Quais desafios enfrentam, em particular, os países de baixa renda per capita?

Campanha da UNAIDS, programa das Nações Unidas que lidera a resposta global à epidemia de HIV/Aids.

São desafios multifacetados, que são consequência de uma combinação de diversos fatores: sociais, econômicos, de saúde e sistêmicos. Tais variáveis prejudicam os esforços de prevenção, tratamento e cuidados, apesar do progresso significativo em algumas áreas. O acesso limitado aos cuidados de saúde é um dos obstáculos. A insuficiência de suprimentos médicos e a escassez de profissionais de saúde dificultam que as pessoas tenham um tratamento apropriado e eficaz. Além disso, o acesso à TARV ainda é restrito por seus custos elevados, além de problemas na cadeia de abastecimento ou da falta de instalações de saúde capazes de administrá-la.

Outra questão é o preconceito. O HIV/Aids é frequentemente estigmatizado em diversas culturas, o que desencoraja a busca por testes, tratamento ou apoio. Aqueles que vivem com HIV também podem enfrentar discriminação de familiares, da comunidade, de empregadores e mesmo de profissionais de saúde. Mulheres, especialmente as de baixa renda, sofrem uma hostilidade adicional relacionada ao HIV, como consequência das desigualdades de gênero. Elas frequentemente têm menos poder para exigir relações sexuais seguras, sendo assim mais infectadas pelo HIV. E também podem ser mais vulneráveis ​​a, violências e abusos por sua condição de portadora do HIV.

Barreiras culturais e sociais são comuns, já que práticas tradicionais em alguns países podem intensificar a disseminação do HIV – como a poligamia e outras fundadas na desigualdade de gênero. Além disso, algumas nações têm atitudes muito conservadoras em relação à educação sexual, o que dificulta campanhas de saúde pública. Nesses ambientes, discutir abertamente a prevenção do HIV e promover o uso de preservativos pode ser tabu. A cooperação global, o financiamento regular e ações de conscientização lideradas pelas comunidades são essenciais para continuar a luta contra a pandemia de HIV/Aids em países de baixa renda.

Quais são suas expectativas para o futuro?

Professor Aguinaldo Roberto Pinto, no Laboratório de Imunologia Aplicada (LIA/CCB/UFSC). Foto: Gabriel Salles Beltrão.

Embora sejam enormes os avanços na pesquisa sobre HIV/Aids, especialmente em termos de tratamento e prevenção, nossa meta é conquistar um mundo livre do HIV. Para isso, é preciso encontrar uma cura definitiva e uma vacina preventiva bem-sucedida. Duas estratégias têm sido exploradas para chegar a uma cura: a cura esterilizante, que busca erradicar completamente o vírus do corpo – o que é particularmente desafiador, devido à capacidade do HIV de se esconder em reservatórios; e a cura funcional, que visa atingir um estado em que o vírus seja indetectável no corpo, sem a necessidade de um tratamento TARV contínuo. 

Na busca por cura, entre as ferramentas mais promissoras estão as tecnologias de edição genética, como CRISPR. Pesquisadores têm explorado maneiras de usar CRISPR para modificar a composição genética das células do sistema imune de indivíduos infectados ou até mesmo do próprio vírus, para prevenir ou eliminar a infecção. 

Quanto ao desenvolvimento de vacinas, esse tem sido um objetivo muito difícil de ser alcançado. Uma vacina poderia prevenir a infecção pelo HIV ou reduzir a carga viral em pessoas já infectadas. Vários ensaios clínicos já foram realizados em diversas partes do mundo, com diferentes protótipos vacinais, mas os resultados são sempre muito desanimadores. Por isso, uma vacina realmente eficaz contra o HIV ainda não está no horizonte e, na minha opinião, esse é um tema que ainda requer muita pesquisa, principalmente de ciência básica.

Novas tecnologias de desenvolvimento de vacinas, como as vacinas de mRNA, vêm sendo exploradas como potenciais caminhos para se chegar a uma vacina eficaz. Tais avanços, combinados com esforços para melhorar o acesso a tratamentos e reduzir o estigma, trazem grandes esperanças, tanto para uma cura quanto para o tão esperado fim da pandemia de HIV/Aids.

Daniela Caniçali | daniela.canicali@ufsc.br
Jornalista da Agecom | UFSC

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