UFSC terá Política de Ações Afirmativas na educação básica
A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) agora possui Políticas de Ações Afirmativas em todos os níveis de ensino. O Conselho Universitário (CUn), em sessão realizada na terça-feira, 30 de agosto, aprovou a PAA do Colégio de Aplicação e do Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI). A minuta de resolução normativa aprovada prevê reservar 20% das vagas de ampla concorrência oferecidas na Educação Básica da UFSC para negros, indígenas e quilombolas, independentemente do percurso escolar ou da renda. Além das cotas, a Política de Ações Afirmativas prevê também a adoção de medidas visando a permanência estudantil. A reserva de vagas para crianças com deficiência, que já era garantida nos editais de ingresso do CA e do NDI, permanece inalterada.
A reserva de vagas deverá constar dos editais de sorteio de vagas das duas escolas. No Colégio de Aplicação, a maior parte do ingresso ocorre no primeiro ano do ensino fundamental e no Núcleo de Desenvolvimento Infantil o ingresso se dá principalmente no primeiro ano da educação infantil.
A proposta já vinha sendo construída há cerca de dois anos, quando foi criada uma comissão para elaborar a PAA da educação básica. A sugestão resultante desse trabalho tramitou e foi aprovada com amplo apoio nos colegiados do NDI, do Colégio de Aplicação, no Conselho do Centro de Ciências da Educação (CED) e na Câmara de Graduação.
No parecer que elaborou para apreciação no Conselho do CED, a professora Patrícia de Moraes Lima lembrou que há alguns anos prevalecia a ideia de que o Colégio de Aplicação e o NDI eram exclusivos para filhos de servidores da UFSC. “Durante muito tempo vivemos sobre essa linha “abissal” que separou e segregou as infâncias provenientes de contextos familiares muito próximos à cidade universitária, como por exemplo, a comunidade da Serrinha que compõe o Maciço do Morro da Cruz”, exemplificou ela.
“A aprovação da Política de Ações Afirmativas para Educação Básica representa um avanço para o NDI na sua integração nas políticas da universidade como um todo, pois agora na UFSC teremos as cotas desde a Educação Infantil até a Pós-Graduação. Esse é um passo importante para a construção de uma educação de fato inclusiva e democrática, princípios tão fundamentais em todos os níveis de ensino da universidade. Um dos próximos desafios a ser enfrentado é a garantia de políticas de permanência para a Educação Básica, que são inexistentes até o momento. A garantia do ingresso é apenas o primeiro passo, continuaremos na luta em ações conjuntas entre o NDI e o Colégio de Aplicação para seguir avançando na consolidação da educação básica na UFSC”, avalia a diretora do NDI, Juliane Mendes Rosa La Banca.
O coordenador de Educação Básica da Prograd, George França, ressalta que a política de ações afirmativas é importante para que a educação básica da UFSC passe a cumprir ainda mais sua função social e para que possa atender a um público mais diverso do que é atingido atualmente. “A UFSC tem historicamente compromisso com as ações afirmativas, mas a educação básica ainda não tinha uma política própria voltada à questão étnico-racial”.
França, que também é professor do Colégio de Aplicação, foi um dos integrantes da comissão instituída para formular a política. “Por dois anos, levantamos dados que mostraram que a população negra está sub-representada em nossa comunidade escolar, o que evidencia a exclusão dentro da exclusão que atinge esse grupo”, afirma. De acordo com ele, a aprovação dessa normativa no mesmo ano em que se discute nacionalmente a revisão da política de cotas evidencia a necessidade de ações afirmativas em todos os níveis da universidade.
Permanência
Além da reserva de vagas para o ingresso, a resolução normativa prevê também ações com vistas a apoiar a permanência dos estudantes. Entre elas estão o apoio pedagógico oferecido por programa específico; ações de acolhimento visando a integração dos novos estudantes; apoio econômico a estudantes em situação de vulnerabilidade, por meio de programas já existentes e acesso a bolsas acadêmicas e auxílios e atenção à formação político-social.
“Para além do acesso, precisamos, ainda, caminhar no sentido da permanência dos estudantes da educação básica da UFSC, demanda para a qual ainda não há política específica e que certamente aumentará a partir do momento em que melhorarmos o acesso das populações historicamente alijadas da universidade”, diz George França.
A Política de Ações Afirmativas do Colégio de Aplicação e do NDI adotou o critério étnico-racial para a reserva de vagas, visando à ampliação da presença de pessoas negras (pretas ou pardas), indígenas e quilombolas em ambas as instituições escolares. “Essa orientação se alicerçou no levantamento socioeconômico que nós temos no CA e NDI, através do pessoal do serviço social. Diagnosticamos, no caso do Colégio de Aplicação, que a grande maioria das famílias que ele atende tem renda de até três salários mínimos”, explica França.
Os dados evidenciam que a escola já atinge um público socioeconomicamente mais vulnerável, mas a análise da constituição étnico-racial da comunidade discente mostra que a representatividade da população negra ainda é menor do que a projeção estatística do IBGE para a proporção de pessoas negras na população de Santa Catarina, ao redor de 18%. “Foi a percepção de que, mesmo atingindo a população mais pobre, a gente não tem conseguido atingir o recorte dos excluídos dentro da exclusão socioeconômica, que é a exclusão étnico-racial causada pelo racismo estrutural na sociedade brasileira”, observa o professor.
A validação das autodeclarações será realizada por comissões específicas para cada grupo com vagas reservadas. As comissões serão formadas pelas próprias escolas e nomeadas pela Pró-reitoria de Ações Afirmativas e Equidade (Proafe). As validações são realizadas nos mesmos padrões já adotados pela Proafe em relação a candidatos cotistas que ingressam nos cursos de graduação. Como serão realizadas com crianças, haverá cuidado para não causar constrangimento e será garantida a presença dos pais no procedimento de heteroidentificação.
Inclusão
A UFSC adota políticas de ações afirmativas há quase quinze anos. Em agosto de 2007, o Conselho Universitário (CUn) da UFSC aprovou a política de ações afirmativas da Universidade, para ingresso nos cursos de graduação. A UFSC foi a 17ª universidade federal a implementar políticas de cotas, contemplando alunos oriundos de escolas públicas, negros e indígenas.
A partir do vestibular de 2008 foram reservadas 20% das vagas de todos os cursos de graduação para estudantes que tivessem cursado os ensinos fundamental e médio em escolas públicas e 10% para estudantes pertencentes ao grupo racial negro procedentes de escolas públicas. Além dessas, foi autorizada também a criação de vagas suplementares para estudantes pertencentes a povos indígenas.
Atualmente, a PAA da Graduação reserva metade das vagas para estudantes oriundos de escolas públicas, com recortes de renda e, dentro desses grupos, vagas específicas para estudantes negros (pretos e pardos), indígenas e quilombolas. Também são garantidas vagas para pessoas com deficiência. Desde a instituição da sua própria Política de Ações Afirmativas, em 2008, um total de 23.885 pessoas ingressaram na UFSC em vagas reservadas.
De acordo com a Comissão Permanente do Vestibular (Coperve), a UFSC oferece ainda, em outros processos seletivos inclusivos, 22 vagas suplementares para indígenas (até 3 por curso); nove vagas suplementares para quilombolas (uma por curso); duas vagas suplementares para negros por curso; e mais duas vagas para deficientes por curso de qualquer percurso escolar no SISU.
Recentemente, a Universidade realizou também um processo seletivo para ingresso de pessoas refugiadas. Foram oferecidas 10 vagas em cursos de Graduação, com ingresso no segundo semestre letivo de 2022.
Na pós-graduação, a política de ações afirmativas foi institucionalizada em 2020, mas antes disso alguns cursos já tinham iniciativas próprias de inclusão. A PAA foi estendida à pós-graduação lato sensu (especialização) e stricto sensu (mestrado e doutorado). Conforme a Resolução Normativa nº 145/2020, os programas de pós-graduação da UFSC deverão destinar, anualmente, no mínimo 20% das vagas para candidatos negros(as) (pretos e pardos) e indígenas, e 8% para pessoas com deficiência e outras categorias de vulnerabilidade social.
Nas vagas reservadas a pessoas em vulnerabilidade socioeconômica, os cursos de pós-graduação podem incluir estudantes quilombolas, estrangeiros e refugiados humanitários, professores da rede pública, travestis, transexuais e transgêneros, estudantes beneficiários do Programa Universidade para Todos (Prouni), entre outros.