Professora da UFSC participa de relatório apresentado na COP26 sobre riscos e soluções urgentes na ciência do clima

05/11/2021 13:20

Área de desmatamento e queimada às margens da rodovia BR 230 no município de Apuí, Amazonas. Com 17% de sua área original desmatada e 18%, degradada, Amazônia se aproxima do ponto de não retorno. Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real/CC-BY-2.0

Em um relatório lançado nesta quinta-feira, 4 de novembro, na Conferência da ONU sobre Mudança Climática (COP26), um grupo de cientistas destacou algumas das descobertas recentes mais importantes relacionadas às alterações climáticas. O documento 10 New Insights in Climate Science (10 novas reflexões na ciência do clima, em uma tradução livre) é um compilado de um artigo publicado em outubro no site da Universidade de Cambridge, elaborado por 62 pesquisadores de 22 países e cinco continentes. A professora do Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Marina Hirota é uma das autoras.

Voltado aos tomadores de decisão, o material faz um resumo sobre o avanço do conhecimento científico, com dados dos estudos publicados no último ano, em alguns dos temas mais urgentes e visa conscientizar sobre as ações necessárias para preservar um planeta seguro e habitável. Ao apresentar o relatório, a secretária executiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), Patricia Espinosa, destacou que os tópicos abrangem assuntos distintos, mas inter-relacionados, como o aumento dos mega-incêndios ao redor do mundo e novas justificativas relacionadas aos custos-benefícios de uma ação climática rápida. Cada item é acompanhado de recomendações de políticas em várias escalas de ação – da global à local.

“Embora estejamos rapidamente esgotando o tempo para limitar as mudanças climáticas, este relatório mostra que estabilizar em 1,5°C ainda é possível, mas apenas se medidas globais imediatas e drásticas forem tomadas”, afirmou Wendy Broadgate, diretora do Future Earth Global Hub, da Suécia. “Os líderes mundiais na COP26 devem definir metas agressivas de redução de emissões – nada menos que 50% de redução de gases de efeito estufa até 2030 e metas líquidas de zero até 2040 é suficiente”, complementa Broadgate.

O relatório alerta ainda que o rápido crescimento das emissões de metano e óxido nitroso nos colocou no caminho para um aquecimento de 2,7°C. Conforme adverte Johan Rockström, diretor do Potsdam Institute for Climate Impact Research e co-presidente da Earth League, a ciência é clara: exceder 1,5°C de aquecimento global representa grandes desafios para sociedades de todo o mundo e aumenta os riscos de cruzar os pontos de não retorno em locais críticos para a regulação do sistema climático – como a Amazônia, por exemplo.

É nesse aspecto, aliás, que está a principal contribuição de Marina Hirota para o relatório. A professora trabalhou com os chamados tipping elements, um termo sem tradução para o português, mas que se refere a elementos do planeta que possuem um comportamento não linear e que estão sujeitos a mudanças abruptas e catastróficas após cruzar determinados limiares (que podem estar relacionados a uma temperatura elevada, a uma alteração no regime de chuvas ou ao nível de degradação de um ecossistema, por exemplo). A Amazônia, o manto de gelo da Groenlândia e a circulação do Oceano Atlântico são exemplos de tipping elements. Vale ressaltar que eles estão todos interconectados. E que alterações em um deles provocam um efeito dominó, com efeitos graves em vários outros sistemas do planeta.

No caso da Amazônia, foco dos estudos de Marina, a situação é especialmente preocupante. “Existem partes da Amazônia que já estão apresentando um comportamento de uma nova configuração, isso em várias frentes. Por exemplo, o sudeste da Amazônia já está se comportando como uma fonte de carbono, ao invés de um sumidouro. Esse é um estudo bem recente. Isso [ocorre] independentemente de fogo, que é o que mais emite, o que mais transforma a floresta em fonte [de carbono]. Então, independentemente do fogo, a gente já observa que a floresta está emitindo mais carbono do que absorvendo”, comenta a professora. Há, inclusive, regiões que já se converteram em um tipo de savana empobrecida. Também chama a atenção o dado de que 17% da área original da Amazônia foi desmatada e que 18% está degradada – o que significa que pode até haver árvores de pé nestas regiões, mas distúrbios como fogos e extração ilegal de madeira levaram ao empobrecimento da floresta, com perda de biodiversidade e redução de funções ecológicas, por exemplo.

“O que significa isso? Que a gente está muito próximo do que foi hipotetizado como o limite de 20 a 25% de mudança na cobertura vegetal da Amazônia”, relata Marina. Acredita-se que esse é o limiar de um ponto de não retorno, a partir do qual a floresta não seria mais capaz de se recuperar. “Embora isso não esteja totalmente provado, e não está, é a gente pagar para ver, o que acho que não vale a pena. Então, é tomar uma atitude de realmente ter uma moratória de desmatamento, de reduzir desmatamento para zero em muito pouco tempo, aumentar a fiscalização, e essa coisa toda, porque isso realmente pode causar um colapso do sistema”, enfatiza.

A pesquisadora destaca, ainda, outros aspectos do relatório que possuem relações mais diretas com o Brasil, como os grandes incêndios (a exemplo dos que afetaram a Amazônia e o Pantanal recentemente), que devem ficar cada vez mais frequentes, e a reflexão sobre a conservação dos ecossistemas costeiros – aí incluídos recifes e demais populações animais e as vegetações litorâneas, como restingas e mangues.

O estudo indica que, dado que a saúde humana e do ecossistema estão intimamente ligadas, são necessárias transformações profundas nos padrões de energia e consumo, que devem levar em conta a justiça e a equidade, incluindo o apoio às populações vulneráveis. A boa notícia é que novas pesquisas mostram que os custos de mitigação das mudanças climáticas são em muito superados pelos benefícios imediatos para as pessoas e para o planeta. Incluem-se aí a restauração de ecossistemas naturais – que também representam alto valor econômico – e as melhorias para a saúde e o bem-estar humanos. A transição para energias renováveis, por exemplo, pode reduzir drasticamente as 6,67 milhões de mortes causadas pela poluição do ar anualmente no mundo.

O material também reconhece o papel das ações individuais (o que cada um de nós pode fazer para diminuir nossa pegada ecológica) e a necessidade de se adotar soluções baseadas na natureza. “Isso também é muito, muito importante para o Brasil, em termos de restauração bem feita. Não só ficar plantando árvores, mas restauração de ecossistemas, não só a Amazônia, mas também o Cerrado, a Caatinga, a Mata Atlântica, o Pantanal, os Pampas, todos esses biomas. E trabalhos que envolvam ciência, sociedade civil, iniciativa privada, povos locais na direção de restauração desses ecossistemas de uma forma real, não só ficar plantando árvores em todos os lugares que isso não faz sentido nenhum. Não faz sentido você plantar árvores no Pantanal, um lugar alagado, por exemplo. Que as pessoas se envolvam cada vez mais nisso, em iniciativas que tenham isso como objetivos. E não importa a escala em que se faça”, salienta Marina. Ela cita, como exemplo de ação local, o projeto da professora do Departamento de  Ecologia e Zoologia da UFSC Michele de Sá Dechoum, que envolve a retirada de pínus invasores no Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição, uma vez que as árvores exóticas comprometem a biodiversidade do local. 

“Nosso conhecimento do sistema climático tem crescido rapidamente nos últimos anos, mas a formulação de políticas ainda não alcançou esses avanços críticos”, diz Detlef Stammer, professor da Universidade de Hamburgo e presidente do comitê científico do World Climate Research Programme. “As conclusões deste relatório são um forte apelo aos tomadores de decisão para atender à urgência do estado do nosso clima e ajudar a nos colocar de volta em um caminho para um futuro sustentável”, adiciona Stammer.

Conheça as dez reflexões:

  1. A estabilização do aquecimento em 1,5°C ainda é possível, mas uma ação global imediata e drástica é necessária.
  2. O rápido crescimento das emissões de metano e óxido nitroso nos colocou no caminho para um aquecimento de 2,7°C.
  3. Mega-incêndios – a mudança climática força os extremos do fogo a atingir novas dimensões com impactos extremos.
  4. Os tipping elements estão sujeitos a riscos de alto impacto.
  5. A ação climática global deve ser justa.
  6. Apoiar mudanças de comportamento individual é uma oportunidade crucial para a ação climática, mas frequentemente negligenciada 
  7. Desafios políticos impedem a eficácia da precificação do carbono.
  8. Soluções baseadas na natureza são críticas para o caminho para Paris – mas observe as letras miúdas.
  9. A construção da resiliência dos ecossistemas marinhos é alcançável pela conservação e gestão adaptadas ao clima e pela administração global.
  10. Os custos da mitigação das mudanças climáticas podem ser justificados pelos múltiplos benefícios imediatos para a saúde das pessoas e da natureza.

Mais informações no site 10insightsclimate.science.

 

Camila Raposo/Jornalista da Agecom/UFSC, com informações das organizações Future Earth, The Earth League e World Climate Research Programme (WCRP)

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