Longe de casa, perto de um sonho: calouros deixam cidade natal em busca do curso superior

27/02/2019 15:23

Em suas mãos, a edição mais recente do Zero, jornal-laboratório produzido por alunos do curso de jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e uma pasta transparente com documentos confirmam a suspeita levantada por seus olhos, que vasculham o ambiente a procura de informações. Suyane de Liz é caloura e ocupa os corredores do Departamento de Jornalismo da UFSC para a etapa presencial da matrícula. Nos dias 5 e 8 de fevereiro, período de realização das matrículas presenciais dos aprovados na 1ª e 2ª chamada do Vestibular 2019, a UFSC recebeu a visita de estudantes de diversas partes do estado e do Brasil.

Saindo de São Carlos, cidade do Extremo Oeste catarinense localizada a quase 600 km de Florianópolis, Mariana Donhauser visitou o campus da UFSC pela primeira vez para se matricular no curso de Física. Higor Luiz Coelho Olenka se deslocou um pouco menos, percorrendo mais de 300 km ao deixar Caçador, município localizado no Meio-Oeste de Santa Catarina, a fim de realizar sua matrícula no curso de Engenharia Aeroespacial oferecido pela UFSC de Joinville.

Os campi de Joinville, Araranguá, Curitibanos e Blumenau são recentes, diferente do Campus Sede, localizado em Florianópolis, com 58 anos. Fundada na capital do estado em 1960, foi a partir de 2009 que a UFSC deu início a sua expansão para o interior, por meio de recursos do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), do Ministério da Educação (MEC). Atualmente, os cinco campi desenvolvem atividades de ensino, pesquisa e extensão e reúnem mais de 119 cursos de graduação, presencial e à distância.

Nesta reportagem, a Agecom conversou com Suyane, Mariana e Higor para compreender o percurso que cada um fez e fará para conquistar o diploma de ensino superior.

Origem: Correia Pinto.

Destino: Florianópolis.

Suyane de Liz, curso de Jornalismo.

A distância de 253 km, rodada em cerca de quatro horas pelas rodovias de Santa Catarina, é o principal motivo de relutância da família de Suyane. Seu pai, Adenir Francisco, conta que fez o possível para convencer a filha a cursar faculdade em Lages, cidade localizada a pouco mais de 29 km de Correia Pinto. Mesmo sem sucesso, Adenir revela estar aliviado por Suyane ter escolhido a UFSC, já que também foi aprovada na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

“Meus pais ainda dizem que, para eles, seria bem melhor eu continuar lá, estudando na cidade vizinha, por eu estar mais perto. Mas eles entendem que para o meu futuro aqui seria melhor e que é o que eu queria. Então eles me apoiaram”, relata Suyane. Acompanhando a filha, Adenir e Sinara de Liz deixaram os gêmeos de cinco anos em Correia Pinto para conhecer a nova morada da mais velha, de 17.

Trocar uma cidade que, segundo estima o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2018 possuía cerca de 13 mil habitantes, por uma com quase 500 mil pessoas é um desafio para Suyane. “Digamos que o centro de Correia Pinto é só uma rua e que em dez minutos a gente caminha pelo centro todo. Acho que no início vai ser um pouco estranho até eu me acostumar com uma cidade grande”. Para Sinara, a filha passará por um desafio ainda maior morando sozinha, já que, com os pais, não precisava se preocupar com tarefas domésticas. “Agora vou ter que me virar e aprender muita coisa”, considera Suyane.

A possibilidade da mudança era remota até o início de 2018. “No começo do terceirão eu pensei na UFSC, mas achava que era um sonho bem distante, porque imaginava que outras escolas dariam uma preparação bem melhor para os alunos do que a que eu tive”. Dados do IBGE demonstram as diferenças referentes ao acesso ao conhecimento, à expectativa e à qualidade de vida entre os dois municípios. Segundo o censo de 2010, enquanto Florianópolis ocupa o primeiro lugar no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Santa Catarina, com 0,847, Correia Pinto encontra-se na 227ª posição, com IDH de 0,702. O IDH é uma referência numérica que varia entre zero e um – quanto mais próximo de zero, menor é o indicador para quesitos como renda, saúde e educação, e quanto mais próximo de um, melhores são as condições para esses quesitos.

Por causa dessas diferenças, Suyane conta que começou a acreditar em seu sonho somente a partir de uma série de conquistas pessoais. Uma delas foi ter sido selecionada, pelo seu desempenho nas provas da Olimpíada Brasileira de Astronomia (OBA), para a Jornada Espacial, evento que reúne estudantes em São José dos Campos (SP) e promove visitação ao Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), entre outras atividades.

“Por ter participado da Jornada Espacial, com pessoas da área de exatas, física, ciências, eu percebi que gosto também dessa parte”, diz Suyane, relatando que a possibilidade de se envolver com diversas áreas no jornalismo foi um dos fatores que a levaram a optar pelo curso. Além disso, o trabalho voluntário que exerce há 2 anos em uma rádio de sua cidade natal também despertou seu interesse pela profissão. Agora, em sua nova etapa, espera se identificar com o curso, tendo a certeza de que fez a escolha certa. Mas para ela e para os pais, o fato de ingressar no Ensino Superior já é uma vitória. “Eles ficam muito felizes, é uma oportunidade que eles não tiveram na época deles, e eu estou tendo”, finaliza Suyane.

 

Origem: Caçador.

Destino: Joinville.

Higor Luiz Coelho Olenka, curso de Engenharia Aeroespacial.

Mais do que 329 km distanciam Caçador, município do Meio-Oeste catarinense, de Joinville, cidade-sede da Região Metropolitana do Norte do estado. Segundo dados de 2010 do IBGE, os mais de 515 mil habitantes e o IDH de 0,809 posicionam Joinville em primeiro lugar no ranking de população residente e em 4° no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano do estado. Por outro lado, Caçador ocupa a 149ª colocação no quesito IDH, e a 15ª posição no ranking de população residente. Higor Luiz Coelho Olenka, caçadorense aprovado no curso de Engenharia Aeroespacial da UFSC pelo Vestibular 2019, enxerga as diferenças sob várias perspectivas.

Foto: acervo pessoal.

“Vai ser bem difícil eu me adaptar, porque estou muito acostumado à cidade pequena. Não vai ser fácil, realmente, mudar para uma cidade grande. Mas tudo tem seus prós e contras. Acho que em Joinville as oportunidades de emprego em diversas áreas são maiores”. Para ele, a mudança era uma possibilidade desde cedo, já que sua irmã também tivera que deixar a cidade natal para cursar faculdade, mas a confirmação veio somente após decidir o campo em que desejava atuar.

Há muito tempo, o céu, os corpos celestes e tudo relacionado ao Universo exercem fascínio em Higor. Por isso, astronomia era a primeira coisa que lhe ocorria quando perguntavam o que ele queria fazer. Entretanto, a preocupação com escolher a profissão que seguiria surgiu somente no Ensino Médio, quando percebeu que todos os seus colegas já estavam optando por alguma faculdade. “Pesquisando, eu logo entrei no site da UFSC de Joinville e vi o curso de Engenharia Aeroespacial”, conta. O curso é oferecido pelo Centro de Engenharias da Mobilidade (CEM) do Campus Joinville, junto a outras engenharias como Automotiva, Mecatrônica e Naval. Analisando o currículo do curso de Engenharia Aeroespacial e assistindo a vídeos sobre os conteúdos, interessou-se e optou pela área.

Uma série adiantado, Higor se formou com 16 anos no Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). Para se preparar para o vestibular, refazia as provas da UFSC e de outros vestibulares, dando atenção especial às matérias com peso maior no curso pretendido. “Para essas matérias, eu pegava a prova da UFSC, levava para o IFSC e pedia para o meu professor de matemática me ajudar a resolver num horário extraclasse, o que me ajudou bastante”, relata, revelando que ver seu nome na lista de aprovados do vestibular garantiu-lhe uma sensação de “dever cumprido”.

“Minha família ficou bastante feliz, todos me deram parabéns, mas minha mãe acho que ficou um pouco triste porque sabia que eu teria que deixar a cidade e sair de casa”, comenta Higor. Mas, para ele, a distância de quase cinco horas pelas rodovias de Santa Catarina de uma cidade a outra poderá ser percorrida com frequência, em feriados estendidos e finais de semana. Dessa forma, Higor acredita que será mais fácil partir para a nova etapa, e complementa: “só de pensar que é por um motivo maior, para realizar um sonho da faculdade que eu quero, já começa a valer a pena”.

Mesmo sem conhecidos na nova cidade, o fato de ter ido à UFSC de Joinville uma vez durante uma visita técnica elevou as expectativas de Higor quanto ao futuro. “Tenho as melhores esperanças possíveis quanto à universidade. Como eu já pude visitar o campus, já sei da estrutura, dos laboratórios e dos equipamentos, e tenho muitas expectativas em relação às oportunidades de pesquisa que a UFSC oferece”.

 

Origem: São Carlos.

Destino: Florianópolis.

Mariana Donhauser, curso de Física.

Para Mariana Donhauser, aprovada em Física na UFSC pelo Vestibular 2019, adaptar-se à diferença de população entre a nova e antiga cidade será um de seus maiores desafios. Nascida em São Carlos, município localizado no Extremo Oeste catarinense, Mariana está acostumada com uma localidade de pouco mais de 11 mil habitantes, segundo estimou o IBGE em 2018. “Lá é bem pequeno, não tem muitas coisas para fazer. Vai ser um pouco complicado, no início, para eu me adaptar aqui, não conheço quase nada”, conta, relatando ser a primeira vez que visita o campus da UFSC.

Devido à distância de mais de 598 km, percorrida em uma hora de voo de Chapecó a Florianópolis, Mariana não sabe ao certo como será para visitar os familiares. “Isso deixa meus pais um pouco preocupados, mas eles estão felizes por mim”. Filha caçula, a universitária estará mais distante da família do que a irmã Adriana, que optou por cursar Direito próxima à cidade natal.

Diferentemente da irmã, Mariana sempre preferiu a área de exatas. “No Ensino Médio, eu me aprofundei bastante em física porque eu sempre gostei muito, já que explica os fenômenos de tudo o que acontece na natureza”, conta. Com a certeza da escolha de curso, preferiu a UFSC a faculdades em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, cidade mais próxima de São Carlos do que Florianópolis.

 

Longe de casa? UFSC oferece serviços de acolhimento aos estudantes

“Vai ser bem difícil eu me adaptar, porque estou muito acostumado à cidade pequena”, “acho que no início vai ser um pouco estranho até eu me acostumar com uma cidade grande”, “vai ser um pouco complicado, no início, para eu me adaptar aqui, não conheço quase nada”. As frases de Higor, Suyane e Mariana, respectivamente, refletem um dos maiores desafios dos estudantes que se mudam sozinhos para cursar uma universidade: a adaptação.

Com o objetivo de auxiliar nesse processo, a UFSC disponibiliza uma série de serviços, como o Serviço de Psicologia Educacional da Coordenadoria de Assistência Estudantil (CoAEs), vinculado à Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE), que organiza, entre outros projetos, o Longe de Casa: e agora?. “Esse é um trabalho de grupo, em que fazemos de quatro a cinco encontros com os estudantes, que nos trazem como demandas principais seus maiores desafios”, explica Lara Dias, psicóloga da CoAEs. Dentre as demandas, estão questões relacionadas a saudades da família e de amigos, ao gerenciamento da casa e a necessidade da formação de uma nova rede de apoio.

Pensando em colaborar com a formação dessa nova rede, o Serviço de Psicologia Educacional da CoAEs desenvolveu uma cartilha apresentando serviços disponibilizados pelo município de Florianópolis, como projetos e iniciativas nas áreas da Saúde, Assistência Social, Educação, Lazer, Arte e Cultura. Para Lara, pensar no movimento de migração realizado pelos estudantes e, consequentemente, na necessidade de ambientação, constitui um dos principais fatores para ampliar as condições de permanência estudantil com qualidade.

O Serviço de Psicologia Educacional da CoAEs também promove oficinas gratuitas pelos projetos “Quanto tempo você tem?” e “Autogerenciamento do Desempenho Acadêmico”, que buscam estabelecer uma relação de integração com os participantes, auxiliando-os a estipular e a gerenciar suas metas. “Normalmente, diante de tantas coisas para fazer e de tantas informações novas, a questão da prioridade se perde um pouco, então oferecemos grupos de reflexão para retomar e pensar as prioridades, tendo como base o projeto de vida de cada um”, esclarece Lara.

Além desses projetos, a UFSC disponibiliza outros serviços e setores que contribuem com a permanência estudantil e tratam de assuntos relacionados à questão. Saiba mais acessando os sites:

Serviço de Atenção Psicológica (SAPSI)

Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE)

Secretaria de Ações Afirmativas e Diversidades (SAAD)

Projeto Amanhecer (HU/UFSC)

Leia mais sobre os calouros 2019 da UFSC na reportagem Aos 79 anos, calouro é aprovado em Engenharia de Controle e Automação na UFSC.

Maria Clara Flores / Estagiária de Jornalismo na Agecom / UFSC

*Fotos: Henrique Almeida, Erick Souza / Agecom / UFSC, e divulgação de Acervo Pessoal.

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