Crianças que dormem e acordam mais cedo se alimentam melhor, revela estudo da UFSC
A nutricionista Denise Miguel Teixeira Roberto sempre se interessou em saber quais fatores afetam nossa alimentação e de que forma o que comemos pode melhorar nossa saúde e nosso bem-estar de forma geral. Nesse contexto, ela elegeu o consumo alimentar de crianças como tema de sua pesquisa de mestrado, cuja dissertação foi defendida em 2020, no Programa de Pós-graduação em Nutrição da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGN/UFSC), com o título “Avaliação da estabilidade de padrões de refeições em escolares do 2º ao 5º ano da rede pública de ensino de Florianópolis-SC: 2013-2015”. Incentivada por sua orientadora, a professora Patrícia de Fragas Hinnig, Denise decidiu seguir explorando o tema no doutorado. Dessa vez, seu trabalho estaria focado na associação entre hábitos de sono, alimentação, sobrepeso e obesidade em crianças e adolescentes.
“Minha orientadora começou a trabalhar com sono porque observou que estavam surgindo muitos estudos apontando a importância do sono para a saúde. Ela orientou uma dissertação sobre sono e alimentação e percebeu que esse era um tema muito em alta”, explica Denise. Segundo ela, um número cada vez maior de estudos mostrava a relevância do sono para a saúde e indicava que o modo de vida moderno vinha reduzindo nosso tempo de sono. “Especialmente em decorrência do aumento da exposição às telas, temos observado que as horas de sono estão diminuindo e que as pessoas têm ido dormir cada vez mais tarde, o que pode ocasionar prejuízos na saúde. Por isso decidimos investigar os impactos do sono nos padrões alimentares para saber exatamente quais refeições são as mais afetadas pelo sono.”
Em junho de 2024, Denise defendeu a tese “Associação entre hábitos de sono, padrões de refeições e sobrepeso e obesidade em crianças e adolescentes de Florianópolis (SC)”. Em novembro do mesmo ano, ela publicou o artigo “Association between sleep timing and meal and snack patterns in schoolchildren in southern Brazil” no periódico britânico British Journal of Nutrition, fruto de sua pesquisa de doutorado. A pesquisadora analisou os hábitos de 1.333 crianças e adolescentes, de 7 a 14 anos, matriculados em escolas públicas e privadas de Florianópolis (SC). “Essa faixa etária é especialmente importante, pois é quando os hábitos são formados, inclusive os hábitos alimentares. Além disso, estudos identificaram que quando a obesidade já surge nessa fase, aumentam as chances de ser um adulto com obesidade”, afirma a pesquisadora.

A pesquisadora Denise, à esquerda, durante seu trabalho de campo em uma escola de Florianópolis. Foto: Arquivo Pessoal.
Seu estudo integra o projeto Estudo da Prevalência da Obesidade em Crianças e Adolescentes de Florianópolis (EPOCA/UFSC), vinculado ao Departamento de Nutrição da UFSC e coordenado por sua orientadora. “Este projeto monitora, desde 2002, o sobrepeso e a obesidade em crianças e adolescentes. O objetivo do meu trabalho foi explorar como os horários de dormir e acordar – o chamado ‘cronotipo’, que reflete as preferências individuais de sono – influenciam os padrões alimentares.” Denise averiguou que crianças e adolescentes que têm preferência matinal tendem a consumir refeições mais equilibradas, como café da manhã, almoço e lanche da tarde, com alimentos considerados saudáveis. Já aqueles com preferência tardia, consomem mais ultraprocessados, como fast food, refrigerantes e doces.
“De forma simples, os cronotipos dividem-se entre ‘matutinos’, que preferem dormir e acordar cedo, e ‘vespertinos’, que dormem e acordam mais tarde. A pesquisa revelou que crianças e adolescentes matutinos consumiram alimentos mais tradicionais e saudáveis, como café com leite, pão e queijo no café da manhã e arroz, feijão e carnes no almoço. Por outro lado, aqueles com preferência tardia eram mais propensos a consumir refeições mistas – uma combinação de alimentos saudáveis e não saudáveis – e optavam por consumir ultraprocessados no lanche da tarde. Além disso, o cronotipo matutino foi associado a um menor risco de desenvolver sobrepeso e obesidade.” Esses são dados importantes, ela argumenta, pois a obesidade também aumenta a probabilidade de se desenvolver outras doenças crônicas não transmissíveis, como hipertensão e diabetes.

Crianças que dormem e acordam mais cedo consomem mais arroz e feijão no almoço. Foto: Banco de Imagens.
A pesquisa conclui, portanto, que uma rotina de sono saudável é fundamental para a saúde da população, de forma geral, e das crianças e adolescentes, em particular. “Os hábitos de sono, muitas vezes negligenciados, desempenham um papel crucial na formação de padrões alimentares e no risco de obesidade infantil, um problema crescente no Brasil e no mundo”, afirma. Seu trabalho é oportuno, pois fornece dados que conectam horários de sono com alimentação, indicando um caminho concreto para melhorar a saúde pública, com potencial para orientar programas educacionais, intervenções escolares e políticas públicas.
“Incentivar horários de sono mais regulares e antecipados pode ajudar a prevenir a obesidade em crianças e adolescentes e, consequentemente, reduzir a prevalência de doenças crônicas na vida adulta”, explica Denise. Os resultados, segundo ela, além de reforçarem a importância de promover bons hábitos de sono, também oferecem informações valiosas para pais, educadores e profissionais de saúde no desenvolvimento de estratégias para melhorar a qualidade de vida e a saúde das futuras gerações.
Atualmente, a pesquisadora realiza estágio de pós-doutorado na área de Nutrição na Faculdade de Saúde Pública na Universidade de São Paulo (FSP-USP), sob a supervisão da professora Aline Martins de Carvalho. Denise integra o Sustentarea, uma rede transdisciplinar de pesquisa e extensão universitária sediada na USP e formada por mais de 70 profissionais e pesquisadores de diversas regiões do Brasil. No âmbito dessa rede, ela participa do projeto “Redução de emissões de gases do efeito estufa no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) por meio de compras públicas sustentáveis”, cujo objetivo é avaliar o impacto ambiental das compras de carnes realizadas no PNAE. A pesquisadora também segue vinculada ao EPOCA, que realizará novos levantamentos sobre consumo alimentar de crianças e adolescentes em 2025.
Acesse o artigo publicado no British Journal of Nutrition aqui.
Daniela Caniçali | daniela.canicali@ufsc.br
Jornalista da Agecom | UFSC