Um ano depois: transição para o ensino remoto exigiu superação de desafios e criatividade

18/03/2021 23:09

O ensino foi provavelmente a atividade mais impactada na UFSC pela necessidade de distanciamento social determinada pela pandemia. As mudanças atingiram cerca de 38 mil alunos da graduação, pós-graduação e educação básica, além de quase 3 mil docentes e uma grande quantidade de técnicos-administrativos em Educação em atividades na graduação e pós-graduação. Foi preciso mudar a forma de dar aulas e o modo como a UFSC seleciona os candidatos a ingresso no ensino superior. As seleções de graduação e pós-graduação, que anteriormente se valiam de provas presenciais, precisaram ser adaptadas. A UFSC não realizou vestibular em 2020, e selecionou seus alunos por meio de processos seletivos não presenciais.

Pela complexidade da empreitada, a migração das aulas presenciais para atividades pedagógicas remotas demandou maior tempo de planejamento e aplicação. Foi preciso adaptar todas as ementas e os planos de ensino das disciplinas que poderiam migrar para o modo não presencial. Ao final de um trabalho árduo que envolveu professores, coordenadores de curso e chefes de departamento, sob orientação da Pró-Reitoria de Graduação (Prograd), mais de 90% das disciplinas foram adaptadas ao novo formato. Assim, a UFSC ofereceu 3.638 disciplinas no primeiro semestre remoto da Graduação (2020.1) e 3.680 disciplinas no semestre de 2020.2.

Computadores são higienizados e embalados antes da distribuição (Foto: Divulgação)

Uma das principais preocupações do Conselho Universitário (CUn) ao debater a retomada do ensino de forma remota foi a de que nenhum estudante fosse deixado para trás na possibilidade de seguir com os estudos. Para isso, foram implementados programas de empréstimo de equipamentos, bolsas e auxílios. O esforço de vários setores da UFSC disponibilizou computadores, recursos humanos e financeiros. Foram cerca de 1.400 computadores emprestados a alunos e concedidas 600 bolsas para aquisição de pacotes de dados de acesso à Internet, além de 400 chips distribuídos.

Com a suspensão do funcionamento dos Restaurantes Universitários, alunos com situação socioeconômica mais vulnerável receberam um auxílio emergencial e até mesmo alimentos não perecíveis que estavam estocados no RU. Desde abril do ano passado, a Pró-Reitoria de Assistência Estudantil (Prae) cadastrou e direcionou recursos para que mais de 5 mil auxílios emergenciais no valor de R$ 200,00 pudessem ser repassados aos estudantes. Todas as bolsas concedidas antes da pandemia foram mantidas ou até ampliadas, bem como os programas de iniciação científica.

Permanência

Com o apoio institucional, alunos e professores fizeram a sua parte para continuar as atividades de ensino. A vida de Mayara Vieira, estudante do curso de Design, era muito agitada antes da pandemia, os deslocamentos entre a Universidade e a escola que seu filho frequenta eram diários. Ela conta que no começo do semestre remoto as coisas pareciam mais tranquilas, pois, dar conta dos compromissos e atividades acadêmicas sem a necessidade de se deslocar facilitaria sua vida. Mas depois de um tempo tudo ficou mais difícil, a sobrecarga de atividades trouxe as crises de ansiedade e a decisão por se matricular em menos disciplinas no semestre seguinte. 

Para desenvolver suas atividades acadêmicas, Mayara utilizou computador fornecido pela Universidade. “Ele [o computador] me ajudou do começo ao fim. Ter uma tela maior para ler, assistir às aulas, foi muito benéfico para mim”.

Mayara Vieira (Foto: acervo pessoal)

Mesmo em meio a dificuldades, as vivências negativas da estudante frente à realidade do ensino remoto foram amenizadas graças a todos os suportes assistenciais e de permanência concedidos pela instituição. “Eu tive essa segurança também por que eu sou bolsista da Prae. Eles permaneceram com as bolsas e por isso eu consegui continuar com uma fonte de renda mesmo no meio da pandemia”, diz Mayara. “A UFSC conseguiu contribuir para que eu tivesse um ensino remoto de mais qualidade. Eu vivo da UFSC, sou bolsista, estudo, e meu futuro está pautado em decisões que eu tomo na Universidade”, destaca a estudante.

Dificuldades e superações durante esse ano de pandemia também fazem parte do cotidiano de Vagner de Souza, que cursa o terceiro semestre de Medicina no Campus Araranguá. Ele ingressou no “curso dos seus sonhos” pelo processo seletivo de ações afirmativas para quilombolas. O fato é que suas dificuldades de acesso ao ensino começaram bem antes da pandemia, pois sempre precisou trabalhar para o sustento da família e estudava apenas nas poucas horas vagas.

Vagner e o irmão prestaram vestibular para Medicina, ele para o campus de Araranguá; o irmão para o campus de Florianópolis. “Quando pegamos o resultado e vimos que estávamos na lista dos classificados, a alegria tomou conta e começamos a chorar, pois era um sonho para nós, vindos de uma família pobre. Logo entramos em contato com nossos pais, com a Jéssica, minha namorada,  e comemoramos em família”, relata Vagner, em fala emocionada.

O futuro médico cursou apenas um semestre de forma presencial e sente que a pandemia complicou o processo de compreensão dos conteúdos. De acordo com ele, o número de tarefas e trabalhos é ainda maior, além de ser mais estressante desenvolver as atividades apenas dentro de casa, sem contato com diferentes pessoas e suas realidades. Mesmo assim, se mostra satisfeito com o acolhimento da UFSC. “Sempre fui muito bem assistido pela equipe da universidade, pelos técnicos e professores. A UFSC é uma ótima instituição e  se preocupa com o estudante”. Ao ser instigado sobre uma mensagem que acredita ser importante deixar aos estudantes da UFSC, ele é pontual. “A gente nunca pode se achar incapaz de sonhar e lutar por nossos sonhos e objetivos, independente de cor, raça ou classe social, os nossos sonhos dependem unicamente de nós!”

Calouros

Estar na universidade não é apenas passar no vestibular e ocupar uma vaga no curso dos sonhos. É viver todas as experiências que o ambiente acadêmico traz, é estar em contato com pessoas, criar amizades e afetos que ficam por toda a vida, enfrentar muitas filas no Restaurante Universitário e, antes mesmo de almoçar, já sonhar com o docinho que vai comprar na saída do almoço. 

Essas experiências tiveram que ser adiadas para estudantes que começaram seus estudos na UFSC por meio do ensino remoto, e um dos seus desafios é ressignificar o cotidiano de estudos e as relações que estabelecem com colegas, professores e servidores da instituição.

Amanda Oliveira (Foto: acervo pessoal)

Amanda Oliveira é caloura do curso de Jornalismo, e quando prestou o vestibular presencial não podia imaginar que sua experiência na UFSC começaria de forma remota: “Iniciar a graduação à distância não era o que tinha em mente, ninguém contava com uma pandemia. Foi meio frustrante, mas ao mesmo tempo incrível. Na primeira semana fomos recebidos pelo Piape e tivemos todas as informações necessárias para nos habituar ao ambiente acadêmico”, conta  ela, referindo-se ao Programa Institucional de Apoio Pedagógico aos Estudantes, um serviço de apoio e orientação pedagógica para estudantes da graduação que desenvolve ações para fortalecer os aprendizados e permanência.

Passar do ensino presencial para o remoto foi uma experiência inusitada para os veteranos da UFSC, mas alguns estudantes ingressaram na Universidade já sob o novo formato. É o caso de  Lucas Wallendorf, 19 anos, calouro 2020.2 do curso de Ciências Econômicas. “É um período de adaptação para mim e acho que para todo mundo que entrou no segundo semestre do ano passado, porque não tinha pego ainda o ensino a distância”. 

Lucas Wallendorf (Foto: acervo pessoal)

Lucas afirma que, mesmo não havendo os tradicionais trotes, a recepção remota dos calouros pelos veteranos permitiu “pegar um pouco a vibe do que é uma faculdade, do que é o curso”. Ele consegue ver pontos positivos e negativos das atividades pedagógicas não presenciais. “O bom é que a gente consegue ser flexível no horário. Às vezes a gente não vai poder assistir à aula em um determinado horário e ela fica gravada. A maioria dos professores gravam as aulas, então podemos assistir depois, quando der tempo, ou reassistir a aula. Acho que isso é um ponto bastante positivo”.

“O negativo seria essa convivência da universidade que ainda a gente não pegou, de ir para o campus, trocar ideia com o pessoal, interagir, fazer o networking que iria fazer. Não que a gente não esteja fazendo, mas ia fazer melhor.  A UFSC, pelo que eu vejo, está dando um suporte bom tanto para os alunos quanto para os professores também. Então acho que está em um bom nível assim de começo da faculdade”.

Já Bruno Nunc-Nfôonro Oleszczuk, calouro do curso de Engenharia e Controle de Automação no campus Blumenau precisou modificar toda sua vida para estar na UFSC. Mudou de cidade, procurou um emprego e organizou sua rotina em meio à pandemia. Mesmo assim suas expectativas sobre o curso são as melhores possíveis e a receptividade dos professores e colegas chamou sua atenção: “O entrosamento da turma é muito bom; conversamos muito e todos interagem mesmo em meio à pandemia. Todo mundo é gente fina”, destacou o estudante.

Bruno frisa que a parte mais difícil do ensino remoto é a organização da rotina para que os compromissos não se acumulem. Ao mesmo tempo sente que precisa se esforçar mais para aprender os conteúdos repassados em sala de aula, e esse esforço resulta em conhecimentos mais sólidos. “Faz com que se aprenda mais ao invés de decorar”, afirmou o futuro engenheiro de automação.

Professores

Marilinha integrou ferramentas digitais para facilitar a interação com os alunos (Foto: acervo pessoal)

Os professores também precisaram promover muitas adaptações no seu cotidiano e formas de transmitir o saber. Muitos foram em busca de capacitação para a realização de atividades pedagógicas usando ferramentas de comunicação e meios digitais de interação com os alunos. 

Marília Matos Gonçalves, professora do Curso de Design, conta que conseguiu dar continuidade às atividades de pesquisa e extensão e realizar algumas orientações quando a UFSC suspendeu o expediente presencial. “Tivemos (eu, os professores e os estudantes envolvidos nestas atividades) que aprender a trabalhar 100% em formato remoto”.

Marilinha, como é mais conhecida entre alunos e professores do Centro de Comunicação e Expressão, diz que tudo era muito novo quando as aulas recomeçaram, em agosto de 2020. “A interação, que antes era presencial, passou a ser mediada pelo computador. Minhas disciplinas, que são de projeto para o curso de Design (Branding e Produto de baixa complexidade), têm uma carga horária prática considerável. As ferramentas disponibilizadas pela UFSC, em especial o Moodle e o portal de serviço Google UFSC, passaram a ser uma espécie de sala de aula, nossa área de interação. Ali acontecem os encontros síncronos das disciplinas, as reuniões (PCC; projetos, preparação de aulas). 

>> Coordenadores de cursos fazem avaliação positiva do ensino não presencial na UFSC

Em novembro de 2020, a Pró-Reitoria de Graduação da UFSC divulgou os resultados de uma pesquisa com Coordenadores e coordenadoras de 82 cursos da UFSC. A avaliação foi predominantemente positiva a respeito da experiência do ensino não presencial realizada no semestre 2020.1.

“As aulas de projeto requerem muita interação entre os estudantes que fazem parte das equipes de projeto. Por isso, eu e meus colegas fomos em busca de outras ferramentas que pudessem facilitar essa interação. Um exemplo disso foi usar ao mesmo tempo o Google Meet e o MIRO. Com eles eu consigo acompanhar sincronicamente as atividades de cada grupo. Posso ver o mouse de cada estudante realizando uma tarefa. Eles podem em qualquer momento tirar dúvidas”. 

“Acho que agora, estou mais “acostumada” com essa rotina. Tenho muito o que aprender e agradeço a meus alunos e colegas que me ensinam muito. Mas sinto que o ensino remoto ainda deve durar mais um tempo. Hoje há muitos casos de pessoas infectadas com o coronavírus e, enquanto não houver uma cobertura vacinal contra esse vírus que tantas vidas já tirou, penso que a decisão de manter suspensas as atividades presenciais, até que nos seja permitido transitar em pelas ruas e compartilhar espaços com a devida segurança, seja a decisão mais assertiva e difícil que esta instituição que tanto respeito já teve que tomar”.

A suspensão das atividades presenciais na UFSC nunca foi sinônimo de paralisação das atividades de ensino, seja nas graduações ou nos programas de pós-graduação. O trabalho de adaptação aos novos contextos que o ensino remoto exige foi e ainda é árduo, e o desgaste físico e psicológico gerados pela sobrecarga de trabalho ainda são desconhecidos e questionados por parte da sociedade. 

Professora Marta Verdi, do PPGSC (Foto: acervo pessoal)

Nesse sentido, Marta Verdi, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (PPGSC) da UFSC é assertiva: sentimos o impacto do aumento de tempo de trabalho necessário para manter nossas atividades em dia. “Tanto nas questões administrativas da coordenação e secretaria do programa, quanto no tempo dedicado ao preparo para as aulas remotas e o tempo dedicado às orientações dos mestrandos e doutorandos”.

Ela destaca que foram muitos os desafios vivenciados pela comunidade universitária durante a pandemia da Covid-19. “No âmbito do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva destacamos: do ponto de vista pedagógico, a dificuldade de modificarmos métodos, estratégias e procedimentos pedagógicos, o que impôs a reinvenção de novas relações mediadas tecnologicamente; do ponto de vista gerencial, o grande desafio foi manter o grau de participação de docentes e pós-graduandos nos processos decisórios do programa, o que foi buscado através do incremento de trabalhos em comissões, reuniões colegiadas, reuniões e seminários científicos envolvendo mestrandos e doutorandos; do ponto de vista científico, o grande desafio foi manter os projetos de pesquisa readequando-os à realidade da pandemia, ou mesmo iniciar novos projetos de pesquisa considerando as grandes limitações impostas pela realidade”.

Segundo a professora, manter atividades de acolhimento e convivência sempre foi uma das preocupações do PPGSC. Por isso, o distanciamento físico e a falta de convivência entre professores e alunos tiveram grande impacto no âmbito das relações interpessoais.

Covid-19: um ano de pandemia na UFSC

Um ano depois: trabalho marcado pela adaptação de rotinas e procedimentos
Um ano depois: pesquisa se estendeu da busca por vacina ao estudo dos impactos psicossociais da pandemia
Um ano depois: atividades e projetos de extensão alcançaram mais de 453 mil pessoas

 

Klay Silva, Luana Consoli, Thaís Martins / estagiárias da Agecom
Mayra Cajueiro Warren e Luís Carlos Ferrari / Agecom

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