Vozes de diferentes movimentos trazem suas realidades em tempos de pandemia e desafios à Universidade
A Roda de Conversa virtual “Academia, ativismo e gênero em tempos de pandemia”, ocorrida no dia 22 de maio, apontou caminhos para ampliar o debate ente a universidade e os movimentos sociais neste momento tão singular colocada pela pandemia da Covid-19. O evento foi organizado pela Comissão de Movimentos Sociais do Fazendo Gênero 12 vinculado ao Instituto de Estudos de Gênero (IEG/UFSC).
A conversa transcorreu na plataforma Zoom e foi transmitida simultaneamente na página do IEG no Facebook. A moderação foi feita pela pós-doutoranda do Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH/UFSC), Vera Gasparetto.
As boas-vindas ficaram por conta da professora do PPGH da UFSC, Janine Gomes da Silva, que também é uma das coordenadoras do FG 12. Falou a respeito do adiamento do evento e das iniciativas que estão sendo tomadas para a futura realização deste, que é um dos maiores eventos sobre gênero e feminismos do Sul Global.
A Roda de Conversa contou com a participação de oito representantes de diferentes movimentos sociais, que trouxeram para a pauta suas diferentes realidades, para pensar coletivamente os novos desafios para a universidade nessa interação entre academia-arte-ativismo.
A conversa começou com a fala de Atiliana Brunetto, indígena do Povo Terena do Mato Grosso do Sul, sem-terra, coordenadora do Coletivo de Gênero do Movimento e Trabalhadoras Rurais Sem Terra – MST. Atiliana reforçou a importância da parceria entre a academia e os movimentos sociais, ainda mais neste período em que a crise política em nosso país acirra a retirada de direitos conquistados pelos grupos chamados de “minorias”. Ela também mencionou as iniciativas que estão sendo tomadas por estes movimentos na luta contra às violências, como a campanha do MST para o combate à violência contra as mulheres.
Em seguida, Angelita de Oliveira Martins, ativista da economia solidária e da Marcha Mundial das Mulheres, trouxe a experiência da organização coletiva da economia solidária. Afirmou a importância da memória e da ancestralidade e de como devemos cada vez mais buscar um modelo de economia para a sociedade, baseadas nos princípios feministas e da solidariedade.
Caio Lima, poeta da resistência negra, artista e ativista Trans dos coletivos Atransce, Slam M3 e Transpoetas, dimensionou o quanto o isolamento afeta as pessoas trans de uma maneira diferente, esta população que em sua maioria, neste momento, está impedida de realizar suas atividades econômicas. Colocou que este não deve ser um momento de julgamentos, mas sim de união para vencer mais este desafio.
Jumeri Zanetti, municipária, presidente do Sindicato de Servidores Municipais de São José, integrante do 8M, falou da importância dos servidores públicos no combate a esta pandemia e que, em sua maioria, estes trabalhadores são mulheres. Explicou que estas são afetadas muito mais por conta de uma sobrecarga de trabalho, que além dos afazeres enquanto servidoras, são também incumbidas das atividades domésticas e relativas ao cuidado de suas famílias. Lembrou que muitas mulheres são mães ou responsáveis por cuidarem de familiares doentes e idosos, gerando assim uma “dupla jornada”. Ela também falou de iniciativas como o Comitê Solidário que atua na grande Florianópolis na ajuda de famílias que estão passando por necessidades neste período.
Karla Garcia, mulher com deficiência, psicóloga do IFSC, integrante do Coletivo Feminista Helen Keller e da Comissão de Acessibilidade do FG12, doutoranda de Psicologia da UFSC, destacou a importância de cada vez mais abrir espaços inclusivos para pessoas com deficiência. A partir de falas anteriores, Karla citou a convergência das diferentes lutas diante de um modelo de “necropolítica” que vem se consolidando em nosso país. Lembrou que a academia deve muito aos espaços de militância e que esta deve cada vez mais se aproximar com humildade dos movimentos sociais. Por fim, Karla disse das interseccionalidades das pessoas com deficiência e de como estas vão além de apenas suas deficiências.
Lirous K´yo, assistente social, DJ e coordenadora da Associação em Defesa dos Direitos Humanos com Enfoque na Sexualidade (ADEH), falou a respeito de como a eleição do atual presidente brasileiro autorizou, de certa forma, discursos de violência. Ela lembrou de que a situação atual de isolamento doméstico traz a tona um velho problema das pessoas LGBTQI, o convívio dentro de suas casas com suas famílias, estas pessoas que tinham em seus trabalhos, ambientes de estudos e na vida noturna formas de escapar da homofobia doméstica e que agora precisam conviver 24 horas com seus agressores. Para ela, este momento também deixou mais clara a importância da luta por acesso universal à internet.
Luciana Freitas, moradora do Maciço do Morro da Cruz, integrante do Movimento Negro Unificado e do Grupo GESTUS, mestranda em Educação da UFSC, reiterou a situação atual da política e de seu compromisso com um modelo de “necropolítica”, juntamente com somada com os problemas trazidos pela pandemia de Covid-19 acentuam as dificuldades já cotidianas das pessoas de comunidades carentes, esta população que tem um papel essencial na manutenção do tecido social urbano. A partir desse diagnóstico, apontou que devemos combater os discursos de violência contra as populações vulneráveis.
Rosi Whaikon, indígena do Povo Piratapuia do Alto Rio Negro – Amazonas, artista e doutoranda em Antropologia Social da UFSC, tratou de como a Covid-19 está afetando os povos indígenas. Para ela, não é a primeira vez que uma doença trazida pela civilização branca traz mortes para seu povo, como a varíola, que ensinou ao seu povo a se resguardar e se isolar para se proteger. Ressaltou que a Covid chegou ao norte do Brasil de maneira devastadora e que vem matando inúmeros de indígenas. Reforçou a resistência, pois os povos indígenas vêm resistindo a inúmeros ataques desde a colonização das Américas e, no cenário político atual, fica mais evidente essa necessidade. Por fim, Rosi lembrou do profundo abismo que há entre a academia e a sociedade principalmente com os povos tradicionais.
Na rodada de encerramento teve a apresentação de uma poesia de Caio e outra de Rosi que enriqueceram ainda mais nosso debate que contou com a tradução simultânea para libras feita pelas intérpretes Leticia Tobal, Bárbara Alves e Melissa Alves.
Em um momento com tamanhas incertezas é sempre bom contar com o diálogo com diferentes pessoas que se juntam para somar na luta por sociedade cada vez mais justa. Neste momento em que muitas vezes nos sentimos sozinhos, isolados socialmente em nossas casas, ter espaços de diálogo é fundamental para perceber que a luta continua e que a universidade brasileira, assim como o seu povo, vai resistir.
Confira a roda de conversa na íntegra:
Texto: Mateus Coelho/Doutorando PPGICH/UFSC