UFSC lidera pela primeira vez associação nacional de Filosofia comprometida com questões de gênero e inclusão 

11/07/2025 09:35

Professora informa que, em 2026, UFSC deve receber pela primeira vez evento nacional. Foto: Divulgação/UFSC

 

A professora Janyne Sattler, do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), assumiu, desde janeiro deste ano, a presidência da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (ANPOF). Esta é a primeira vez que uma docente da universidade preside a ANPOF, o que representa uma conquista para a instituição e, sobretudo, para o Programa de Pós-Graduação em Filosofia (PPGFIL/UFSC), que terá mais protagonismo e visibilidade no cenário acadêmico brasileiro. “Em todos os espaços onde estarei representando a ANPOF, estarei representando o programa. Essa visibilidade também é importante para os alunos e alunas do programa, que podem se sentir mais próximos da associação”, afirma a pesquisadora. 

Além disso, a UFSC sediará o próximo encontro da ANPOF, em novembro de 2026, sendo a primeira vez que o evento ocorre em uma universidade catarinense. “Teremos toda a comunidade filosófica brasileira da pós-graduação aqui na UFSC”, comenta. PPGFIL  já possui a nota 7, que é a nota máxima na avaliação da CAPES. Mas geralmente as atenções estão mais voltadas principalmente aos programas do Rio de Janeiro e São Paulo. Portanto, segundo ela, será importante que o encontro ocorra na UFSC, valorizando a pesquisa que é produzida aqui. “O programa da UFSC já é muito consolidado. Temos um quadro docente bastante variado, que trabalha em áreas muito variadas.”

Questões de gênero em foco

“Eu diria que fui chamada à presidência um pouco pelo meu papel nas discussões sobre gênero dentro da filosofia”, explica Janyne, que é reconhecida na academia por suas contribuições nos debates e nas diversas atividades que vem desenvolvendo nesta área desde 2016. Por priorizar uma reflexão crítica feminista em um campo historicamente mais fechado a abordagens heterodoxas, Janyne se destacou no cenário nacional: “Isso foi importante para que confiassem em mim nesse cargo”, avalia.


Eu realmente estava e estou nesse lugar histórico, envolvida com essas ações que ficaram conhecidas e estão transformando o campo da filosofia. E daí vem o questionamento: por que não temos filósofas no cânone?

Janyne Sattler,
presidente da ANPOF


Segundo Janyne, debates sobre gênero e raça vêm ganhando espaço na filosofia e já havia uma demanda para que a ANPOF trilhasse um caminho mais progressista, buscando maior inclusão e descentralização. Tradicionalmente, a associação era liderada por um grupo político bastante conservador e elitista, focado em uma única regionalidade, geralmente o Sudeste. “Era sempre o mesmo grupo assumindo a ANPOF. E durante certo tempo, inclusive, não havia sequer eleição, era uma coisa assim de indicação“, lembra a professora. Em 2016, entretanto, uma candidatura mais progressista foi eleita pela primeira vez, representando um ponto de virada na história da entidade. “A ANPOF passou então a atuar contra esse elitismo acadêmico, contra a manutenção de uma única regionalidade, e também a pensar nessas outras questões que têm a ver com gênero, com raça, com classe.”

Naquele mesmo ano foi criado o Grupo de Trabalho (GT) de Filosofia e Gênero, com a proposta de “preencher uma lacuna fundamental na história da filosofia: a produção de uma filosofia feminista no campo filosófico”. Janyne, que integra o grupo desde o começo, lembra que o GT foi um ponto de partida para uma transformação dentro da ANPOF. “Ali alguma coisa já estava ebulindo. Fui acompanhando esse movimento. Para mim é bastante pertinente o fato de que eu realmente estava e estou nesse lugar histórico, envolvida com essas ações que ficaram conhecidas e estão transformando o campo da filosofia. E daí vem o questionamento: por que não temos filósofas no cânone?”

Janyne cita o projeto “Quantas Filósofas?”, iniciado em 2014 pela pesquisadora Carolina Araújo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que levantou o número de filósofas no campo acadêmico no Brasil. “Essa ação mostrou a estarrecedora escassez de mulheres na pós-graduação em filosofia no Brasil, onde a área só perdia numericamente para a engenharia e aeronáutica em termos de presença masculina, sobretudo brancos.”

Durante o período em que estará à frente da ANPOF, Janyne pretende se voltar a esses desafios que considera prementes no campo filosófico, com ações que visam combater o racismo, o machismo, o sexismo, o classicismo, entre outras formas de preconceito. A ANPOF apoia o Protocolo de Enfrentamento da Violência de Gênero, publicado pela Rede Brasileira de Mulheres Filósofas. O documento tem por objetivo “recomendar práticas consistentes com um compromisso de correção de rumos nos cursos, departamentos e ambientes filosóficos no Brasil, para mitigar, dissuadir e interromper a reprodução da violência de gênero na comunidade de praticantes da filosofia acadêmica nacional”.

Trajetória acadêmica

As questões de gênero permeiam a carreira acadêmica de Janyne desde o início. Em 2012, ela foi a primeira professora mulher a ingressar no Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), onde atuava antes de vir para a UFSC. “O curso já tinha 60 anos e eu levei um susto: Como assim? Primeira mulher em 2012? O que isso significa? Era gritante que eu fosse a única, entre outros 19 professores homens. Aí eu tive que começar a pensar sobre isso, sobre coisas que até então não tinha pensado. Foi quando eu me dei conta da minha própria trajetória, das ausências na minha trajetória de pesquisa.”

Assim que se tornou professora na UFSM, Janyne passou a ser procurada por alunas que chegavam com denúncias de assédio e queixas sobre o comportamento de professores em sala de aula, frequentemente machistas. “Eu fazia essa escuta e tive então que mergulhar na filosofia feminista, sem escapatória.” Ficou então claro para ela o quanto os filósofos homens dominavam os estudos de filosofia. Ela não apenas não lia filósofas mulheres, como, entre seus professores, as mulheres eram sempre uma minoria. Em algumas áreas da filosofia, como a lógica e analítica, as mulheres são ainda em menor número – e, portanto, podem sofrer ainda mais preconceito.

Na UFSC, Janyne coordena o projeto de pesquisa e extensão Uma filósofa por mês, cujo objetivo é “trazer à visibilidade os nomes, as imagens e as obras de filósofas que não fazem parte do cotidiano do ensino e da pesquisa filosófica brasileira, no intuito de torná-las nossas conhecidas, mas também de possibilitar a continuidade dos seus estudos pelo público acadêmico em formação”. O projeto está inserido em um movimento internacional de revisão do cânone filosófico, que já vem divulgando e tornando acessível uma bibliografia feminista até então pouco estudada. Janyne também ministra a disciplina optativa “Filosofia e Questões de Gênero”, cuja ementa aborda “teorias feministas clássicas e contemporâneas, interseccionalidade, decolonialidade e o lugar das mulheres ao longo da história da filosofia”.

Mais informações no site da ANPOF, no Instagram ou pelos e-mails diretoria@anpof.org.br e comunicacao@anpof.org.br.

Daniela Caniçali | daniela.canicali@ufsc.br
Jornalista da Agecom | UFSC

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