Pesquisa da UFSC analisa influência de substâncias psicoativas em acidentes de trânsito com vítimas fatais

09/07/2021 10:00

Estima-se que no país 40 mil pessoas morram todos os anos em consequência de acidentes de trânsito. Esse dado divulgado em levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) coloca o Brasil como o quarto país mais violento no trânsito no mundo e alerta que o tema é uma questão emergente de saúde pública.

Com o objetivo de compreender um recorte dessa situação, a pesquisadora Ellen Marcelina Spillere Scheeren defendeu, em maio deste ano, a dissertação intitulada Influência de substâncias psicoativas no trânsito: prevalência em vítimas fatais na região sul de Santa Catarina. O trabalho, cuja temática é pioneira no estado, foi desenvolvido no Mestrado Profissional em Farmacologia (PPGFMC) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com a orientação da professora Alcíbia Helena de Azevedo Maia, do Departamento de Patologia do Centro de Ciências da Saúde (CCS).

Resultados do trabalho apontam necessidade de revisão da legislação brasileira. Foto: Clark Van Der Beken/Unsplash

A pesquisadora, que também é servidora pública do Instituto Geral de Perícias de Santa Catarina (IGP/SC), firmou uma parceria com a instituição e analisou registros policiais e laudos toxicológicos das vítimas fatais de acidentes de trânsito que foram atendidas pelo Instituto Médico Legal do IGP da cidade de Tubarão, entre os anos 2015 e 2018. A análise identificou 219 vítimas fatais, sendo que 60% delas haviam utilizado pelo menos uma substância psicoativa. No que diz respeito às substâncias detectadas, aquelas que aparecem com mais frequência são: álcool (45%); fármacos para aliviar a ansiedade e insônia, como benzodiazepínicos (12%); cocaína (9%); maconha (7%); e outros (6%) – este último grupo inclui analgésicos opioides, fármacos antidepressivos e anfetaminas.

Em um quarto dos casos foi identificado o uso de álcool associado a outra substância psicoativa. Esses resultados geram preocupação e sinalizam a expressividade da combinação de tais substâncias: “Mais da metade das vítimas haviam consumido alguma substância psicoativa e, dentre estas, 41% havia consumido medicamento para a ansiedade (benzodiazepínicos), 30% havia consumido cocaína, 25% maconha e 5% analgésicos opioides”, explica a pesquisadora. 

Os psicoativos são substâncias químicas presentes em drogas lícitas e ilícitas e que têm como foco de ação o sistema nervoso central. Seu consumo causa alterações no funcionamento do cérebro e reflete em mudanças temporárias no humor, comportamento e percepção. 

A pesquisa desenvolvida pela mestranda da UFSC traça o perfil predominante dos acidentes com vítimas fatais: a maior parte ocorre aos finais de semana, no período noturno; 85% das vítimas são do sexo masculino, 69% condutores de motocicleta, automóvel ou caminhão; e a maioria tem entre 25 e 40 anos. Outro dado relevante do estudo foi que 52,6% das vítimas que deram positivo para cocaína haviam consumido a substância na forma de crack (fumada). “Pode ser um indício da popularização do crack entre parcelas mais favorecidas da sociedade e não apenas moradores de rua ou em condições mais economicamente precárias”, aponta Ellen.

Os resultados do trabalho apontam a necessidade de revisão da legislação de trânsito brasileira, de forma a favorecer testes de fiscalização para as demais substâncias psicoativas, além do álcool: “A pesquisa é uma forma de incentivo para estudos futuros e subsídio para implementação de tecnologias utilizadas na detecção de substâncias psicoativas no trânsito”, avalia a pesquisadora. Ellen explica que essas tecnologias estão em fase de desenvolvimento no Brasil e podem ser uma forma de reduzir acidentes fatais, a exemplo do que já ocorre em países como Alemanha, Austrália e Nova Zelândia.

Por se tratar de um tema com expressivo interesse social, parte do estudo consistiu no desenvolvimento de um infográfico por meio de aplicativo para a divulgação dos resultados com o intuito de conscientizar os condutores e profissionais sobre o impacto no número de vítimas fatais no trânsito em decorrência do consumo de substâncias psicoativas: “Junto a essa divulgação, deve-se lembrar da importância preventiva das campanhas de conscientização para acidentes de trânsito, que recebem pouca atenção e investimento”, finalizou.

Klay Silva/Estagiária de Jornalismo na Agecom/UFSC

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