Hospital Universitário da UFSC desenvolve sorvete para pacientes em quimioterapia
O sorvete certo pode, sim, ser um aliado. Uma pesquisa realizada no Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (HU/UFSC) desenvolveu um sorvete capaz de agir como complemento alimentar e anestesiante sensorial em pacientes em quimioterapia. A pesquisa foi realizada por meio do programa de Pós-Graduação de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde (RIMS) do HU, que teve à frente a residente Paloma Mannes, e foi coordenada pela professora Francilene Kunradi Vieira, do Departamento de Nutrição da UFSC. O estudo teve continuação, conduzida por Aline Valmorbida, que integra o mesmo programa e procura avaliar a aceitação do produto como sobremesa.
O sorvete
Técnicas com fins terapêuticos utilizando as baixas temperaturas já são testadas e experimentadas desde o século 2.500 a.C., quando os egípcios utilizavam substâncias geladas como método analgésico e anti-inflamatório, e os gregos e romanos aplicavam neve ou gelo em variados tratamentos médicos. Essas técnicas recebem o nome de crioterapia, que deriva do grego Krios em junção com o termo Terapia, significando tratamento com frio. A crioterapia é o alicerce da pesquisa realizada no HU, já que, segundo Francilene Kunradi, “os principais desejos alimentares dos pacientes com câncer em quimioterapia são alimentos gelados e ácidos, e frutas”. Além disso, a professora explica que o gelo favorece a salivação e reduz os efeitos colaterais provocados pela quimioterapia na boca, amenizando feridas, aftas, mucosite e a sensação de boca seca.
Francilene explica que, além do efeito sensorial de anestesiar a mucosa bucal, o sorvete também atua como um complemento alimentar. “O sorvete é fonte de proteína, fonte de fibra, tem baixo conteúdo de gordura e é isento de lactose”, enumera. A fórmula contém açúcar orgânico, polidextrose, que é uma fibra solúvel, e utiliza, no lugar da proteína do creme de leite e da gordura vegetal hidrogenada de produtos convencionais, whey protein isolado e azeite de oliva desodorizado, que é uma variação que não fornece o sabor do ingrediente. Atualmente, o sorvete é oferecido como sobremesa exclusivamente aos pacientes de oncohematologia, nos sabores chocolate, morango, limão e abacaxi com gengibre. A recomendação é de que os pacientes consumam de 2 a 3 potes ao longo do dia.
A corporação responsável pela fabricação do alimento é a catarinense YPY Sorvetes Premium. A professora conta que a parceria se deu pela organização já ter uma linha de produtos saudáveis. “A gente foi em busca de uma empresa que realmente abraçasse a causa”, diz, explicando a dificuldade de encontrar indústrias que tenham essa motivação. Por hora, o sorvete pode ser comprado apenas nos sabores chocolate, morango e limão, e diretamente da fábrica, que fica localizada no Km 6 da Rodovia SC 401. Mais informações sobre os produtos podem ser consultadas no site, ou pelo número (48) 4104-1003.
Além de todos os benefícios nutricionais que foram pensados pelos pesquisadores, o sorvete proporciona algo a mais. Francilene Kunradi destaca que a pesquisa promove a humanização da atenção nutricional, já que torna possível que a dietoterapia seja feita com alimento e não com medicação. Além disso, enfatizando que a intenção do produto não é competir com os medicamentos tradicionais, ela ressalta como o sorvete é uma ferramenta de integração do paciente com seu meio familiar. “Toda a família pode tomar o sorvete, o paciente não precisa estar sozinho tomando seu suplemento enquanto a família toma sorvete”, diz.
Um tratamento mais leve
Reviravoltas podem acontecer a qualquer momento na vida de qualquer pessoa. Na vida de Carolina Martins, essa reviravolta aconteceu quando ela e o marido se preparavam para morar nos Estados Unidos. Com demissão pedida e visto tirado para passar um ano fora, a contadora e administradora de empresas descobriu um linfoma. Ela conta que os sintomas apareceram com emagrecimento e tosse. “Eu achei que era emocional, ansiedade e nervosismo por eu estar passando por essa transição”, relata, narrando sua trajetória de exames até, enfim, descobrir que a doença não se tratava mais da gastrite que ela costumava ter.
Carolina Martins está em tratamento há seis meses, e encerra seu último ciclo de quimioterapia neste mês. Desde o início, ela recebe o sorvete como sobremesa. Por conta da forte medicação, a paciente relata que sente a parte interna de seu corpo muito fragilizada, principalmente a região da boca. “Às vezes, você não quer mais se alimentar porque é um alimento que acaba te machucando”, comenta, expressando como a alimentação pode acabar se tornando um fardo. É por isso que, para ela, o sorvete é sua cereja do bolo. “É uma combinação que eu nem imaginava”, conta, sorrindo.
Em suas redes sociais, como o Instagram, ela comenta sobre seu tratamento e até mesmo sobre o sorvete. “Eu gosto de passar essa mensagem de que o tratamento pode ser mais leve, pode ser mais fácil”, diz. Nesse sentido, Carolina Martins entende que as pesquisas desenvolvidas no HU que têm como objetivo contribuir com o bem-estar dos pacientes são muito importantes.
Fase de testes
O sorvete é o primeiro item a ser produzido na linha de pesquisa que propõe desenvolver e avaliar a aceitação sensorial de preparações culinárias para pacientes com câncer. “Depois que fechamos a quantidade de proteína, de gordura, o próprio sabor e a concentração de determinados ingredientes, a empresa produziu os sorvetes e fizemos a análise sensorial”, explica Francilene Kunradi. Para a pesquisa de aceitação sensorial, foram organizados dois grupos. O primeiro grupo foi composto por 30 pacientes com câncer e em tratamento quimioterápico, e o segundo, por 108 funcionários saudáveis do HU aleatoriamente selecionados. Aos participantes era oferecida uma amostra dos quatro sabores de sorvete por vez, de forma aleatória, e entre uma amostra e outra, eles recebiam miolo de pão ou biscoito água e sal com um copo de água, para neutralizar o sabor e não afetar a avaliação da amostra oferecida em seguida.
Os participantes deveriam avaliar os produtos de acordo com uma escala de um a sete pontos, que, em ordem crescente, significava desgostei muito e gostei muito, sendo o número quatro uma posição neutra, que o participante poderia assinalar quando não tinha gostado e nem desgostado. “Para que o produto fosse aceito, a gente precisaria que a média de aceitação dos dois grupos fosse acima de cinco”, destaca a professora. Ainda, 75% dos participantes deveriam classificar as amostras com notas notas mais altas que cinco para que o produto fosse considerado aprovado por suas propriedades sensoriais e pudesse ser comercializado. O teste de análise sensorial foi bem sucedido, obtendo uma média de aceitação variou de 77% a 98%.
Nova pesquisa
Francilene Kunradi conta que está em andamento uma pesquisa que desenvolverá preparações culinárias a partir da polpa de juçara, semelhante a de açaí. A professora explica que a polpa costuma ser consumida em forma líquida e em tigela, e que, por variados motivos, é restrita a um público pequeno. “Pelo fato da polpa de juçara ser rica em oxidantes e ter efeito anticarcinogênico, vamos desenvolver preparações para aproximar esse produto da população”, diz. A pesquisa também será voltada aos pacientes em tratamento quimioterápico.
Maria Clara Flores / Estagiária de Jornalismo da Agecom / UFSC