UFSC Explica: Amamentação

03/08/2016 16:30

AMAMENTAÇÃO1_facebookA partir do momento que sabe que está grávida, a mãe faz planos sobre como receberá seu bebê. Muitas expressam o desejo de amamentar, e buscam orientações. Conversamos com Evanguelia Kotzias Atherino dos Santos, professora do Departamento de Enfermagem sobre o panorama da amamentação no Brasil e no mundo, os principais mitos da amamentação e dicas gerais. Confira.

Comparado a outros países, como estão os números referentes à amamentação no Brasil e no mundo?

Apesar de mundialmente reconhecido e consagrado, o valor do aleitamento materno permanece aquém das recomendações da OMS, e a amamentação exclusiva está longe de ser universal. Tal afirmação pode ser constatada em artigo recentemente publicado acerca dos padrões atuais e tendências da amamentação no mundo, com informações completas de 127 dos 139 países de baixa e média rendas, e de 37 dos 75 países de alta renda. Em termos globais, o estudo mostra que países de alta renda possuem menor duração da amamentação quando comparados com países de baixa e média rendas, embora, nestes últimos, apenas 37% das crianças menores de 6 meses são amamentadas exclusivamente. Na maior parte dos países de alta renda, a prevalência está abaixo de 37%.

No Brasil, as taxas de aleitamento materno exclusivo estavam em ascensão até 2008, época do último inquérito de âmbito nacional disponível; porém, seguindo as tendências mundiais, continuam bem aquém do recomendado pela OMS, que é de 180 dias. A prevalência de amamentação exclusiva em menores de 6 meses foi 41%, segundo a II Pesquisa Nacional de Prevalência de Aleitamento Materno nas Capitais Brasileiras e Distrito Federal realizada em 2008. Segundo parâmetros da OMS, esse valor indica que a situação desse indicador é apenas razoável; bom seria indicador com valores entre 50% e 89%, e muito bom com valores a partir de 90%.

A duração mediana de aleitamento materno exclusivo aumentou de 23 dias em 1999 para 54 dias em 2008, com uma variação de 0,7 dia em Cuiabá a 89 dias em Belém. As regiões Centro-Oeste e Norte são as que possuem a maior duração de amamentação exclusiva (medianas de 67 e 66 dias, respectivamente), seguidas das regiões Sul (59 dias) e Sudeste (55 dias). A duração mediana de aleitamento materno exclusivo na região Nordeste (35 dias apenas, a menor do País) é quase a metade da das regiões com os melhores indicadores.

Verificou-se maior frequência de amamentação exclusiva em crianças do sexo feminino e tendência crescente da prevalência dessa prática com o aumento da escolaridade materna. Em relação à idade materna, a maior frequência de aleitamento materno exclusivo foi identificada entre as mulheres de 20 a 35 anos e entre as mulheres que gozavam de licença-maternidade no momento da pesquisa.

Pelos avanços que vêm alcançando e pela forma com que vem implementando suas políticas e programas, levando em consideração os três níveis do modelo conceitual – individual, cenários e estrutural, de forma simultânea, o Brasil é reconhecido como exemplo de país em relação aos avanços do aleitamento materno no cenário mundial.

O que você, como estudiosa da área, pesquisadora, baseado em sua experiência pessoal, diria a uma mãe de primeira viagem? Qual seu conselho para uma grávida que está prestes a ser mãe sobre a amamentação?

Bem, eu a orientaria ressaltando que mais importante que preparar a mama, a mãe precisa ser preparada psicologicamente, emocionalmente e cognitivamente para essa prática. Do ponto de vista emocional, é importante dirimir suas dúvidas, trabalhar seus medos e fortalecer sua autoconfiança para amamentar. Do ponto de vista cognitivo, faz-se necessário instrumentalizar a mulher durante o pré-natal sobre importância e vantagens da amamentação, malefícios do uso da chupeta e mamadeira, manejo adequado da lactação abordando e demonstrando como fazer a pega e a posição corretas, como ordenhar a mama, como prevenir, traumas mamilares e ingurgitamento mamário.

Michaela Ponzoni Accorsi, técnica-administrativa em Educação da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis amamenta a filha Nina. (Foto: Henrique Almeida/Agecom/UFSC)

Michaela Ponzoni Accorsi, técnica-administrativa em Educação da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis amamenta a filha Nina. (Foto: Henrique Almeida/Agecom/UFSC)

O uso da chupeta, mamadeira, ou bico de silicone realmente podem confundir o bebê e gerar prejuízos ao sucesso da amamentação? 

Sim, uso de bicos artificiais confunde os bebês, prejudicando a boa pega da região mamilo-areolar. Após sugar o bico artificial, o bebê poderá ter dificuldade para colocar o tecido da mama em sua boca e sugar. O bebê poderá preferir o bico artificial e recusar o peito. Além da confusão de bicos, o seu uso aumenta as chances de infecção na boca e no intestino, podendo causar diarreia devido às bactérias que podem estar acumuladas no bico ou chupeta mal lavados. O bico também afeta o delicado equilíbrio entre a produção e a transferência do leite; favorece a ocorrência de ingurgitamento mamário (mama empedrada), devido ao não esvaziamento das mamas; contribui para o desmame precoce, devido à má sucção que provocam nos bebês, diminuindo por vezes, a produção do leite; causa problemas fonoauditivos (fala e audição); deforma a arcada dentária e os músculos da face do bebê; bloqueia o mecanismo natural da criança em manifestar sinais tais como: fome, dor, desconforto, frio, calor, entre outros; interfere na fisiologia da lactação, determinando menor tempo de estimulação da região mamilo-areolar e, consequentemente, menor produção de prolactina.

Qual a solução para as mães que querem reestabelecer a amamentação e estão com as mamas machucadas, ou o bebê rejeita o seio porque acostumou com a mamadeira?

A solução dependerá da força de vontade da mãe em restabelecer a amamentação e do apoio dos familiares e profissionais que a acompanham. Há necessidade de reeducar/estimular a mãe e o bebê, persistindo no oferecimento do peito e abolindo o uso da mamadeira. Com persistência, apoio e orientação adequada, a mãe poderá obter sucesso no restabelecimento da amamentação. Ela poderá contar com a ajuda de serviços com profissionais capacitados para o manejo adequado da lactação, presentes nos Bancos de Leite Humano, Centrais de Informações sobre Aleitamento Materno, maternidades e unidades básicas de saúde. Quanto as mamas machucadas, deverá ser avaliado a pega, a posição e/ou outros fatores causais relacionados.

Cristiane Renata da Silva, bibliotecária formada na UFSC, amamenta a filha Alice, de 9 meses. (Foto: Pipo Quint/Agecom/UFSC)

Cristiane Renata da Silva, bibliotecária formada na UFSC, amamenta a filha Alice, de 9 meses. (Foto: Pipo Quint/Agecom/UFSC)

A recomendação é amamentar de forma exclusiva durante os seis primeiros meses de vida da criança, depois fazer a introdução alimentar. E quem resolve continuar amamentando, existe algum benefício para a saúde da criança? Mesmo a criança que “come bem”?

Discussões acerca da determinação da duração ótima do aleitamento materno exclusivo e o momento adequado para a introdução segura e apropriada de alimentos complementares são temas que têm suscitado controvérsias e que mantêm as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) sob contínuas revisões. Graças aos extraordinários avanços científicos, o debate sobre essa temática, especialmente nas últimas 4 décadas, ensejou avanços significativos no que se refere às recomendações sobre a duração do aleitamento materno.

A OMS, de 1979 até 2000, recomendava aleitamento materno exclusivo por 4 a 6 meses. A partir de 2001, passou a recomendar a amamentação exclusiva por 6 meses com base em evidências científicas sobre os benefícios da amamentação exclusiva até essa idade. A introdução dos alimentos complementares antes dos 6 meses (salvo em alguns casos individuais), não só não oferece vantagens como pode ser prejudicial à saúde da criança. Uma revisão sistemática publicada em 2002 e atualizada em 2012 avaliou os efeitos na saúde, crescimento e desenvolvimento de crianças amamentadas exclusivamente até os 6 meses comparadas a crianças que receberam leite materno exclusivo até os 3-4 meses, época em que foi introduzida a alimentação complementar. Essa revisão incluiu 23 estudos (ensaios clínicos controlados e estudos observacionais), sendo 11 de países em desenvolvimento (dois ensaios clínicos em Honduras) e 12 de países desenvolvidos (todos observacionais). Como conclusões, destacam-se: (1) as crianças que mamaram exclusivamente até os 6 meses apresentaram risco de morbidade por infecção gastrointestinal e infecção respiratória significativamente menor, além de não apresentarem risco maior de déficits de crescimento (peso ou comprimento), tanto em países desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento; (2) para as mães que amamentaram exclusivamente por 6 meses houve maior rapidez na perda de peso acumulado durante a gravidez e prolongamento do período de amenorreia pós-parto.

Já está bem documentado que a suplementação do leite materno com água e/ou chás nos primeiros 6 meses é desnecessária, mesmo em locais secos e quentes. Mesmo ingerindo pouco colostro nos primeiros 2-3 dias de vida, recém-nascidos sadios não necessitam de mais líquidos além do leite materno, pois nascem com níveis de hidratação tecidual relativamente altos.

E quem resolve continuar amamentando, existe algum benefício para a saúde da criança? Mesmo a criança que “come bem”?

Sim, existem evidências comprovando o valor do leite humano após os seis meses, pois além de manter o vínculo entre a mãe e o bebê, o leite produzido contém vitaminas, sais minerais nutrientes e proteínas. Continua a contribuir para a proteção e prevenção de infecções.

Foto: Pipo Quint/Agecom/UFSC

Renata Fontanella Sander, ex-aluna da UFSC, grávida de oito meses, amamenta Maria Clara, de 1 ano e 2 meses. (Foto: Pipo Quint/Agecom/UFSC)

A gestante pode continuar amamentando o(a) filho(a) mais velho(a)? E quando o bebê nasce, como fica a amamentação de dois? O colostro desce mesmo se a amamentação estiver acontecendo? 

A nutriz quando gestante, deverá observar os sinais de contração uterina, provocados pela ação da ocitocina. Esse hormônio poderá desencadear o trabalho de parto prematuro. Em relação ao colostro, graças as transformações hormonais que ocorrem após o parto no organismo materno, haverá a produção do colostro com suas propriedades preservadas.

Nutrição do Leite Materno: Existe leite fraco? O complemento alimentar com leite de vaca ou leite artificial ajuda o bebê a dormir mais à noite?

Não existe leite fraco, e isto está sobejamente descrito na literatura. Qualquer complemento alimentar antes dos seis primeiros meses, prejudica a amamentação. Alimentar a criança com leite de vaca ou artificial em substituição ao leite materno, pode ser prejudicial.

 

 

Evanguelia Kotzias Atherino dos Santos

Consultora Internacional em Amamentação (IBLCE)
Membro da Rede IBFAN Brasil
Professora Titular do Departamento de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem do Centro de Ciências da Saúde
Universidade Federal de Santa Catarina

 

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Mayra Cajueiro Warren
Jornalista da Agecom/UFSC
(48) 3721-9601
mayra.cajueiro@ufsc.br

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