Livro da EdUFSC aponta fatores culturais para masculinização do campo

14/07/2014 18:02

O_mundo_rural_no_horizonte_dos_jovens Não são apenas causas  econômicas que provocam a fuga da juventude do campo. São determinantes questões relacionadas à realização pessoal “destes moços e moças”, sobretudo o acesso à educação, à cultura e ao lazer. Ao não receberem remuneração, até porque não são os donos da terra, também ficam impedidos de investir e recriar valores. O diagnóstico é resultado de pesquisa científica de Valmir Luiz Stropasolas.

O pesquisador, que também enfatiza a masculinização da atividade rural, é engenheiro agrônomo, mestre em Sociologia Rural e doutor em Ciências Humanas. Stropasolas atua desde 1984 em instituições do setor público agrícola. Foi, por exemplo, responsável, junto à Epagri, pela parte de capacitação do Projeto Microbacias II, desenvolvido com recursos do Banco Mundial (BIRD). Uma bolsa na França permitiu, por exemplo, realizar estudos comparativos da realidade europeia com a situação catarinense e brasileira. A pesquisa foi publicada no livro O mundo rural no horizonte dos jovens pela Editora da Universidade Federal de Santa Catarina (EdUFSC).

Deixando de lado estereótipos e lugares comuns que costumam aparecer em pesquisas sobre êxodo rural, a pesquisa revela os vieses de gênero e geração expressos no movimento migratório de jovens e a tendência de envelhecimento e masculinização da população rural, problemáticas que vêm marcando o processo de reprodução da agricultura familiar nas regiões coloniais do Sul do Brasil, e especialmente no Oeste de SC.

As pesquisas e reflexões sobre a temática  contribuem para a formulação de políticas públicas com vistas à inclusão social da juventude rural. A investigação científica, em síntese, mostra as redefinições sociais e culturais em curso no mundo rural na perspectiva dos jovens, colocando em relevo as representações e práticas diversas e conflituosas dos filhos e filhas de agricultores familiares no que tange à reprodução social (trabalho, família, casamento, lazer etc). Dá, enfim, visibilidade às mazelas estruturais externas e internas ao mundo rural, ressaltando, entre outros aspectos, as hierarquias de poder e as desigualdades entre homens e mulheres na agricultura familiar, fatores considerados essenciais para compreensão do movimento migratório de jovens para os centros urbanos.

Segundo constata Stropasolas, o acesso à renda e à remuneração “adequada” do trabalho agrícola familiar é restrito a uma pequena parcela de famílias. Significa que “ainda existe um enorme contingente da agricultura familiar que permanece à margem das políticas e projetos vigentes, seja porque não se enquadra nos padrões dominantes, seja porque se depara com enormes dificuldades para acessar os recursos disponibilizados pelas instituições”.

O movimento migratório é resultante das inúmeras, contínuas e pequenas iniciativas que objetivam  a construção de uma identidade social. “O fato de os jovens migrantes buscarem mudanças que questionam valores nucleares da agricultura familiar redefine mas não anula o papel do ambiente cultural rural no processo de socialização e no comportamento futuro desta juventude”, sublinha o cientista.

O levantamento possibilita entender os significados expressos nas representações, expectativas e práticas dos filhos e filhas de agricultores familiares. Ao dar vez e voz aos jovens, o professor  explicita as complexas mudanças em curso, abrindo portas para inserção dos diversos segmentos da juventude rural à sociedade.

Ao apresentar O mundo rural no horizonte dos jovens, a professora Maria de Nazareth Baudel Wanderley, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisadora do CNPq, sublinha o caráter universal da investigação. “A análise ultrapassa de longe o simples interesse local, tornando-se uma referência para a compreensão das particularidades da vivência dos jovens rurais”.

A socióloga Maria Ignez S. Paulillo, professora titular da UFSC e autora de obras de referência na área, lembra que as mulheres são as mais tolhidas, sendo raramente contempladas com herança de terra. Por isso, ocorre hoje, tanto no Brasil como na Europa, a masculinização do campo. “O significado do casamento tem um nítido recorte de gênero que Valmir explora com sensibilidade e competência”, salienta no prefácio.

À luz da noção de rural como um “encontro de construções sociais em conflito”, o pesquisador considera que “foi possível desvendar a visão dos ‘esquecidos’ no espaço rural”, os “outros” na agricultura familiar, particularmente jovens e mulheres.

O trabalho acadêmico demonstra ainda que o retorno ao campo das jovens é pouco provável, “exceto quando valorizadas com uma profissão alcançada na cidade”. Já os rapazes revelam maior interesse na volta por não se acostumarem com a cidade. Voltariam, no entanto, com a ideia de conquistar a independência gerencial e financeira em relação aos pais. Esta representação não é compartilhada pelas jovens que projetam o seu horizonte profissional e pessoal para além das porteiras de uma propriedade agrícola, reforçando a tendência de masculinização da atividade rural.

Para compreender o fenômeno, sobretudo no Oeste catarinense,  recomenda-se  assistir o documentário Celibato no campo, com direção, roteiro e montagem de Cassemiro Vitorino e Ilka Goldschmidt, da Unoeste. Segundo a Margot Produções, o filme “aborda as razões da masculinização do campo” e a consequente diminuição do número de casamentos e o envelhecimento no meio rural. O documentário foi viabilizado com  recursos do Funcultural. Ilka é formada em Jornalismo pela UFSC.

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Moacir Loth /Jornalista da Agecom /UFSC

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