Pesquisas desvendam mecanismos da infecção generalizada

As investigações dão continuidade às pesquisas de doutorado do professor Fernando Spiller, sobre respostas à inflamação.
Estudos desenvolvidos no Laboratório de Imunobiologia, associado aos departamentos de Farmacologia e de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da UFSC, colaboram com o entendimento dos mecanismos da sepse. Conhecida popularmente como “infecção generalizada”, essa é uma das principais causas de morte nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs).
Na sepse, definida entre os especialistas como resposta inflamatória sistêmica contra uma infecção, o organismo gera uma reação contra o microorganismo patogênico (na maioria dos casos bactérias), na tentativa de eliminar a infecção. Essa ação pode ser desregulada e exacerbada, levando a danos contra os próprios tecidos do paciente.
Os mecanismos que levam a esse fenômeno não estão totalmente compreendidos, mas diversos trabalhos já revelaram que a redução ou “falência” da migração de neutrófilos (primeiros leucócitos recrutados ao foco infeccioso) é determinante para a alta taxa de mortalidade dos pacientes.
Os estudos na UFSC dão continuidade às pesquisas de doutorado do professor Fernando Spiller, sobre respostas à inflamação. A tese desenvolvida junto ao Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, na USP, demonstrou que as proteínas de fase aguda hemopexina e alfa-1-glicoproteína ácida inibem a migração de neutrófilos para o foco da infecção durante a sepse.
“Os resultados sugerem que conter a atividade da hemopexina nas primeiras horas da sepse pode aumentar a migração de neutrófilos para o foco infeccioso e, como consequência, aumentar a taxa de sobrevida”, salienta Spiller.
Segundo trabalho publicado em um periódico científico internacional por Spiller e colaboradores em 2011, camundongos deficientes para hemopexina submetidos à sepse grave não deixaram de enviar neutrófilos para o foco infeccioso. Esses animais tiveram menos inflamação sistêmica e um aumento na taxa de sobrevida, comparado com camundongos selvagens. “O estudo mostra pela primeira vez o papel deletério da hemopexina durante a sepse”, ressalta o pesquisador.
Spiller demonstrou ainda que outra proteína de fase aguda, a alfa-1-glicoproteína ácida, interfere nos mecanismos que levam ao desenvolvimento da sepse. Seus testes revelaram que altos níveis dessa molécula durante a diabetes mellitus contribuem para inibir a migração dos neutrófilos durante um processo infeccioso –favorecendo o desenvolvimento de sepse durante uma infecção e ao aumento das taxas de mortalidade.
“Nossos resultados reforçam as linhas de evidências que demonstram um papel antiinflamatório das proteínas de fase aguda”, complementa Spiller.
Segundo ele, a expectativa é produzir conhecimento que possa colaborar com novas terapias para tratamento da infecção generalizada, uma doença ainda sem cura. As pesquisas podem também trazer benefícios no controle da infecção em outras doenças como a diabetes mellitus, câncer, AIDS e alcoolismo. Na diabetes, levantamentos indicam que 20% das causas morte são devido à sepse.
Os estudos resultaram na publicação de um artigo no American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine e outro no Diabetes, dois periódicos científicos Qualis A1, os mais reconhecidos no meio científico.
Mais informações: (48) 3721-5203 / fernando.spiller@ufsc.br
Arley Reis / Jornalista da Agecom
arleyreis@gmail.com
Fotos: Henrique Almeida / Agecom
henrique.almeida@ufsc.br
Saiba Mais:
Proteínas
São as estruturas, sob o foco da química, de maior complexidade e mais sofisticadas funcionalmente que se conhece. O corpo humano produz cerca de 100.000 proteínas, com cada uma tendo algumas centenas de aminoácidos de comprimento.
Causa de morte
Apesar dos grandes avanços na compreensão da fisiopatologia e do surgimento de novas intervenções terapêuticas, a incidência da sepse vem crescendo cada vez mais. Dados de 2001 mostraram que nos Estados Unidos é a segunda principal causa de morte entre pacientes em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) e a décima causa geral de morte.
Epidemiologia
Em 2001 foi publicado um dos mais abrangentes estudos epidemiológicos de sepse nos Estados Unidos. De acordo com este estudo, entre o período de 1979 e 2001 ocorreram mais de 10 milhões de casos de sepse, sendo mais comum entre homens do que em mulheres.
No Brasil
Estudo epidemiológico multicêntrico denominado BASES (Brazilian Sepsis Epidemiological Study) revelou que a incidência de sepse é de 57 para cada 1000 pacientes-dia admitidos nas UTIs. Além disso, o índice de mortalidade é de cerca de 34,7%, podendo chegar a 52,2% no caso de pacientes que evoluem para choque séptico, uma das principais complicações observadas nessa patologia.
Marginalização de leucócitos
Sob condições normais, os leucócitos (glóbulos brancos que fazem parte do sistema de defesa do organismo) são mantidos no centro dos vasos sanguíneos, onde o fluxo é mais rápido. No entanto, nos locais de inflamação, onde os vasos estão dilatados, o fluxo circulatório mais lento permite que os leucócitos se movam do centro dos vasos para a periferia, evento conhecido como marginalização.
– Os neutrófilos (um dos tipos de leucócitos) são células extremamente bem equipadas para eliminar microorganismos. Uma vez no foco infeccioso, são capazes de engolfar os patógenos por meio de um processo denominado fagocitose, resultando na formação de vesículas citoplasmáticas denominadas de fagossomas.
– Além disso, os neutrófilos liberam mediadores inflamatórios, como citocinas e eicosanóides. Esses mediadores são de grande importância para a defesa do organismo, pois promovem ativação celular, recrutamento de mais leucócitos para o local da infecção e indução da atividade microbicida.
História
– As manifestações clínicas da sepse são conhecidas desde a época de Hipócrates (460–377 a.C.), que introduziu o termo “feridas em putrefação”.
– O Persiano Ibn Sina (980-1037) observou que geralmente a septicemia era acompanhada de febre.
– Entretanto, foi somente no século XVIII que Louis Paster ligou o consumo de substâncias orgânicas à presença e crescimento de bactérias e microorganismos.
– Ainda no século XVIII, Ignaz Semmelweis observou uma significativa redução na mortalidade de mulheres após o parto pela simples ação de higienizar as mãos dos médicos.
– Em 1914, Hugo Schottmuller foi o primeiro a descrever a presença de bactérias como um componente fundamental para sepse.
– Décadas depois, as ideias de Lewis Thomas levaram a uma mudança de direção no entendimento da sepse por popularizar a teoria de que “é a resposta do hospedeiro que leva a doença”. Esta teoria resultou em um grande número de estudos experimentais e clínicos, os quais mudaram o foco das pesquisas em sepse do agente infeccioso para a resposta do hospedeiro.
– Em 1991 o conceito de sepse foi definido por Roger Bone e colaboradores como a síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS) durante uma infecção
Fonte: Tese ´Papel da hemopexina na patogênese da sepse e da alfa-1 glicoproteína ácida na susceptibilidade de camundongos diabéticos a sepse`
Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo (USP)
Autor: Fernando Spiller
Orientador: Fernando de Queiroz Cunha
- As investigações dão continuidade às pesquisas de doutorado do professor Fernando Spiller, sobre respostas à inflamação.