Aula Magna incentiva a quebra de paradigmas e defende a universidade como espaço de transformação

16/03/2016 20:52
Foto: Henrique Almeida/Agecom/DGC/UFSC

Foto: Henrique Almeida/Agecom/DGC/UFSC

“Eu sou uma afronta para muitos colegas de trabalho. Sou uma afronta para muitos professores, reitores, pró-reitores. Também sou uma afronta para muitos discentes. Mas eu resisto, eu insisto, eu estou presente para ser o que quero ser.” Esse foi o tom que marcou todo o discurso da professora Luma Nogueira de Andrade, do Instituto de Humanidades e Letras (IHL) da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), na aula magna do primeiro semestre letivo de 2016. Luma é a primeira travesti a conquistar o título de doutora e a ocupar o cargo de professora de uma universidade pública e federal no país.

A partir do tema “Moral, código (i)moral e (i)moralidade dos costumes: a relação entre sujeitos e normas em épocas e lugares diferentes”, Luma iniciou sua aula explicando que se identifica e se autodenomina como travesti por uma questão política: “Por que eu não posso me afirmar enquanto travesti? Enquanto transexual? O que fizeram com nossas travestis ao longo da história?” A professora argumentou que a sociedade, em diferentes épocas, excluiu as travestis de suas instituições, lares, escolas. Justamente por isso é preciso criar linhas de fuga, inventar outras possibilidades, “fissuras nas normas”: “Estou aqui para dizer que é possível, sim, para uma travesti, ser doutora, ser professora universitária”.

Luma relatou os desafios que enfrenta como docente da Unilab, uma instituição de ensino que se propõe a ser plural, com o duplo desafio da internacionalização e da interiorização. “Lá existe uma grande resistência à diversidade sexual. É uma cultura muito fechada. Mas acredito que é possível uma transformação. A universidade deve ser um lugar de quebra de paradigmas.” Tendo como principal referência a obra “História da Sexualidade”, de Michel Foucault, a professora expôs a evolução do conceito de moral e moralidade desde a Antiguidade, passando pela Idade Média, até os dias atuais. Segundo ela, a cultura condiciona nossa visão de mundo e interfere, inclusive, no plano biológico, quando institui um modelo idealizado de homem e mulher. “Se hoje somos racistas, sexistas, é porque fomos adestrados a compreender o mundo nessa perspectiva. Mas é preciso estar aberto para as diferenças.”

Outra questão que abordou foi o fato de vivermos o tempo todo rodeados de códigos e regras: “Buscamos nesses códigos o que parece natural. O que é belo? O que a sociedade define como belo? Temos que perceber que o mundo não nasceu a partir do momento em que abrimos os olhos. Achamos que tudo é natural, mas tudo são regras e normas. O tempo todo nos é imposta uma forma de ser.” A professora incentivou a reflexão e a desconstrução desses paradigmas, chamando a atenção do público para o fato de que, mesmo entre aqueles considerados “imorais”, existem normas e códigos: “No campo da diversidade há, muitas vezes, a reprodução de uma heteronormatividade. Não devemos reproduzir a mesma forma de pensar que tanto criticamos.”

A aula magna ocorreu no auditório Garapuvu, do Centro de Cultura e Eventos, na noite de terça-feira (15). Estiveram presentes a reitora Roselane Neckel, a vice-reitora Lúcia Helena Martins-Pacheco, e a pró-reitora de pós-graduação Joana Maria Pedro, que presidiu a mesa.

Foto: Henrique Almeida/Agecom/DGC/UFSC

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Público

Minutos antes da aula começar, a caloura do curso de História, Thayná Costa, 22 anos, a aguardava com grandes expectativas: “Achei incrível uma travesti ser convidada para recepcionar os calouros. A universidade, principalmente a universidade pública, deve se posicionar contra as discriminações e dar o exemplo. Não sou trans, sou cis, mas quero aprender com a professora sobre respeitar o diferente e não reproduzir opressões.”

Quando Luma encerrou seu discurso, o público a aplaudiu de pé, demonstrando grande contentamento com o que acabara de ouvir. Dandara Manoela Santos, 23 anos, aluna da 5ª fase do Serviço Social, disse estar muito satisfeita: “Achei fantástico. Foi uma experiência bem positiva. Eu já tinha ouvido falar bem dela, mas ela me surpreendeu, foi além do que eu tinha imaginado. O que mais me chamou a atenção foi quando disse que a gente tende a reproduzir os mesmos comportamentos que criticamos.”

A estudante da 3ª fase de Ciências Sociais, Delza da Hora Souza, 20 anos, ressaltou a importância da presença de Luma na UFSC: “É um marco histórico para a universidade ter como convidada para uma aula magna uma professora travesti. Mais do que nunca, precisamos discutir as questões de gênero. A professora mostrou que as coisas nem sempre foram assim. É preciso sempre se reinventar, criar novas possibilidades. Se a homossexualidade ainda não é vista com bons olhos, podemos transformar essa realidade. Enquanto travesti, a professora deixa uma inspiração admirável para todas as mulheres.”

Foto: Henrique Almeida/Agecom/DGC/UFSC

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Manifestações

Antes de iniciar a aula, integrantes do Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades (NIGS) e do Instituto de Estudos de Gênero (IEG) entraram no auditório portando cartazes com mensagens como “Mulheres na luta para mudar a universidade”; “Lugar de mulher é onde ela quiser”; “A violência contra a mulher não pode ter voz”. A manifestação foi breve e silenciosa. Em seguida, cerca de 30 estudantes, que se autodenominavam como um grupo independente, entraram no auditório proferindo gritos de protesto. Uma das principais reivindicações foi em relação à moradia estudantil. Nos cartazes, as mensagens: “Permanência e moradia”; “Resistir para permanecer”; “Não basta acessar, é preciso permanecer”. Estudantes indígenas também manifestaram insatisfação com as condições de permanência e indignação com comportamentos racistas dentro do campus.

Daniela Caniçali/Jornalista da Agecom/DGC/UFSC

daniela.canicali@ufsc.br

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