Professora analisa influência de Dante Alighieri sobre a cultura ocidental

13/06/2012 14:23
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O evento discute a produção literária atual a partir do entrecruzamento entre as esferas artística e política e da contaminação da narrativa por outros discursos, como os da crítica, da história e da filosofia

Estudiosa do legado de Dante Alighieri, a professora Silvana de Gaspari fez uma análise da influência da obra-prima do autor italiano, “A divina comédia”, na cultura e no pensamento do mundo ocidental durante a terceira mesa redonda do congresso internacional Fluxos Literários: Ética e Estética, que termina hoje (13) à tarde no auditório do Centro de Comunicação e Expressão da UFSC, em Florianópolis. O evento, realizado pelo programa de pós-graduação em Literatura do Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras, se propõe a discutir a produção literária atual a partir do entrecruzamento entre as esferas artística e política e da contaminação da narrativa por outros discursos, como os da crítica, da história e da filosofia.

 

Mestre em literatura italiana pela Universidade de São Paulo (USP) e há 20 anos lecionando na Universidade Federal de Santa Catarina, Silvana de Gaspari afirmou que, entre outros fatores, a sobrevivência da obra clássica de Dante deve-se às escolhas linguísticas que fez, à narrativa apocalíptica que permeia a trama da “Divina comédia” e à riqueza das citações de filósofos e pensadores que precederam o autor florentino. “Ele fez da literatura um meio de expressão das angústias e anseios do homem, se tornando um poeta que hoje, sete séculos depois, é considerado experimental e de vanguarda por especialistas como Haroldo de Campos, por exemplo”, disse a professora.

 

No seu clássico, Dante se metamorfoseia nos papéis de autor, narrador e personagem, relendo as tradições e construindo uma iconografia do Juízo Final que marcou sucessivas gerações de escritores que vieram depois dele. “Ele juntou dois mundos, o antigo e medieval, e fez do mito da viagem a busca de uma condição humana perdida em algum momento do passado”, analisa a professora. Em seu itinerário, atravessa o inferno, o purgatório e o paraíso, demonstrando uma grande bagagem cultural e a capacidade de “ler as necessidades de mudanças em seu tempo”. Sua atualidade, segundo a palestrante, também tem relação com a capacidade de colocar o homem no centro de tudo, usando os costumes do povo e o italiano vulgar como matérias-primas de sua obra.

 

Obra de Lobato – Na palestra que abriu a programação da manhã, o professor Marcos Natali, da USP, abordou a suposta presença do racismo na obra de Monteiro Lobato, motivo de uma polêmica gerada em 2010 pela solicitação, pelo professor Antonio Gomes da Costa, de Brasília, de retirada do livro “Caçadas de Pedrinho” da lista das obras distribuídas pelo Ministério da Educação (MEC) às escolas. Citando críticos e intelectuais que se manifestaram sobre o tema, ele disse que esse tipo de comportamento demonstra “desconfiança sobre a capacidade dos leitores” e sempre traz de volta o fantasma da censura, contra a qual todos se rebelam. Natali também questionou a crença no caráter “branco” da escravatura brasileira, que vigorou no país por longo tempo.

 

A programação da manhã terminou com Rogério de Souza Confortin, pós-doutorando em Educação e integrante do Grupo Onetti/UFSC, falando “Da paradoxologia em Maurice Blanchot e Samuel Beckett. Esgotar o possível como estética e ética literária”. A agenda do congresso Fluxos Literários: Ética e Estética termina à tarde com duas mesas redondas, que terão as presenças dos palestrantes Cláudio Maiz (Universidad Nacional de Cuyo, Argentina), Fabio Pierangeli (Universidade di Roma, Itália), Prisca Agustoni (UFRJ), Jorge Wolff e Liliana Reales (ambos da UFSC).

 

Por Paulo Clóvis Schmitz/ Jornalista na Agecom
Foto: Wagner Behr/Agecom

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Palestra sobre novos caminhos da literatura abre congresso Fluxos Literários

12/06/2012 20:59

Professores Wander Miranda, Patrícia Peterle e Raúl Antelo na mesa de abertura do congresso Fluxos Literários, que acontece nos dias 12 e 13 de junho

Com a palestra do professor Wander Melo Miranda, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que analisou a obra do escritor mexicano Mario Bellatin, teve início nesta terça-feira, 12 de junho, o congresso internacional Fluxos Literários: ética e estética. O evento reuniu mais de cem professores, pesquisadores e estudantes no Auditório Henrique Fontes, no Centro de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina (CCE/UFSC), que tiveram a oportunidade de ouvir e debater também com o professor Raúl Antelo, que falou sobre fluxos e movimentos da literatura a partir do questionamento “É isto ainda a Europa?”.

Wander Miranda começou sua fala alertando que seu estudo ainda está em fase de gestação. Sua análise é a de que o texto de Bellatin tem uma lógica do mundo virtual, ao utilizar trechos de entrevistas publicadas na internet dentro de seus romances e ao retomar situações narrativas de outras obras do próprio autor. “O que ele faz é decompor a estrutura de um corpo morto de texto para transformá-lo em outro texto. Essa mimetização está em harmonia com o cenário comunicacional de trocas. Estou fazendo um mapa para conseguir localizar as narrativas”, afirma o professor Wander. Para ele, o texto passa da propriedade privada simbólica do escritor para transformar-se em uma plataforma pública de discussão.

”É como se Bellatin se embrenhasse dentro da obra para ficar fora da obra. Há uma cena emblemática de um de seus romances em que a personagem está no parapeito da janela de um casarão em ruínas, olhando de fora para fora”. A obra de Bellatin apresenta novas proposições até para o objeto livro, que pode ser interpretado como uma instalação. A editora brasileira Cosac Naify, que publicou o livro Flores, descreve o projeto gráfico como radical: sem capa, com a orelha despregada do miolo, o livro envolto num saco plástico.

Para ele, a obra de Bellatin é perturbadora, pois não há antes e depois, fora ou dentro. É ao mesmo tempo atraente e repugnante, o que revela possibilidades na literatura, pois foge do esquematismo e apresenta a ideia do todo como um horizonte utópico. Portador da síndrome de talidomida, Bellatin nasceu sem o braço direito. Sua obra é marcada por personagens com corpos mutilados, amputados, sangues contaminados.  “Quando você lê a obra dele, você vê que existe uma outra proposição de literatura que interrompe esse fluxo mundializado. É possível estudar a literatura muito mais pela voz do que estão pensando as artes visuais do que quem está pensando a literatura. Críticos de arte colocam questões estéticas e poéticas que a literatura ainda está aquém”, afirma o professor.

O fluxo

Intitulada “The flow: é isso ainda a Europa?”, a outra palestra da manhã foi ministrada pelo professor Raúl Antelo (UFSC), que tomou como ponto de partida o artigo do crítico literário italiano Alberto Asor Rosa, “Se questo è ancora un romanzo” (“É isto ainda um romance?”). Nele Asor Rosa debate o que é o romance, uma vez que a narrativa está presente em todos os lugares, seja na publicidade, nas histórias em quadrinhos, no discurso político. Conforme aumenta o fluxo do comércio literário, a literatura passa a fazer parte da categoria de economia.

Antelo desenvolveu sua narrativa citando Guy Debord, Primo Levi, Gunther Grass, Michel Foucault, Pier Paolo Pasolini, entre outros pensadores, para tratar do conceito de humano e do conceito de sem forma na literatura. “O sistema literário, quando comparado ao sistema econômico, é uma rua de mão única dos fluxos literários, em que uma literatura hegemônica pode exterminar as outras literaturas”, afirma Antelo.

Ele citou Foucault e sua ideia de que a literatura é essencialmente marginal, que questiona e que nunca será tomada como um discurso. “Até o século XIX escrever romance era querer edificar, construir. A partir daí a literatura passou por uma constante desinstitucionalização, pela transformação em palavra anárquica, sem instituição, que mina todos os outros discursos”, afirma Antelo. Para ele, a literatura sempre esteve fascinada pela loucura, seja imitando a loucura ou por tornando-se louca. Questionado sobre como pensar o alegórico hoje, Antelo afirmou que a alegoria estabelece limites entre o familiar e o estranho. “A mim interessa levar o texto à loucura, e não corroborar com os limites, pois isso seria estancar o fluxo.”, concluiu.

O Congresso Internacional Fluxos Literários: ética e estética é realizado pela Pós-Graduação em Literatura e pelo Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), UFSC e CCE. O evento é gratuito e continua até 13 de junho no Centro de Comunicação e Expressão da UFSC.

Mais informações:

http://fluxosliterarios.blogspot.com.br/

 

Por Laura Tuyama, jornalista na Agecom. Fotos: Wagner Behr.

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