Cientista da UFSC pretende interromper ciclo de transmissão da dengue inibindo a adaptação do mosquito ao vírus

19/04/2022 15:26

Um dos instrumentos da pesquisa, utilizado para alimentar os mosquitos criados em laboratório (Fotos: Amanda Miranda/Agecom)

Uma técnica para inibir mecanismos de adaptação ao stress do Aedes aegypti pode ser um importante passo para a prevenção ou até mesmo o tratamento da dengue, doença que aumentou 55% no Brasil desde o início de 2022. Um estudo realizado na Universidade Federal de Santa Catarina e coordenado pelo professor José Henrique Oliveira, do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia, pode chegar a resultados inéditos na compreensão do comportamento dos mosquitos que, ao contrário dos seres humanos, mesmo com alta carga viral não adoecem. O projeto é financiado pelo Instituto Serrapilheira.

“Entender porque os mosquitos sustentam a replicação do vírus, mas não passam por nenhum problema de saúde associado a isso é uma pergunta biológica, uma falta de conhecimento nosso que podemos explorar para impedir a propagação de dengue. Para isso, a gente investiga de que forma a gente pode pensar em inibir esses processos celulares que fazem o mosquito não adoecer”, contextualiza o professor.

Avaliar a tolerância do mosquito no nível celular, estudando suas proteínas e mecanismos relacionados à adaptação ao stress poderia gerar resultados capazes de combater os mosquitos, mas também produtos que podem inibir o contágio da doença em humanos. Essas são duas possíveis futuras aplicações de um trabalho que investe na ciência básica para entender aspectos fundamentais para que passos a mais possam ser dados.

“Então, se medirmos a tolerância do mosquito, com a possibilidade de fazermos com que fique doente, ele não irá propagar a doença – ou seja, bloqueamos a transmissão”, aponta o professor, que publicou, em 2020, um artigo que questionava Como os vetores de arbovírus são capazes de tolerar a infecção?.

O material circulou no periódico Developmental & Comparative Immunology com uma revisão sobre os mecanismos de tolerância a doenças em mosquitos, destacando também o papel emergente da microbiota intestinal na imunidade do mosquito e na tolerância a doenças. O trabalho de laboratório, agora, faz investigações experimentais para tentar atingir proteínas que possam colaborar com o processo de adaptação do Aedes aegypti ao stress.

O professor explica que os mosquitos são seres complexos e muito bem adaptados, o que faz com que resistam a situações que muitas vezes organismos maiores não seriam capazes de resistir – como é o caso da infecção pelo vírus da dengue, por exemplo. É essa adaptação que poderia ser atacada pela ciência.

“Hoje a gente não tem fórmula eficiente de antagonizar a dengue e isso é um grande problema, pois hoje a nossa melhor estratégia é o combate ao mosquito”, explica o professor, reforçando que, no caso dos inseticidas, por exemplo, essa estratégia pode gerar problemas ambientais e também insetos resistentes.

Células devem dar as respostas

O professor explica que a ciência desconhece os motivos pelos quais as células do mosquito permitem que ele conviva com o vírus e não morra “Então, essa é a pergunta – é uma pergunta de biologia celular, é uma pergunta de bioquímica, uma pergunta de adaptação ao estresse”, pontua.

Para compreender a questão, o professor e sua equipe trabalham com mosquitos criados em laboratório para serem super suscetíveis à dengue, com o genoma totalmente sequenciado. O vírus também não é o que circula no ambiente, mas um de laboratório, injetado em soro. Esse sistema in vivo permite que o experimento seja mais bem controlado, o que é relevante para que se chegue a conclusões mais seguras.

Mosquitos são mantidos em temperatura controlada

A hipótese da pesquisa é a de que são alguns genes bem específicos que promovem a tolerância do mosquito à dengue, ou seja, sua adaptação ao stress ocasionado pelo vírus nas células. “A nossa variável principal é a remoção genética desse gene. Então, se tem um gene X e ele é um gene que ajuda o mosquito a conviver com o vírus, ele pode ser removido experimentalmente por um procedimento relativamente simples genético”, contextualiza.

Vários dos genes preditos ou identificados por um processo de biologia de computacional mostraram serem modulados pela infecção viral. “A gente fez um método para medir tolerância e talvez esse seja o nosso diferencial”, diz Oliveira. A pesquisa identificou um conjunto de alvos moleculares, que estão prestes a serem inibidos por um mecanismo chamado RNAi, o RNA de interferência, utilizado durante o processo de infecção do mosquito realizado no laboratório.

Parte desse processo ocorre manualmente, com o material genético sendo injetado em cada um dos mosquitos. O estudo utiliza também um grupo de controle, de insetos infectados com os genes não silenciados. O professor investiga proteínas HIF e NRF2, fatores de transcrição e resposta ao estresse celular. Essas proteínas têm um domínio de interação com o DNA, funcionando como uma espécie de sensores.

“Então, quando a célula tem um estresse é essa proteína que sai da onde ela está, no citoplasma, migra para o núcleo e interage com DNA, que irá fazer as proteínas de adaptação ao estresse”, explica. “Essas adaptações são realizadas pelos fatores de transcrição e o HIF e o NRF 2 são dois deles, por isso esses são são importantes alvos dentro do que a gente está fazendo”.

Amanda Miranda/Jornalista da Agecom/UFSC

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