De reator para o lixo a aplicativo contra a dengue: UFSC tem 791 pedidos de registro de invenções
Quando decidiu relacionar seu interesse pela área espacial ao desenvolvimento de novas tecnologias para a indústria, a professora Marcia Barbosa Henrique Mantelli, do Departamento de Engenharia Mecânica, passou a ser uma assídua registradora de patentes – inovações conduzidas por equipes de pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) que permitem o seu direito ao invento e à propriedade. No ano passado, com a parceria de um egresso e agora professor no Chile, viu um reator de tratamento de lixo chegar longe, literalmente, mais especificamente na região do Atacama, área desértica do país vizinho.
Essa ideia é uma das que a UFSC tem, hoje, entre os 791 ativos depositados como parte da sua gestão de propriedade intelectual – nome técnico que abriga os pedidos de patente e de outros tipos de registros, como desenhos e softwares. Destes, a instituição é titular em mais de 60% e co-titular em outros 40%, com parcerias com empresas nacionais, multinacionais, além de outras instituições. Há, nessa relação, patentes de invenção, programas de computador, desenhos industriais, modelos de utilidade, cultivares e um certificado de adição, o que protege aperfeiçoamento ou desenvolvimento no objeto da invenção.
Reator de pirólise para tratamento por lote de resíduos urbanos é o nome técnico do ativo depositado junto à Departamento de Inovação (Sinova) da UFSC, em parceria com a Universidade de Tarapacá e com o professor da instituição que se doutorou pela UFSC em 2019, Luis Cisterna.
A professora conta que foi Luis quem trouxe um problema de pesquisa típico da região onde vivia: a falta de produtividade do solo, por ser uma região muito seca. “O solo é muito ruim para plantação, mas existem pessoas morando no deserto. Então eles precisam ter técnicas de cultivo de solo para melhorá-lo e para conseguir cultivar alguma coisa”, conta.
Os chamados tubos de calor, produto tecnológico da pesquisa espacial que rapidamente passaram a ser explorados em diferentes áreas da indústria, possibilitaram, então, que se projetasse uma nova tecnologia: um reator capaz de transformar o lixo em adubo e em água – dois produtos essenciais à agricultura. Márcia é fundadora dos Laboratório de Tubos de Calor (Labtucal/Lepten) e tem centenas de publicações e outras patentes na área.
“Diferente do que ocorre no Brasil, naquela região do deserto eles não têm abundância de material orgânico para uso no solo. Então qual seria uma das fontes de energia que eles poderiam usar ou fonte de matéria-prima para fertilizantes? Era o lixo de lá, já que eles têm uma cidade grande. Então a ideia veio do uso da secagem desse lixo para a produção de fertilizante”, lembra.
Segundo a professora, a proposta seria semelhante a de uma composteira – técnica utilizada para aproveitar resíduos orgânicos na fertilização -, mas com uma capacidade em nível industrial, ou seja, em uma escala muito maior. Ela explica que para fazer essa secagem é necessário um processo de temperatura e umidade controlada. “E aí entra a nossa tecnologia do tubo de calor. O que fizemos foi um sistema no qual o lixo da cidade passa pela secagem e se transforma em adubo. Esse adubo é usado na plantação. Temos sifões do nosso laboratório da pesquisa, já que os primeiros tubos foram feitos aqui, inclusive ensaiados por alunos de iniciação científica que tínhamos em comum”, conta.
A pirólise, que dá nome à técnica implantada em escala piloto mas já prestes a ter sua produção aumentada, é, conforme Márcia, o aquecimento controlado de matéria orgânica por meio do uso destes termosifões desenvolvidos na UFSC, que permitem que haja um controle, por exemplo, da queima de gás. “Ele é acionado com gás natural ou com algum combustível que possibilita que essa secagem ocorra de uma maneira bastante eficiente, resolvendo um problema”, sintetiza.
Xô dengue: estudantes da graduação também são inventores
Além de professores e pesquisadores, estudantes da UFSC também podem ter seus ativos depositados. É o caso de Pedro Philippi Araujo, que foi bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) e registrou o aplicativo Xô Dengue junto da orientadora Christiane Gresse von Wangenheim.
A ferramenta é utilizada para a classificação de imagens de larvas de mosquitos usando Deep Learning – um método em Inteligência Artificial que ensina os computadores a processar dados de uma maneira inspirada no cérebro humano. Isto envolve o treinamento de uma rede neural profunda com um grande conjunto de dados de imagens rotuladas, onde cada imagem é associada a uma classe específica. Uma vez treinado, o algoritmo pode classificar novas imagens comparando seus recursos com os padrões aprendidos e gerando o rótulo de classe previsto. No caso do app desenvolvido por Pedro, 1900 imagens estão no conjunto de dados.
Pedro chegou a ser convidado pela Unesco para apresentar um projeto e a sua experiência de aprender Inteligência Artificial em um evento de Paris. O aplicativo também tem a assinatura do professor Carlos José de Carvalho Pinto, do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia. “O app pode ajudar no envolvimento do cidadão em ações de prevenção da dengue dando a qualquer interessado uma ferramenta para verificar a espécie de larvas de mosquito encontradas na sua residência”, resume a professora Christiane.
A professora comenta que a principal razão do registro de software é prevenir a venda por terceiros, pois o Xô Dengue, que deve ser lançado em março, será disponibilizado gratuitamente, assim como o seu código, desenvolvido com a plataforma educacional de programação App Inventor. Segundo ela, o objetivo do desenvolvimento do aplicativo foi ter um caso de exemplo de ferramenta útil no contexto dos cursos de computação da iniciativa Computação na Escola.
Pós-graduação potencializa inovações

Professores Gustavo Davi Rabelo e Ricardo Armini Caldas, do Departamento de Odontologia da UFSC, e Liliane Janete Grando, do Departamento de Patologia da UFSC. Foto: Divulgação/Agecom/UFSC
“Na área de Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia, a Sinova em 2023 zerou a fila de processos (de registro) em atraso. O tempo médio de resposta diminuiu de 14 dias corridos em 2021 para quatro dias corridos em 2023”, informa, em relatório, a Pró-Reitoria de Pesquisa (Propesq). Os dados de registros são compartilhados também no site da Sinova.
Outro registro realizado pela UFSC em 2023, com a parceria da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), é o Programa Smart Monitoring. O software monitora a evolução de lesões bucais utilizando fotografias clínicas associadas. “O software surgiu da necessidade da equipe do Núcleo de Odontologia Hospitalar do Hospital Universitário da UFSC em acompanhar o desenvolvimento de lesões bucais apresentadas pelos pacientes atendidos nos projetos de extensão desenvolvidos no núcleo, principalmente o Ambulatório de Estomatologia, que já acontece no hospital há 28 anos”, informa o texto divulgado pela Ebserh.
A utilização da ferramenta é recomendada em pesquisas acadêmicas e ensaios clínicos que tenham o objetivo de monitorar lesões e avaliar suas remissões ou progressões, pensando em aplicação, no futuro, na prática clínica.
O Smart Monitoring foi desenvolvido a partir de um trabalho de dissertação de mestrado da aluna do Programa de Pós-Graduação em Odontologia da UFSC Fabiane Smiderle, com orientação dos professores Gustavo Davi Rabelo e Liliane Janete Grando. A versão beta está disponível para download, de forma gratuita, por meio do preenchimento de formulário específico no site da ferramenta, que também conta com vídeos e tutoriais. Os dados sobre os ativos depositados pela UFSC estão disponíveis online, no site do Observatório da UFSC.
Amanda Miranda | amanda.souza.miranda@ufsc.br
Jornalista da Agecom| UFSC