Crianças brasileiras atingem puberdade e crescem mais cedo que americanas e europeias, indica estudo da UFSC

18/09/2025 11:21

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Um estudo realizado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) apontou que as crianças brasileiras tendem a entrar mais cedo na puberdade e experimentar de forma mais precoce os picos de crescimento pubertário em comparação a crianças do hemisfério Norte do globo.

O artigo, publicado em agosto no American Journal of Human Biology, sugere que as descobertas podem contribuir significativamente no acompanhamento do desenvolvimento infantil em áreas como o esporte, a educação e a pediatria.

A pesquisa analisou dados longitudinais de estatura de 398 crianças — 197 meninas e 201 meninos — com idades entre 6 e 19 anos do Colégio de Aplicação (CA) da UFSC, em Florianópolis, ao longo de 13 anos, entre 1997 e 2010, a fim de descrever as curvas de velocidade de crescimento durante a puberdade em jovens do Brasil.

Os dados foram recuperados por iniciativa de professores do Centro de Desportos (CDS) da UFSC, em colaboração com professores de Educação Física do CA, e já haviam sido utilizados para análises parciais, que resultaram em pelo menos uma dissertação de mestrado. Até o momento, contudo, um estudo mais aprofundado, considerando todos os dados disponíveis, não havia sido realizado.

A análise das informações recuperadas faz parte do doutorado em Educação Física de Luciano Galvão, que, sob orientação do professor Humberto Carvalho, buscou organizar dados longitudinais de crescimento infantil específicos do Brasil para compreender e interpretar seus impactos na formação física de atletas juvenis no país. A pesquisa também contou com a participação de Fábio Karasiak, Victor Conceição e Diego Augusto Santos Silva.

Conforme o estudo, a idade média para o início da puberdade (pubertal takeoff) em meninas foi de 8,41 anos e em meninos, 11,19 anos. Já a idade média em que as crianças atingiram o pico da velocidade de crescimento (APHV, Age at Peak Height Velocity), o popular “estirão”, foi aos 11,30 anos para as meninas e aos 13,55 anos para os meninos.

Os números indicam que a faixa etária em que as crianças brasileiras atingiram a APHV foi ligeiramente mais precoce do que as relatadas em estudos longitudinais clássicos do século XX, como nos estudos de Fels (Estados Unidos), Harpenden (Inglaterra) e Leuven (Bélgica), que tipicamente situavam a idade de pico entre 11,4 e 12,2 anos em meninas e entre 13,4 e 14,4 anos em meninos.

“Não existem dados e estudos longitudinais tão específicos e completos no Brasil. Sempre chamou a atenção essa ideia de conseguir conflitar os valores que encontramos com os valores que são bastante difundidos e trabalhados no hemisfério Norte, no caso, na Europa e na América do Norte. Nesse sentido, estamos fazendo esse trabalho, visando comparar e trazer dados brasileiros”, explica Luciano.

As descobertas da UFSC também se alinharam com o estudo de larga escala Avon Longitudinal Study of Parents and Children (ALSPAC), iniciado nos anos 1990, na Universidade de Bristol, na Inglaterra. Contemporâneo aos dados brasileiros, o ALSPAC estimou a idade de pico de crescimento em 11,7 anos para meninas e 13,5 anos para meninos.

De forma semelhante, os valores estimados de velocidade média durante o pico de crescimento (PHV) foram modestamente menores do que os de estudos históricos e do ALSPAC. De acordo com os pesquisadores, isso reforça a ideia da tendência secular do crescimento mais precoce durante a puberdade em crianças de todo o mundo, provavelmente influenciada por melhorias na nutrição, saúde e condições de vida.

Impactos práticos

Na prática, o estudo pode aprimorar o acompanhamento do crescimento infantil no dia a dia, gerando informações mais específicas sobre o perfil da população local. “Os pediatras fazem a interpretação sobre o desenvolvimento das crianças baseado nas referências, que estão nas cadernetas. Portanto, aquilo que nós podemos neste momento tentar contribuir é que haja mais uma informação que permita a quem faz essa interpretação ter um dado mais representativo no ambiente clínico”, explica o professor Humberto.

A pesquisa indica que a representatividade dos dados está diretamente relacionada à realidade do Colégio de Aplicação. Desde a década de 1980, a entrada de estudantes no CA é decidida por sorteio, o que cria uma amostragem aleatória, mais diversa étnica e socioeconomicamente, e valiosa do ponto de vista estatístico.

O professor argumenta que, apesar de não serem representativos de toda a população brasileira devido a dimensão continental e heterogeneidade demográfica do país, os dados coletados pelos pesquisadores da UFSC se mostram nacionalmente relevantes, se consideradas a escassez de estudos latinoamericanos comparáveis e as curvas de crescimento utilizadas como referência pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

“O Colégio de Aplicação apresenta um contexto único e potencialmente representativo, pelo menos da nossa região, considerando que a entrada no colégio é feita de forma aleatória. Se considerarmos que os dados que contribuem para as curvas da OMS são provenientes de estudos transversais dirigidos em Pelotas (RS), e a inexistência de dados além de um estudo longitudinal misto do Cariri (TO), ou uma análise com amostras limitadas de Ilhabela (SP), o potencial de interpretações clínicas e aplicadas em contextos como o esporte com os dados produzidos na UFSC é muito relevante”, afirma.

De acordo com os cientistas, as diferenças no tempo e ritmo do crescimento adolescente descritas pelo estudo contribuem para a criação de valores de referência para a população regional de Florianópolis e oferecem insights que podem apoiar futuras pesquisas sobre a influência da ancestralidade e fatores ambientais no crescimento.

“A ideia é que a gente, a partir disso, tenha realmente uma perspectiva de estimular novos estudos longitudinais, como esse do colégio. Tentar implementar talvez nas prefeituras da região. E, em nível de Brasil, que se volte a ter esse olhar e esse cuidado desde a infância”, complementa Luciano.

No contexto esportivo, os pesquisadores apontam que as diferenças nos ritmos de crescimento entre as crianças podem levar a interpretações equivocadas por parte dos treinadores. A busca de desempenhos físicos imediatos pode resultar em decisões desajustadas privilegiando um determinado atleta adolescente sobre outros.

Nesse sentido, a pesquisa contribui para a produção de um conhecimento específico sobre a população local, podendo orientar de forma mais assertiva médicos e educadores físicos no desenvolvimento das crianças. “A nossa ideia é que com esses dados a gente consiga ter uma curva de referência mais próxima da nossa realidade e entender também as questões dos marcos biológicos e das curvas de crescimento, o que pode ajudar os treinadores de atletas de diferentes esportes”, projeta Luciano.

O estudo ainda reforça que quanto mais precoce e intensa a taxa de crescimento nas crianças, mais curto esse período de crescimento tende a ser. Enquanto, aqueles que têm o crescimento mais tardio costumam passar por um período de crescimento mais longo, atingindo maiores estaturas. Ou seja, privilegiar atletas com crescimento precoce pode negligenciar o desenvolvimento físico tardio durante a juventude.

Os achados reforçam a importância de considerar o momento do amadurecimento das crianças no planejamento da educação física, no gerenciamento da carga de treinamento e na avaliação pediátrica do crescimento, afirmam os pesquisadores.

O professor Humberto ressalta que as análises realizadas hoje só foram possíveis pelo resgate do trabalho iniciado na década de 1990. “Nós termos esta capacidade de resgatarmos um trabalho que colegas do Centro de Desportos e do Colégio de Aplicação fizeram nos anos 1990 e no início deste século foi extremamente valioso. Nós fundamentalmente conseguimos resgatá-lo e colocá-lo na literatura”, diz.

Dados complementares

Nas crianças brasileiras, a velocidade média durante o pico de crescimento foi de 8,38 cm/ano nas meninas e, nos meninos, 9,52 cm/ano. Já a média geral de crescimento das crianças desde o início da puberdade esteve em 5,85 cm/ano para as meninas e 5,43 cm/ano para os meninos.

De forma geral, os dados demonstram que as meninas brasileiras entram em média 2,78 anos mais cedo na puberdade que os meninos, atingindo 2,25 anos mais precocemente o ápice do crescimento. Por outro lado, durante o estirão, os meninos crescem 1,14 cm/ano a mais que as meninas, apesar de mais tardiamente.

Comparações adicionais ainda indicam que, entre as meninas brasileiras com maturação precoce, a idade de início do crescimento (ATGV, Age at Takeoff Growth Velocity) e a APHV foram de 8,0 e 10,1 anos, respectivamente, ligeiramente mais cedo do que os 8,5-8,7 e 10,0-11,1 anos relatados no ALSPAC. 

Para as meninas com maturação tardia, a amostra da UFSC mostrou ATGV em 9,1 anos e APHV em 12,4 anos, enquanto o ALSPAC relatou faixas de 9,4 a 11,1 e de 12,7 a 15,2 anos, respectivamente. Conforme a pesquisa, as diferenças provavelmente refletem uma combinação de influências seculares, socioeconômicas e metodológicas entre os estudos.  

Em contraste, os meninos brasileiros exibiram estimativas de ATGV e APHV mais semelhantes às relatadas no ALSPAC, sugerindo que dinâmicas de desenvolvimento específicas do sexo também podem desempenhar um papel na variabilidade das pesquisas.

 

Vinícius Graton agecom@contato.ufsc.br
Estagiário da Agecom | UFSC

 

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