Exposição traz raridades e territórios Guarani, Kaingang e Laklãnõ-Xokleng para a UFSC
Uma casa de reza. Uma nascente de água. Uma barragem. Os símbolos de território para os povos Guarani, Kaingang e Laklãnõ-Xokleng em Santa Catarina contam a história do passado e do presente a partir de uma firme convicção de respeito à ancestralidade daqueles que ocupam o Estado há milênios. Esses três povos atuam como autores e também são parte da própria obra na exposição “TERRAS e ÁGUAS. História dos Territórios Guarani, Kaingang e Laklãnõ-Xokleng. Ontem, Hoje, Sempre”, recém aberta ao público no Museu de Arqueologia e Etnologia Professor Oswaldo Rodrigues Cabral – MArquE/UFSC.
A exposição é uma porta para a história, as tradições, as manifestações culturais e até mesmo as dores dos povos indígenas que têm territórios em Santa Catarina. Sua montagem começou há dois anos e envolveu o curso de Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica e a ação Saberes Indígenas na Escola, com coordenação do professor do Departamento de História Lucas de Melo Reis Bueno, todos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
“São 11 curadores indígenas destes três povos contando sobre o território. Cada um tem suas especificidades, mas a ideia é reforçar a ancestralidade dos territórios indígenas”, explica Bueno. Por isso, sob essa lógica, o território não é só uma demarcação, mas um olhar para o mundo, que começa logo nas escadas do MArquE, com sons de cânticos e da natureza dando as boas-vindas aos visitantes.

Peças de artesanato foram selecionadas pelos povos indígenas, curadores da exposição instalada no museu
Na entrada, um mapa do tamanho da parede dá a ideia da dimensão da região Sul a partir da distribuição das Terras Indígenas e sítios arqueológicos associados aos três povos, marcados por características e tradições bastante diferentes.
A semelhança, segundo explica o professor, estaria no chamado tronco Jê, origem das línguas dos Kaingang e Laklãnõ-Xokleng. As diferenças e particularidades dos povos, no entanto, começam a aparecer já no primeiro ambiente, com a exibição de depoimentos e imagens dos territórios – tudo captado exclusivamente para a exposição.
Com tomadas de imagens aéreas captadas com o uso de drones é possível visualizar ambientes preservados, com mínimas intervenções e a presença das florestas. Homens e mulheres dos três povos também compartilham suas histórias e dão vida à experiência.
Símbolo de território
A montagem dos espaços é horizontal e começa com um mergulho no território Guarani, que escolheu como símbolo a Opy, em tradução a Casa de Reza. Os visitantes da exposição podem ver exatamente como é o espaço em uma das aldeias guarani, inclusive com a cobertura de palha feita e trazida pelos indígenas. Os artefatos são originais, como o “petyngua”, o cachimbo que os conecta à divindade e à cura.
“O fogo é um dos elementos fundamentais da Casa de Reza, então trouxemos a fogueira holográfica para representar”, comenta o professor. Os artesanatos guaranis e outros artefatos de uso, como o arco e flecha, também fazem parte da exposição, que privilegia a amplitude, a densidade e a profundidade das relações que esses povos tecem com seus territórios. Os povos indígenas também celebram a terra e a estrutura que a sustenta.
“Yvyrupa também representa nossa luta. Durante séculos nosso território foi reduzido, fragmentado, cercado por fazendas, cidades e estradas. Ainda assim resistimos, porque sem terra não há futuro Guarani”, escreveram os indígenas em peça da exposição.
Os Kaingang escolheram a nascente como símbolo do seu território, elemento fundamental para os rituais de cura e para a produção de remédios. A cosmovisão que surge a partir da mitologia de Kamé e Kanhru também faz parte da exposição, já que a seleção dos objetos foi feita pelos indígenas e, conforme a sua organização, muitos desses artefatos e recursos fazem parte desta dualidade complementar, que sugerem o equilíbrio do mundo.
“Os Kaingang tinham vários lugares para ocupação, sem serem fechados. Hoje as terras estão diminuindo cada vez mais, estão recuando com a colonização, as estradas, ferrovias, fazendas, madeireiras, que impõem limites. Vão sendo feitos acordos para evitar a extinção do povo. As retomadas de territórios são retomadas das vidas, das nossas histórias. São retornos aos lugares onde os umbigos estão enterrados”, escreveram os curadores, no texto que compõe a exposição.
No caso dos Laklãnõ-Xokleng é uma intervenção de infraestrutura que remete o povo ao seu território: uma barragem de contenção de cheias construída na década de 1970 dentro do território indígena, a Barragem Norte, situada no município de José Boiteux. Esta obra teria a função de prevenir cheias no Vale do Itajaí, mas, quando fechada, inunda a região onde os Laklãnõ-Xokleng vivem.
“Um dos mais marcantes danos refere-se ao rio Hercílio, que deságua no rio Itajaí-açu. O rio Hercílio foi destruído. Nunca mais será recuperado. Assoreou. Estragou. Trouxe doenças. Era limpo e nele não há mais possibilidade de pesca, extremamente importante e apreciada, uma das características e práticas essenciais da cultura. O rio é indispensável e muito precioso para nosso povo indígena. A maior riqueza que havia”, registram, em texto que compõe a exposição.
Também faz parte da exposição o Kul Tõ Vã Ze, manto tradicional dos Laklãnõ-Xokleng, confeccionado artesanalmente por mulheres a partir da fibra da urtiga — planta que cresce nas florestas do Alto Vale do Itajaí. Muito utilizado pelos Laklãnõ-Xokleng no passado, o manto é símbolo de identidade e resistência. A peça exposta no MArquE é original e rara.
Arqueologia e Marco Ancestral
Peças arqueológicas escavadas em territórios historicamente ocupados por esses povos também fazem parte da exposição, que nos seus momentos finais traz a história para lembrar que o “marco é ancestral”, ou seja, que a ocupação das terras por parte dos povos remonta a milênios.
“Esses povos estão aqui há milênios, ocupando, construindo esses territórios há milhares de anos. Há vários elementos aí, tanto do registro arqueológico, quanto etnográfico que mostram essa continuidade temporal e um vínculo espiritual com esses lugares”, ressalta Bueno.
Dizer que o marco é ancestral, neste sentido, também seria uma forma de reforçar um posicionamento político quando a demarcação de territórios é alvo de ameaças. “A ideia é de que a terra, o território é composto por vários elementos que constituem o que é a identidade desses povos. A gente não está falando só de recurso em termos de água, de comida, a gente está falando de elementos que formam e nutrem a alma desses povos”.
A exposição, que foi montada com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), terá ainda um catálogo e um material educativo relacionado às terras indígenas do Sul do Brasil. O espaço fica acessível ao público por dois anos, com visitação gratuita que pode contar com guias. O horário de visitação é de terça a sexta, das 7h às 19h, com entrada até 18h30.
O MArquE acolhe grupos de todas as idades, tipologias e etapas da escolaridade. As visitas são gratuitas e devem ser agendadas. Ocorrem de terça a sexta nos períodos matutino e vespertino, e às quartas-feiras também no período noturno.
Para mais informações:
e-mail: visita.marque@contato.ufsc.br
Whatsapp: (48) 3721 6421 (apenas mensagens de texto)
Amanda Miranda| amanda.souza.miranda@ufsc.br
Jornalista da Agecom | UFSC