Dia mundial das abelhas: pesquisas da UFSC valorizam espécies nativas sem ferrão

20/05/2024 08:06

O dia 20 de maio foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Dia Mundial das Abelhas, uma data para destacar a importância da polinização para o desenvolvimento sustentável e produção de alimentos. Quase 90% das espécies de flores silvestres dependem dos polinizadores, assim como 75% das plantações de alimentos. A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), por meio de diversos projetos de pesquisa e extensão, programas de pós-graduação, laboratórios e iniciativas, participa dos esforços de preservar e tornar cada vez mais conhecidos esses importantes agentes de polinização.

 

Deus salve as abelhas

 

UFSC já catalogou mais de 300 espécies em Santa Catarina, indicando que abelhas nativas sem ferrão possam ser a chave para sustentabilidade ambiental

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Em 1977 era apresentado ao mundo um dos personagens mais icônicos dos desenhos infantis — o Ursinho Pooh, que sempre entrava nas mais inimagináveis confusões para saciar sua fome de mel. Quinze anos depois, em 1992, o Candyman era responsável por aterrorizar qualquer um que dissesse seu nome cinco vezes na frente de um espelho. Dezembro de 2007 marcou o clássico animado Bee Movie, no qual acompanhamos a abelha Barry se revoltar contra os humanos na tentativa de recuperar seu precioso mel. O que torna esses filmes e personagens comuns entre si é a presença caricata das abelhas — simpáticos insetos coloridos de listras pretas e amarelas, pequenas asas, temperamento forte e, é claro, o mel.

Bugias são abelhas nativas cada vez mais raras na natureza. (Foto: Letícia Schlemper de Souza Gonçalves)

Abelhas europeias, ou africanizadas, da espécie Apis mellifera, foram trazidas do continente europeu e introduzidas no Brasil no século XIX e desde então dominam a economia. Em 2021, houve recorde de produção, com 55,8 mil toneladas de mel, segundo dados divulgados pela Associação Brasileira de Estudos das Abelhas (A.B.E.L.H.A.). Essas abelhas não somente são usadas na produção de mel, como também na agricultura, para ajudar no processo de polinização dos campos. Dados fornecidos pelo Censo Agropecuário do IBGE e pelo Atlas da Apicultura no Brasil apontam que existem mais de 100 mil estabelecimentos que fazem uso da apicultura, distribuídos entre todos os 26 estados e Distrito Federal. Porém,  sendo uma espécie exótica no nosso país, essas abelhas competem com outros polinizadores nativos para produzir alimento. 

A biodiversidade desempenha um papel vital em nosso ecossistema, e as abelhas desempenham um papel especialmente significativo nesse equilíbrio. E assim como destaca o nome do single da banda catarinense Exclusive os Cabides, é de extrema importância a preservação desses polinizadores. Embora a situação atual das abelhas no país possa ser considerada estável, é crucial concentrar esforços de conservação em tipos específicos de abelhas. Surge a pergunta: ao clamarmos “Deus Salve as Abelhas”, qual subespécie ou variedade de abelhas merece uma atenção mais dedicada na busca pela preservação da biodiversidade?

Mas são mesmo sem ferrão?

As abelhas sem ferrão fazem parte de um grupo conhecido como melíponas e trigonas, e são as principais responsáveis pela polinização no país. Ao longo dos anos, pela popularização das abelhas africanizadas no cenário rural e também na mídia, as espécies de abelhas nativas deixaram de ter protagonismo, ao mesmo tempo que fomos perdendo contato com a biodiversidade brasileira dessas espécies.

Coleção de espécies de Melíponas mantida pelo Laboratório de Abelhas Nativas da UFSC (Foto: Letícia Schlemper/Agecom/UFSC)

Elas ganham esse nome de “abelhas sem ferrão” por terem atrofiado seus ferrões durante seu processo evolutivo. Mas não se deixe enganar, algumas espécies são muito territoriais e fazem de tudo para proteger seus ninhos, mesmo sem usar ferrões: podem, por exemplo, mordiscar seus invasores, voar ao redor de sua cabeça ou deixar uma pequena quantidade de resina ou substâncias irritantes em seus corpos. Ao todo, são mais de 400 espécies nativas que podem, ou não, ser sociáveis e viver em colônias. Em Florianópolis são encontradas mais de 20 espécies distintas de abelhas sem ferrão sociáveis.

A meliponicultura, nome referente a criação das abelhas sem ferrão, tem se destacado nos últimos anos devido a facilidade do manejo desses insetos e se tornando uma opção de atividade econômica em Santa Catarina. Entretanto, esta atividade não é recente e já era praticada por povos indígenas muito antes da chegada dos portugueses em terras brasileiras. Para os povos nativos, os produtos derivados da criação destas abelhas eram usados para alimentação, fins medicinais e até religiosos.

Condições favoráveis para criação das abelhas sem ferrão em Santa Catarina, como clima, vegetação, diversidade da flora, relevo e abundância de alimento, tornam o local um pico para que a meliponicultura possa prosperar. Em parceria com os criadores locais, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) exerce um trabalho essencial em Florianópolis e em outras regiões do estado, produzindo pesquisas sobre a criação e comercialização dos produtos gerados por estas abelhas, além de atuar em diferentes frentes da preservação da biodiversidade catarinense e contribuir com órgãos regulamentadores em prol do bem estar desses animais.


Universidade das Abelhas


Há mais de uma década a UFSC é referência nacional em pesquisas e proteção ambiental das espécies nativas de abelhas sem ferrão que ocorrem no estado de Santa Catarina. Os estudos realizados pelo corpo acadêmico e científico da Universidade têm contribuído significativamente para o avanço do conhecimento sobre esses importantes polinizadores e para a implementação de medidas de conservação e manejo sustentável de seus habitats. Além disso, a UFSC desempenha um papel fundamental na sensibilização da sociedade e na formação de profissionais capacitados para atuarem na preservação da biodiversidade e na promoção do desenvolvimento sustentável.

Sede da Cidade das Abelhas UFSC. (Foto: Matheus Alves/Agecom/UFSC)

Desde 2011, a Universidade é responsável pela gestão do Parque Ecológico Cidade das Abelhas, localizado no bairro do Saco Grande e que contém uma área de 20 hectares de mata preservada. O local é utilizado em projetos de pesquisa e extensão da UFSC relacionados ao manejo, proteção e biodiversidade das abelhas, além de atuar em parceria com apicultores e meliponicultores locais.

Atualmente, a Cidade das Abelhas, como o parque ecológico é conhecido, abriga a sede da Federação da Associação dos Apicultores e Meliponicultores de Santa Catarina (Faasc), tornando-se um ponto central para as atividades apícolas e meliponícolas no estado. Além disso, empresas startups, cujas origens estão vinculadas aos laboratórios do parque, operam nas áreas da biotecnologia e nanotecnologia.

Gradualmente, o espaço tem recebido um número crescente de visitantes externos. A equipe do projeto já oferece suporte a alunos dos cursos de Agronomia, Zootecnia e Ciências Biológicas da UFSC, bem como aos programas de pós-graduação em Biotecnologia, Biociências, Recursos Genéticos Vegetais, Agroecossistemas e Ciência dos Alimentos. Com agendamento prévio, o parque também recebe grupos de alunos do ensino básico para visitas educativas.

Além do parque ecológico, a UFSC também é responsável pelo Núcleo de Pesquisas Avançadas em Produtos da Colmeia (Nupac), o Núcleo de Estudos em Abelhas, Produtos Apícolas e Polinização (Neap) e o Laboratório de Abelhas Nativas (LanUFSC), responsável por catalogar as espécies de abelhas.

A professora Josefina Steiner, coordenadora do LanUFSC, conta que foram catalogadas mais de 300 espécies que ocorrem em Santa Catarina e algumas no Paraná. “Cada abelha vai ter a sua etiqueta de identificação informando onde ela foi coletada, a data e a pessoa que coletou”, relata, ao mostrar a impressionante coleção de abelhas que ficam à disposição para estudos e pesquisas.

Material lúdico sobre abelhas nativas sem ferrão usadas em exposições de educação ambiental feitas pelo Laboratório de Abelhas Nativas.

O ano 2000 marca o início das atividades do laboratório, no qual foram conduzidos diversos projetos de pesquisa científica no campo, abrangendo desde trabalhos de conclusão de curso até teses de doutorado. Orgulhosa do trabalho realizado, Josefina acrescenta que todo o material resultante dessas pesquisas é cuidadosamente armazenado e documentado, garantindo que as informações relevantes sejam registradas de forma precisa.

Além das atividades de pesquisa, o laboratório também se dedica à extensão, promovendo a divulgação científica e organizando o manejo das caixas utilizadas para abrigar as abelhas estudadas. Essa abordagem abrangente e sistemática tem contribuído para o avanço do conhecimento sobre as abelhas nativas e para a preservação desses importantes polinizadores.

O laboratório não se limita apenas a catalogar as espécies e realizar pesquisas internas, como também se empenha em divulgar seu trabalho para a comunidade. Isso inclui levar caixas de abelhas para apresentações em eventos como a Feira do Mel de Santa Catarina e escolas locais.

Josefina relata que desde o início do projeto, a ideia de divulgação foi rapidamente adotada, à medida que os resultados das pesquisas iam surgindo. Projetos educacionais foram desenvolvidos e bem recebidos, com grande aceitação por parte dos alunos e professores. O LanUFSC recebeu visitas de escolas, e tem participado da Semana de Pesquisa, Ensino e Extensão da UFSC (Sepex), mostrando o alcance diversificado das atividades de divulgação e o envolvimento contínuo da equipe.


Nascidas no Brasil


Bugia, Mandaçaia, Mirim-Saiqui ou Abelha Limão, Iraí, Jataí, Boca de Sapo, Lambe Olhos, Iratim e Tubuna são alguns dos nomes de abelhas nativas que podem ser encontradas em Santa Catarina. Muitas vezes esses nomes têm origens ligadas às características físicas, comportamentais ou ambientais das próprias abelhas ou das regiões onde são encontradas.

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Algumas espécies recebem nomes que descrevem suas características físicas distintivas, como tamanho, cor ou padrões de listras. Outras são nomeadas de acordo com seus hábitos comportamentais, como a forma como constroem seus ninhos ou se comportam dentro da colônia. Além disso, muitos nomes refletem as línguas indígenas locais ou são inspirados em elementos da natureza encontrados nas áreas onde as abelhas são encontradas, como nomes de árvores, flores ou características geográficas específicas. Essa diversidade de nomes reflete a rica história e o conhecimento tradicional das comunidades locais sobre as abelhas nativas sem ferrão e sua importância nos ecossistemas de Santa Catarina.

Assim como suas parentes Apis mellifera, as abelhas sem ferrão que vivem em colônias são adaptadas ao convívio social. As semelhanças não acabam por aí, já que também há uma estrutura social organizada que prevalece, com uma rainha e inúmeras operárias desempenhando uma variedade de funções, como limpeza, construção de células de criação, defesa e coleta de alimentos.

“Elas desenvolvem as funções conforme a idade, e isso vale para todas as espécies de abelha sem ferrão”, diz Willian Goldoni Costa, engenheiro agrônomo e coordenador técnico do Parque Ecológico Cidade das Abelhas da UFSC.

De acordo com ele, as abelhas começam sua jornada realizando tarefas internas, como a limpeza do ninho, cuidando da rainha e da prole. Após alguns dias, assumem o papel de guardiãs da colmeia e, por fim, saem em busca de alimentos, coletando pólen para a produção de própolis e barro para construções, conforme a espécie.

A rainha é o único membro reprodutivo, além dos machos, estes geralmente têm uma estadia breve na colônia e morrem após o ato sexual. Por serem capazes de se reproduzir, as rainhas podem ser facilmente identificadas dentro de uma colmeia, pois apresentam um abdômen bem desenvolvido, o que as torna maiores do que as demais abelhas.

Abelha rainha no favo. (Foto: Cristiano Menezes/Reprodução Embrapa)

A estrutura dos ninhos das abelhas sem ferrão difere significativamente daquela das abelhas europeias. As abelhas nativas têm uma arquitetura de ninho mais complexa e diversificada, com divisões internas feitas de cerúmen e resinas, que são usadas para armazenamento de alimentos, criação de prole e defesa contra predadores.

Esse estilo de construção adaptado às condições locais contribui para a diversidade ecológica e a resiliência das abelhas nativas sem ferrão em seus habitats naturais.

O ninho é composto por uma série de câmaras interligadas, cada uma com uma função distinta. Dentro dele, as abelhas constroem uma rede de células de favo, feitas de cera e outras substâncias, como resinas e materiais vegetais. Cada célula é cuidadosamente construída e destinada a uma finalidade específica dentro da colônia.

Diferente das suas parentes europeias, as abelhas sem ferrão guardam o mel, néctar e pólen em grandes potes ovais nas extremidades da colmeia, deixando no centro os discos com células de reprodução onde a rainha bota seus ovos.

Ninho de abelhas sem ferrão feito de cera e resina, evidenciando os discos de procriação no centro e os potes usados par aguardar mel e pólem nas extremidade. (Foto: Matheus Alves/Agecom/UFSC)

As câmaras dentro do ninho são organizadas em uma estrutura tridimensional, com diferentes níveis e compartimentos, proporcionando espaços para a prole, áreas de armazenamento e até mesmo sistemas de defesa contra predadores. Essa complexa estrutura interna dos ninhos de abelhas sem ferrão reflete a sofisticada organização social e as estratégias adaptativas desenvolvidas por esses insetos ao longo de milhões de anos de evolução.

As abelhas sem ferrão apresentam padrões de entrada distintos em seus ninhos, que desempenham um papel crucial na identificação e na defesa da colônia. As entradas podem ser feitas de materiais como cera, barro e resina, assim como no interior da colônia. As bugias, por exemplo, usam barro para construir a entradas das colmeias e fazem pequenas fendas no barro que servem como guias para elas acharem a entrada de suas casas novamente.

Cada espécie possui uma configuração específica de entrada que pode incluir diferentes tipos de aberturas, como fe  ndas estreitas, orifícios circulares ou até mesmo túneis curvos. “Mesmo dentro da mesma espécie, cada caixa tem um padrão diferente”, diz Willian.

Esses padrões de entrada são essenciais para que as abelhas reconheçam sua própria colônia em meio a outras próximas, permitindo-lhes encontrar o caminho de volta após a busca por alimento. Willian conta que durante seu primeiro voo para fora do ninho, as abelhas saem de costas para poder gravar a entrada dele e não se perder.

“Quando ela voltar, vai saber exatamente onde ir pelo desenho da entrada”, completa. Além disso, as abelhas sem ferrão usam essas características distintivas para identificar intrusos e proteger seu ninho de invasores em potencial, barrando o acesso de indivíduos não autorizados.


Pesquisas com Mel


O Laboratório de Química de Alimentos (LabQA) do Centro de Ciências Agrárias da UFSC destaca-se como um dos principais centros de pesquisa com mel de diversas espécies de abelhas. Segundo a coordenadora, professora Ana Carolina Costa, do Departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos, aproximadamente 95% das pesquisas desenvolvidas pelo laboratório são dedicadas aos produtos da colmeia. 

Jamila Louredo, estudante de pós-graduação em Ciências dos Alimentos trabalha com amostras no LabQA. (Foto: Maria Alice Emerim/LabQA/UFSC)

“Atualmente no laboratório há três tipos de méis sendo estudados: os méis de abelhas sem ferrão, o mel de melato da bracatinga e o mel de canudo-de-pito”, explica a professora Ana Carolina. Assim como foi possível contribuir para a conquista da indicação geográfica do mel de Melato da Bracatinga, o laboratório, pioneiro nas pesquisas relacionadas com este mel, busca, em parceria com a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), a mesma conquista para o mel de canudo-de-pito para o estado.

Os resultados da primeira pesquisa realizada no LabQA com méis de abelhas sem ferrão foram publicadas em 2014. Segundo o técnico de Laboratório do LabQA, Luciano Valdemiro Gonzaga, a partir dessa publicação, o Laboratório passou a receber mais amostras desse tipo de mel para análise e passou a apostar nas pesquisas relacionadas. Desde então, foram mais de 15 artigos publicados em revistas de alto impacto, resultado da formação de mestres, doutores e pós-doutores. 

“As parcerias com os meliponicultores foram sendo ampliadas, e mais amostras foram chegando”, acrescenta Ana Carolina. Por ser um mel com produção reduzida, as quantidades que o LabQA recebe do mel das abelhas nativas não costumam ser expressivas. Por isso, a pesquisadora destaca a importância da parceria com meliponicultores e com órgão de apoio ao setor, como a Epagri e FAASC [Federação das Associações de Apicultores e Meliponicultores de Santa Catarina].

Os resultados alcançados nos últimos dez anos, forneceram suporte científico para a elaboração de uma legislação estadual específica para a comercialização do mel de abelhas sem ferrão. A UFSC colaborou, por meio de estudos desenvolvidos no LabQA, com a portaria emitida pela Secretaria de Estado da Agricultura e Pecuária e publicada em novembro de 2020, que estabelece a identidade e os requisitos mínimos de qualidade para os méis de abelhas sem ferrão produzidos em Santa Catarina. Atualmente, conta a professora Ana Carolina, debates junto ao Ministério da Agricultura também avançam para que haja regulamentação nacional para estes méis.

“Como não há uma legislação nacional abrangente e dada a diversidade de espécies de abelhas sem ferrão (mais de 300), os Estados estão trabalhando em suas próprias regulamentações para esse tipo de mel”, explica. Além de Santa Catarina, outros sete estados da federação (Bahia, Amazonas, Paraná, São Paulo, Rio Grande do Norte, Pará e Espírito Santo)já têm suas próprias normas.

Parâmetros

Meliponário do Parque Ecológico Cidade das Abelhas. (Foto: Letícia Schlemper/Agecom/UFSC)

Os meís das abelhas sem ferrão apresentam sabores e características variadas de acordo com a espécie produtora. O maior teor de umidade, maior acidez, menor concentração de açúcares e menores valores de pH são atributos que diferenciam esses méis dos méis das abelhas da espécie Apis mellifera. Além da espécie, essas características estão diretamente relacionadas com a florada visitada, a fisiologia da espécie produtora, bem como o habitat no qual estes insetos vivem. 

“Dependendo da espécie de abelhas nativas e da região produtora, a umidade, que em méis de abelhas com ferrão normalmente não ultrapassam 20%, pode chegar a 50%”, explica o técnico do LabQA, Luciano Gonzaga.

Rislaine Corrêa Da Silva, de Balneário Gaivota (SC) é produtora de mel, e trabalha com mel de abelhas sem ferrão. O processo de adequação da sua produção começou em 2022. Desde mudanças no espaço físico de manejo do mel, até a rotulagem dos produtos, foi necessário um longo processo para que sua empresa pudesse envasar e comercializar o primeiro mel de abelhas sem ferrão de Santa Catarina com o Selo SIF (sigla para o Serviço de Inspeção Federal, ou seja, uma comprovação de qualidade do produto que visa garantir que aquele produto e sua cadeia de produção foram inspecionados e está em condições de ser consumido). 

“Tem sido um desafio todos os dias. É um mel muito conhecido, mas por ser um pouco mais caro, as pessoas não sabem o quanto é trabalhoso produzir. A produção é muito pequena, se comparado à abelha Apis. O consumo é pequeno, mas nas feiras, como a Feira do Mel de Florianópolis, se eu tivesse 200 kg eu teria vendido, mas eu só tinha 5 kg. É muito pequena a produção e o produto se torna caro. Tem todo um processo de filtragem, manter resfriado”, explica Rislaine. A produção de uma colmeia saudável de Jataís costuma ser, em média, de 1,5 kg por ano.


Abelha de Cidade Grande


O trânsito é intenso, um frenesi de pessoas circula pelas ruas, há sons de carros vindo de todas as direções, lojas lotadas, pontos de ônibus movimentados e outdoors nos prédios.  Não é muito difícil imaginar esse ambiente, até porque é a realidade das grandes cidades, como Florianópolis. O que é ainda mais comum em um espaço como esse é ver pessoas que adotam bichos de estimação para fazer companhia – gatos, cachorros, aves, ratinhos e até mesmo porcos. Mas você já imaginou que no meio desse caos que é a capital catarinense, algumas pessoas escolham abelhas para criar em suas casas ou apartamentos?

Ninho de Mandaçaias dentro da caixa usada na meliponicultura. Foto: Letícia Schlemper/Agecom/UFSC)

Em meio ao avanço tecnológico nas zonas rurais e a perda de habitat para os latifúndios, as abelhas encontraram nas cidades condições favoráveis para o bem estar das colônias. Cerca de 80% da polinização de todas as plantas com flores é feita por abelhas, e sem a sua colaboração muitas espécies entrariam em extinção, segundo dados da Associação Brasileira de Estudos das Abelhas. O estudo norte-americano “The city as a refuge for insect pollinators afirma que os espaços rurais têm cada vez menos presença de forragem floral, devido ao avanço da monocultura na agricultura, a desertificação, o desflorestamento, uso intensivo de inseticidas e redução da diversidade biológica.

Segundo o estudo, esse fenômeno da criação de abelhas nas cidades beneficia tanto as abelhas quanto os humanos, pois a polinização realizada por este insetos é fundamental para o desenvolvimento de jardins comunitários e agricultura urbana. Apesar da poluição e falta de flora adequada para o desenvolvimento das espécies, as praças, parques, jardins e áreas de mata preservada nos centros urbanos possibilitou que abelhas nativas sem ferrão pudessem prosperar nas cidades. Além disso, as abelhas são importantes agentes de polinização de plantas nativas, ajudando a manter a biodiversidade local e a preservar os ecossistemas urbanos.

Troncos ocos, frestas no concreto e telhados de casas são alguns dos locais onde podem ser encontrados ninhos desses insetos. Mesmo que pareça um tanto quanto improvável à primeira vista, a realidade é que em meio a esse cenário urbano caótico, há pessoas que optam por criar abelhas em suas residências. Essa escolha não é apenas uma manifestação de um amor pela natureza, mas também uma resposta às necessidades do ambiente urbano contemporâneo.

Egressa da UFSC, Stefania Hoffmann (Foto: Matheus Alves/Agecom/UFSC)

A criação de abelhas sem ferrão no ambiente urbano também oferece uma oportunidade única para a educação ambiental e a conscientização sobre a importância da conservação dos polinizadores. Foi por esse motivo que, há quatro anos, Stefânia Hofmann, engenheira ambiental formada pela UFSC, criou o projeto Urbees Meliponicultura Urbana, que busca incentivar as pessoas a criarem abelhas sem ferrão em suas próprias casas.

Stefânia acredita que a partir do momento que uma pessoa adquire um ninho de abelhas, ela passa a observar mais a qualidade ambiental em torno da região que habita. “As abelhas se alimentam e buscam recursos ali na natureza, então quanto melhor estiver o ambiente para elas, melhor vai estar para todos nós”, diz. Atualmente, ela cuida de mais de 50 colmeias no jardim de sua casa, que podem ser encontradas dentro de caixas de madeira feitas exclusivamente para servir de lar para as abelhas. Esses ninhos são comercializados por ela, que encontrou nas abelhas sem ferrão uma forma sustentável de gerar renda. “A gente já vendeu cerca de 260 colmeias e temos mais de 100 famílias criando abelhas sem ferrão em suas casas”, conta.

Em parceria com a UFSC, Stefânia também participa do projeto Polinizando Espaços e Mentes, do Núcleo de Educação Ambiental da Universidade, apresentando workshops e palestras sobre a importância desses seres para a ecologia urbana e os principais cuidados que devemos ter ao “adotar” essas abelhas como nossos pets. Durante essas atividades, são abordados temas como a conservação das abelhas nativas, a diversidade de espécies encontradas no Brasil e as práticas de manejo sustentável. O objetivo é sensibilizar a comunidade sobre a importância da preservação das abelhas e fornecer orientações práticas para promover a convivência harmoniosa entre humanos e esses polinizadores tão essenciais para o equilíbrio dos ecossistemas urbanos.

Stefânia faz questão de mostrar a todas as pessoas que adquirem um ninho que é essencial selecionar locais adequados, como apartamentos ou casas próximas a áreas verdes, onde haja vegetação abundante. As abelhas são animais selvagens e necessitam de recursos naturais para sobreviver. “A gente não faz as abelhas se adaptarem numa região inóspita para elas”, lembra. Os criadores podem fornecer alimentação suplementar à base de água e açúcar em épocas de escassez ou frio intenso, mas isso não deve ser a prática comum. “O normal é que elas busquem recursos na natureza, então o ambiente tem que ser arborizado”, completa. Locais com ventos fortes ou excessivo calor também não são ideais para a criação de abelhas nativas.

Estante do projeto Polinizando Espaços e Mentes, do Núcleo de Educação Ambiental da UFSC, com materiais disponibilizados pela Urbees. (Foto: Matheus Alves/Agecom/UFSC)

Também é necessário precauções quanto à proximidade de fontes de contaminação, como indústrias químicas, aterros sanitários ou áreas com uso intensivo de agrotóxicos. Essas substâncias podem levar à morte das abelhas, o que também as torna importantes bioindicadores da qualidade ambiental. É responsabilidade dos criadores garantir que as abelhas estejam em um ambiente adequado, livre de contaminação. As condições ideais não se restringem apenas ao espaço do quintal, já que “as abelhas podem voar até dois quilômetros em busca de recursos”, conta Stefânia. Portanto, é benéfico ter vegetação e arborização na vizinhança para oferecer um ambiente propício para elas.

“É muito importante que as pessoas que desejam criar abelhas em casa assumam a responsabilidade de trazer animais silvestres para o ambiente doméstico”, enfatiza, lembrando que as pessoas precisam estar cientes da necessidade de cuidado e atenção contínua para garantir o bem-estar das abelhas. Ela relata sempre deixar claro para seus clientes a importância de não transformar as colmeias em meros objetos de consumo e que criar abelhas não deve ser encarado apenas como uma questão financeira; é necessário um compromisso constante com o cuidado e a preservação desses insetos.

Apesar de todos os cuidados com a disponibilidade de alimento e vegetação no entorno das colmeias, Stefânia conta que os manejos necessários são mínimos, pois as abelhas são capazes de se autogerenciar quando o ambiente é favorável. Mesmo assim, é importante melhorar o ambiente, plantando flores e espécies que sejam benéficas para as abelhas, permitindo que elas se desenvolvam naturalmente. E é essencial manter um olhar atento para identificar quando é necessário intervir, seja para alimentar as abelhas ou para protegê-las contra possíveis ameaças.

Se você ficou interessado em ter sua própria colmeia de abelhas sem ferrão em casa, o episódio “Meu Pet Abelha” do podcast Flash UFSC apresenta um pouco mais sobre a biodiversidade desses insetos, como fazer o manejo correto deles e entrevistas com meliponicultores locais.

“As abelhas estão morrendo e sem elas não tem alimento”

Confira parte da entrevista com a meliponicultora Stefânia Hofmann. Ela conta mais sobre sua experiência com a criação de abelhas sem ferrão, o vínculo com a comunidade e a educação ambiental.

1. Qual é a sua opinião sobre a conscientização coletiva em relação à importância das abelhas na polinização e na manutenção do ecossistema?

As abelhas estão morrendo. Em 2019, houve um acidente muito grave que matou meio bilhão de abelhas por conta da pulverização de agrotóxicos. Foi uma grande perda que ficou latente na população. As abelhas estão morrendo e sem elas não tem alimento. A gente foi perdendo contato com essa biodiversidade brasileira ao ponto das pessoas nem saberem que existe, por conta da introdução de uma espécie exótica que dominou economicamente. Existe uma biodiversidade essencial para manutenção das nossas florestas e matas. Por isso eu trabalho nesse viés de reconectar e restaurar essa conexão com as abelhas, e também inseri-las no ambiente urbano para regeneração ambiental.

2. Como foi o processo de apresentar a meliponicultura para as pessoas?

Foi uma dificuldade e uma surpresa também. Quando eu conversava com as pessoas sobre abelhas nativas elas achavam tudo isso muito engraçado, muito maluco. “Como é que as pessoas vão criar abelhas em casa?”, isso era uma ideia muito distante porque elas sequer conhecem as abelhas. Porém, conforme eu explorava mais o assunto, as pessoas vinham até minha casa e ficavam impressionadas com a beleza das abelhas. Esse interesse demonstra uma quebra inicial de preconceitos em relação à esses insetos.

3. Quais os aspectos que você acredita terem influenciado as pessoas a criarem abelhas em casa?

Eu acho que a questão do isolamento social durante a pandemia fez com que as pessoas quisessem ter esse contato com a natureza. Você não podia sair, não podia ir ao parque, não podia estar na natureza. Então você põe uma caixinha de abelha em casa e a sua relação com o ambiente muda completamente. As abelhas estão livres, elas se relacionam diretamente com o entorno de onde estão inseridas. Nessa época acontecia muito das pessoas começarem a mexer mais em casa, nos seus jardins, fazerem hortas, pintarem a casa, reformar, porque era ali que você ia ter que ficar isolado por muito tempo.

 4. Florianópolis é um lugar propício para criação desses insetos?

Nós estamos em um lugar em que as pessoas têm muito interesse em atividades relacionadas à natureza. Apesar de não ser a cidade mais articulada em termos de meliponicultura, ela vem seguindo o exemplo de outras capitais, como Curitiba e São Paulo, e implementando essa cultura. Por meio da polinização, esses insetos estão ajudando a regenerar cerca de 150 mil hectares urbanos, e isso é um um impacto grande. Floripa não é uma capital mediana e, mesmo assim, as pessoas têm consciência sobre preservação, sobre contato com a biodiversidade. Aliás, muita gente está aqui justamente por isso, por ser uma capital e ter muita disponibilidade de recursos naturais.


 Abelhas de Sítio


Tubunas, jataís, mandaçaias, uruçus-amarelas, manduris e guaraipos são as espécies de abelhas nativas que formam suas colmeias no Sítio Flor de Ouro, localizado em Florianópolis, no bairro Ratones. São mais de 250 enxames na propriedade que é da família do engenheiro agrônomo Pedro Faria Gonçalves, que juntamente com a agricultora e meliponicultora Bruna de Paula, desenvolvem a meliponicultura em meio a uma agrofloresta. 

Pedro conta que nasceu e cresceu na roça, em meio à natureza. “Desde bem jovem eu já mergulhei nessa caminhada com as abelhas e cultivos agroflorestais”. No início da década de 80, os pais de Pedro adquiriram o espaço onde hoje se situa o Sítio Flor de Ouro. “Comecei a plantar aos 15 anos de idade, já temos uma longa história aqui com cultivos agroflorestais e junto com as abelhas também”. Pedro, quando era estudante de Agronomia na UFSC, colocava em prática e testava em sua vida cotidiana o que ouvia nos estudos acadêmicos. 

Ambos egressos da UFSC, Pedro e Bruna trabalham com educação ambiental, ensinam o manejo das abelhas sem ferrão, produzem mel, pomada e extrato de própolis, entre outros produtos da colmeia. Todo o seu trabalho é baseado no manejo cuidadoso das colmeias, que são dispostas de maneira orgânica pelo sítio, observadas as melhores condições, buscando reproduzir o que as abelhas nativas vivem em seu ambiente natural.

Esse conhecimento eles dividem com seguidores nas redes sociais, com pessoas interessadas que vêm ao sítio fazer cursos, e com estudantes da UFSC. “A gente recebe todo semestre aqui no Sítio uma turma do Programa de Pós-Graduação em Agroecossistemas da UFSC. É sempre uma troca, receber quem está na Universidade fazendo pesquisa e vem aqui ver como funciona na prática”, complementa Bruna.

O trabalho envolve muita experimentação, conta Pedro. “A meliponicultura não é toda igual. Com a prática e ouvindo outras pessoas fomos testando. Aqui buscamos dispersar as colônias distantes umas das outras, as caixas que utilizamos são mais grossas, usamos técnicas de divisão e coletas buscando fazer mesmo com que elas se sintam em casa, e não agredidas. Isso é essencial para a preservação das espécies – a guaraipo, por exemplo, é uma espécie que é quase extinta em seu habitat natural. Então buscamos criar enxames fortes que possam naturalmente controlar suas pragas”, explica Pedro.

O trabalho de Pedro com a meliponicultura e colhendo o mel, própolis e cera das abelhas nativas sem ferrão começou há cerca de 15 anos. Desde o início, notou que eram escassos os estudos e as informações sobre esse tipo de mel. Por isso, levou amostras de diversos méis de sua produção para análise do Laboratório de Química de Alimentos (LabQA) do Centro de Ciências Agrárias da UFSC.

“A meliponicultura ainda hoje se encontra em um estágio muito experimental. Minha intenção era primeiro conhecer aquele mel, características físico-químicas, com a perspectiva que gerasse subsídio para uma futura legislação, o que acabou acontecendo. Desses estudos derivaram outros estudos, que geraram dados, o que culminou numa portaria estadual”, relata Pedro.

Própolis

Em 2015, a Agência de Comunicação da UFSC já divulgava uma pesquisa sobre os efeitos do própolis das abelhas sem ferrão no combate a melanomas (cânceres de pele). O própolis estudado na ocasião havia sido coletado no Sítio Flor de Ouro .
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O própolis das abelhas sem ferrão é hoje um dos produtos que Pedro considera mais importante de sua produção. “É um produto com efeito muito potente. Um medicamento natural amplamente difundido e estudado, tem muito respaldo científico, mas isso não se aplica ao própolis das abelhas sem ferrão”, salienta.

O própolis das abelhas sem ferrão é incluído por Bruna e Pedro em diversos dos seus produtos, como a pomada, o spray para garganta, o extrato, entre outros. “Utilizamos o própolis em todos os nossos produtos da linha medicinal”, conta Bruna. Ela explica que o própolis tem propriedades antibióticas e anti-oxidantes e é cicatrizante e antisséptico. A pomada produzida no sítio conta ainda com a cera das abelhas nativas sem ferrão.

“Produzir com a meliponicultura faz com que a gente siga criando as abelhas, e a meliponicultura é hoje a forma mais eficiente de conservar essas abelhas, então consumir esses produtos, produzir, é conservá-las também”, diz Bruna.

O futuro, para Bruna e Pedro, é seguir gerando impacto positivo para as abelhas. “Continuar criando com qualidade, com eficiência, para criar condições para que as abelhas possam se multiplicar, se perpetuar, polinizar e gerar abundância. Temos nossas metas de aumentar e regularizar nossa produção”, ressalta Pedro. “Trabalhar com o turismo também”, complementa Bruna, que espera poder ajudar que mais pessoas ouçam falar sobre as abelhas nativas. “Que possam vir aqui, provar um mel na colmeia, ser sensibilizado por isso. A gente só conserva e protege o que a gente conhece”, conclui.


Equilíbrio Ameaçado


Acredita-se que o cientista alemão Albert Einstein tenha previsto em seu tempo que, sem a presença das abelhas não haveria polinização, reprodução da flora ou sequer animais. Nós, humanos, estaríamos fadados à extinção em um período de apenas quatro anos. Apesar de atualmente ser um consenso no meio científico de que Einstein teria se precipitado em algumas partes da sua declaração, ele não estava completamente errado. O desaparecimento de diversas espécies de polinizadores ao redor planeta é uma discussão que ocorre há décadas, movimentando pesquisas científicas e o desenvolvimento acadêmico acerca do assunto.

Apesar dos esforços para preservação das espécies, as nossas abelhas nativas estão longe de serem salvas do risco de extinção. A continuidade da utilização indiscriminada de agrotóxicos e o desmatamento constante de seus habitats naturais representam ameaças persistentes à sobrevivência desses importantes polinizadores que são vitais para manutenção da fauna e flora de biomas brasileiros, como o Cerrado e a Mata Atlântica.

“Não só os cultivos agrícolas dependem das abelhas para a produção, mas elas também são importantes para o equilíbrio dos ecossistemas”, afirma Rodrigo Durieux da Cunha, chefe da Divisão de Estudos Agrículas da Epagri (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina) coordenador da Câmara Setorial de Apicultura e Meliponicultura de Santa Catarina.

As espécies nativas também desempenham um papel fundamental na polinização de cultivos agrícolas no país, contribuindo significativamente para a produtividade e a qualidade dos alimentos. Essas abelhas nativas têm co-evoluído com a flora local ao longo de milhões de anos, desenvolvendo adaptações especializadas que as tornam altamente eficientes na polinização de uma ampla variedade de plantas nativas e cultivadas, como café, cacau, tomate, plantas de interesse medicinal e frutas – como abacaxi, manga, maracujá e morango.

A presença dessas abelhas nos ecossistemas agrícolas promove a biodiversidade e a resiliência desses espaços, ajudando a manter o equilíbrio ecológico e reduzindo a dependência exclusiva de uma única espécie polinizadora. “Algumas abelhas dependem de plantas específicas para sobreviver, então há uma relação bastante importante  entre fauna e flora”, comenta Rodrigo. O uso intensivo de agrotóxicos para controle de pragas afeta diretamente a produtividade das culturas agrícolas, assim como coloca em risco a existência desses polinizadores.

Rodrigo ainda revela que não são apenas os inseticidas que representam uma ameaça para as abelhas, havendo outros produtos também associados a problemas para esses polinizadores, como fungicidas e até mesmo herbicidas. Estudos indicam que esses produtos podem enfraquecer os enxames e levar a uma mortalidade a longo prazo das abelhas. Um exemplo disso é a proibição do uso foliar do fipronil, um agrotóxico de amplo espectro, medida que visa proteger as abelhas e outros polinizadores dos efeitos nocivos desses produtos.

Também existem desafios em ambientes urbanos relacionados ao controle do mosquito da dengue, como o uso do “fumacê”, produto inseticida amplamente utilizado no Brasil. No entanto, algumas regiões já estão implementando medidas para mitigar os impactos nas abelhas, como a comunicação prévia nas áreas onde ocorrerão pulverizações urbanas. Isso permite que os apicultores e meliponicultores fechem as colmeias com antecedência, evitando que as abelhas tenham acesso ao inseticida e reduzindo o risco de mortalidade.

As mudanças climáticas representam uma ameaça significativa para as abelhas sem ferrão, afetando-as de várias maneiras. Uma das principais preocupações é a alteração nos padrões sazonais de temperatura e precipitação, que podem perturbar os ciclos naturais de floração das plantas e a disponibilidade de recursos alimentares para as abelhas. As mudanças climáticas também podem levar a eventos extremos, como secas prolongadas, enchentes e tempestades, que podem destruir habitats e reduzir a disponibilidade de abrigos para as abelhas sem ferrão. Segundo Rodrigo, essas ocilações na temperatura global média que o planeta vem sofrendo ao longo dos últimos cinco anos afetou diretamente a produção de mel das abelhas sem ferrão. “As abelhas não conseguem sair da caixa para coletar os alimentos”, comenta.

Períodos prolongados de chuva podem resultar em adversidades para as abelhas, como enchentes ou tempestades que derrubam colmeias, causando danos diretos. Além disso, durante esses períodos, as abelhas podem ficar confinadas nas colmeias, incapazes de sair para coletar alimentos, o que pode levar ao declínio dos enxames, afetando seu desenvolvimento esperado. Fatores climáticos como o El Niño e o aquecimento global fizeram de 2023 um dos anos com maior incidência de chuva no estado de Santa Catarina. Segundo dados da Epagri/Ciram, apenas 48 dias no ano não tiveram chuva em contagem feita até o dia 28 de novembro – representando 85,54% do total de dias do ano.

Matheus Alves | Estagiário de Jornalismo da Agecom | UFSC
Mayra Cajueiro Warren | mayra.cajueiro@ufsc.br | Jornalista da Agecom | UFSC

Fotografias e Vídeos
Letícia Schlemper de Souza Gonçalves, Matheus Alves e Maria Alice Emerim (bolsista de Extensão e graduanda do curso de Ciência e Tecnologia de Alimentos)

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