Cinco anos sem Cancellier: o legado de uma vida interrompida
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Eventos históricos marcantes e traumáticos por vezes são assim. A gente lembra onde estava, o que fazia naquela hora, como recebeu a notícia. Era uma segunda-feira, e a notícia chegou perto do horário do almoço. As pessoas estavam no trabalho, preparando uma refeição, vivendo. E uma vida se interrompeu.
A vida do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo foi interrompida em um shopping de Florianópolis, com uma mensagem no bolso, guardada dentro do plástico que envolvia sua carteira de motorista: “A minha morte foi decretada quando fui banido da universidade!!!”.
Antes de tirar a própria vida, Cancellier havia dado sinais de que não estava bem, tinha acompanhamento médico, e de sua família. Tudo foi desencadeado após sua prisão em 14 de setembro de 2017, e as acusações no âmbito da Operação Ouvidos Moucos, com informações amplamente divulgadas em todo o país. A cobertura midiática, baseada na espetacularização, e o processo judicial, à base do abuso de autoridade, desestabilizaram Cancellier, especialmente por proibirem o professor e reitor de pisar na UFSC. A Universidade é vizinha do edifício onde vivia Cancellier, era sua segunda casa. A agressão da prisão e isolamento e o tratamento que ele recebeu da mídia e da sociedade pesaram.
E assim, em 2 de outubro de 2017, a família Cancellier perdeu o seu querido Cau, um irmão e um pai. A UFSC perdeu um reitor, um professor. Muitos perderam um amigo.
Cinco anos se passaram, e o que mudou?
Qual legado Luiz Carlos Cancellier deixou para a UFSC?
O que aprendemos com o que aconteceu após a prisão e o ato extremo de Cancellier?
Jornalismo
A necessidade de se fazer um Jornalismo responsável, ético
A cobertura midiática foi bastante criticada quando a Operação Ouvidos Moucos foi deflagrada, por apresentar os fatos com o viés exclusivo da polícia, sem contraponto, carregado de juízo de valor. As informações apresentadas pelas fontes oficiais, no caso a Polícia Federal e o Ministério Público Federal (MPF), foram repassadas nos telejornais, nas mídias impressas e on-line, sem nenhuma apuração. No dia da prisão de Cancellier, seu nome estampou as manchetes como líder de um esquema de desvio de recursos públicos da monta de R$ 80 milhões.
O professor do Departamento de Jornalismo da UFSC que estuda ética jornalística, Rogério Christofoletti, recorda-se de uma cobertura espetaculosa naqueles primeiros dias. “A UFSC tem um tamanho grande, ela tem uma presença muito ostensiva. E isso chamou muito a atenção, virou manchete, teve capa de jornal, teve minutos em TV, e foi uma cobertura majoritariamente de acusação, presa e com muito pouca apuração”, relata.
Rogério lembra que houve uma entrevista coletiva, na Polícia Federal, após a prisão de Cancellier e dos demais acusados, que contou com a participação de alguns estudantes do curso de Jornalismo da UFSC. “Me lembro que alguns dos nossos alunos foram cobrir, e a Polícia Federal estava muito presa em torno das suas convicções, oferecendo poucas informações. Os jornalistas perguntando, não conseguindo extrair aquilo, e ali já mostrava que algo não corria muito bem, que era necessário aprofundar a investigação. No entanto, os jornalistas têm um limite de investigação. Eles não podem simplesmente acessar documentos, algumas coisas são sigilosas”, recorda-se o professor.
“Nesse momento, era necessário que as redações se reajustassem, corrigissem as suas coberturas colocando um pouco mais de cuidado, de suspeita sobre a própria condução do que estava sendo feito. Infelizmente isso não aconteceu. Houve um espírito de manada, que faz com que o jornalista não raciocine por si mesmo e não coloque em dúvida”.
Mas colocar em dúvida, questionar e investigar são essenciais ao bom jornalismo. Muitos são os exemplos de casos como os das divulgações de operações policiais, e mais antigos, como o da Escola Base, nos anos 1990, também citado pelo professor como exemplo de um dos principais erros jornalísticos. “Foi o que a gente teve aqui. Até hoje a gente não sabe do tal desvio de recursos públicos, mas a gente tem um cadáver. A gente tem vítimas. A gente tem pessoas que tiveram suas reputações afetadas. Isso é real, isso não é simbólico, só. Isso é real”, afirma Rogério.
“Aquela cobertura foi marcada pela espetacularização das ações da Polícia Federal. Isso era muito vigente à época por conta do espírito de lavajatismo – que é um espírito punitivista, espetaculoso, de abandono de uma regra básica de sociedade e uma regra básica do jornalismo que é a presunção da inocência. Todas as pessoas são inocentes até que se prove o contrário, e cabe ao acusador apresentar essas provas”, ressalta.
A cobertura midiática de situações como essas, que podem ter efeito direto na imagem de alguém, precisa ser feita de modo responsável, defende o professor de ética jornalística. “A mídia tem bastante responsabilidade quando ela elege alvos, quando ela elege destaque às pessoas, de homenagem, de enaltecimento e também quando essas pessoas são execradas. Por isso é necessário, por isso a gente fala muito nos cursos de jornalismo e dentro da própria categoria, da necessidade de fazer um jornalismo responsável. Toda matéria tem repercussões, toda matéria tem desdobramentos, tem consequências. O que a gente faz tem consequências que são sociais e não só individuais”.
Em 2021, a jornalista Dagmara Spautz publicou um artigo no qual afirma que “o jornalismo falhou no caso que levou à morte o reitor Cancellier”. O ato de autocrítica não é comum no jornalismo. “Nós jornalistas somos muito resistentes a reconhecer erros. Foi muito positivo que a colunista em questão tenha publicado aquilo”, frisou. “Eu acho que para além de uma autocrítica – e a autocrítica é um primeiro passo para você modificar a sua postura –, as redações precisam modificar sua postura. As redações precisam estar conscientes do tamanho dos resultados do seu trabalho, que podem provocar vítimas, inclusive vítimas fatais de coberturas desastrosas”, defende Rogério.
Cinco anos depois, o professor acredita que o episódio da Ouvidos Moucos tenha contribuído para reduzir essa cobertura acusatória, mas reconhece que não é possível mensurar ou mesmo atribuir as mudanças à tragédia que sucedeu o processo contra Cancellier.
“A gente ainda não tem elementos científicos empíricos coletados que possam mostrar que a cobertura tenha mudado. O Brasil também mudou, então isso pode ter de alguma maneira afetado as redações”, salienta. No entanto, os futuros jornalistas nas salas de aula e as pesquisas da área têm focado na necessidade de aprofundar a investigação antes de noticiar conteúdos que possam fragilizar alguém.
“Na Academia o que a gente vem fazendo é aprofundar, intensificar, nas disciplinas de ética e deontologia ou em outras disciplinas a necessidade de você conjugar uma técnica bem executada, da ética. No jornalismo essas coisas se cruzam, porque algumas decisões que nós fazemos do ponto de vista técnico tem implicações necessariamente éticas”, conta o professor. E nas redações dos jornais já há uma mudança. “Há também uma preocupação em conversar um pouco mais, reduzir um pouco a velocidade para para divulgar as informações, para que não haja novos casos Cancellier ou novos casos desse tipo. Infelizmente o caso do reitor se tornou um paradigma do que a sociedade, as instituições, entre elas a própria imprensa, podem provocar em casos como esse, de grande perseguição”, reflete.
“A imprensa tem o papel de fiscalizar as instituições, de denunciar abusos e casos de corrupção, de desvio público. Sim, é papel da Imprensa, ela tem que fazer isso, mas com responsabilidade. Não apenas servindo para amplificar o discurso acusatório sem prova. Eu volto a insistir, eu volto a falar da necessidade da gente fazer um jornalismo responsável, ético, que tenha como um dos seus pressupostos a presunção da Inocência”, conclui.
Direito
Um ‘Tempo de Despertar’ de uma histeria coletiva
O professor José Sérgio da Silva Cristóvam, do Departamento de Direito da UFSC, reflete que o momento que o Brasil vivia há cinco anos contribuiu para os desdobramentos e espetacularização das operações policiais contra a corrupção.
“A Operação Ouvidos Moucos veio dentro de um contexto, um momento que o Brasil passava de aguda contestação da classe política, de muito questionamento acerca de situações relacionadas a denúncias de corrupção”, recorda o professor.
José Sérgio acredita que isso resultou no surgimento de uma “verdadeira operação de caça às bruxas, inclusive aplaudida e até fomentada por um braço da mídia escrita, falada, televisionada, o que criou uma espécie de histeria coletiva de combate à corrupção”.
A consequência foi uma situação “muito problemática e um prejuízo muito grande para toda a Nação, porque a pretexto de combater a corrupção, se legitimou todo e qualquer tipo de abuso e de ilegalidade cometidos justamente por agentes públicos que deveriam zelar e prezar pela legalidade”, salienta o professor de Direito.
A Ouvidos Moucos foi então um subproduto da Operação Lava Jato, segundo José Sérgio, e traz o mesmo modus operandi, até com pessoas que atuaram na equipe investigativa da Lava Jato. “Primeiro prender para depois acusar, primeiro condenar na mídia – inclusive com o forte apoio de setores da mídia –, para depois investigar. Os efeitos disso tudo foram danosos, drásticos e terríveis”.
O suicídio, na visão do professor José Sérgio, foi um ato político. “Existiu uma desesperança, muita angústia, uma fragilidade psicológica, mas também houve um nítido ato político. Um ato de contestação e de basta a tudo isso”, avalia.
Após a morte do reitor, José Sérgio acredita que houve uma evolução, especialmente no campo do Direito e na sociedade como um todo. O professor afirma que a operação policial e seus resultados, em particular sobre o reitor, contribuíram para mostrar à sociedade os riscos perversos desses excessos, que chegaram ao fundo do poço e cobraram reação. “Uma pessoa da qual sequer uma denúncia se apurou, sequer eventuais questionamentos, nada foi minimamente apurado. Me parece que desde a Operação Ouvidos Moucos, o país começou a acordar daquela histeria coletiva de que combater a corrupção justifica qualquer tipo de ilegalidade, de ilícito, de abuso de poder e de abuso de autoridade”.
“Eu penso que a Operação Ouvidos Moucos, com o seu trágico desfecho, pode ter contribuído no sentido de abrir um outro ‘Tempo de Despertar’ da sociedade dessa verdadeira histeria coletiva”, reforça.
Luiz Carlos Cancellier, desde 2019, informalmente batizou uma lei – a Lei nº 13.869/2019, que versa sobre os crimes de abuso de autoridade. Para o estudioso do Direito, talvez a aprovação da lei possa ter um efeito inicial mais simbólico do que prático. “As legislações às vezes não são feitas para serem aplicadas todo dia, e nem por isso deixam de ser importantes e eficazes. As legislações são feitas, muitas vezes, para estabelecer limites simbólicos ao destinatário daquela norma. Eu vejo a Lei Cancelier como uma legislação dessa categoria, simbólica, que serve como um aviso a toda e qualquer autoridade, ou detentor de poder – que ele não está acima das leis, essa pessoa também pode ser abraçada/alcançada pela lei”.
Os ensinamentos, segundo o professor, para o seu campo de pesquisa e também assunto de estudo do próprio reitor foram consideráveis. “Ficou um legado para que possamos ainda nessa geração aprender que o combate à corrupção deve ser constante, firme e permanente, mas não a partir de uma espécie de histeria coletiva e vale-tudo. O combate à corrupção deve partir do fortalecimento dos sistemas de fiscalização e controle preventivo/concomitante, até como forma de evitar a corrupção. Precisamos sim aprimorar nossos sistemas de controle, com o efetivo acompanhamento da execução dos orçamentos públicos, o desenvolvimento das atividades das instituições políticas e instituições públicas da Nação”, salienta.
José Sérgio alerta para que as instituições não se tornem as “últimas cidadelas da moralidade”. “As instituições podem ser nitidamente sequestradas por interesses de determinados grupos, interesses políticos. Então, o grande legado desses tristes episódios está em aprendermos que o combate à corrupção só pode e deve ser feito dentro das regras do jogo democrático, dentro das regras da legalidade constitucional e infraconstitucional e dentro de limites operacionais jurídicos, éticos, políticos, institucionais e de impessoalidade mínima. Do contrário, vira uso político do instrumental e do ferramental de combate à corrupção”.
“A corrupção é uma chaga que precisa ser constantemente combatida, mas não com voluntarismos deste ou daquele, e sim com uma institucionalidade cada vez mais forte, que venha a tornar mais adequados os nossos modelos de controle, não só no sentido de combate à corrupção, mas como uma instância permanente de aperfeiçoamento do próprio aparelho do Estado. O Estado precisa se reinventar, o Estado precisa se aprimorar. Não é com ‘caça às bruxas’ que nós vamos conseguir passar a limpo efetivamente a nossa história e avançar para que desmandos e descalabros não venham a se repetir”, conclui o professor.
Gestão
‘Eu tentava me fazer uma pergunta fictícia: como ele faria se estivesse aqui?’
Chefe de Gabinete da gestão Cancellier, Aureo Mafra de Moraes é professor no Departamento de Jornalismo da UFSC. Ele continuou no cargo durante o período de transição (2017) e também na gestão seguinte (2018 a 2022), sendo o professor Ubaldo Cesar Balthazar o reitor pro tempore e depois eleito. A decisão de Ubaldo, quando ainda reitor pro tempore, foi a de manter o projeto de Universidade pelo qual Cancellier havia trabalhado. “A forma de lidar, fosse com tensões da categoria dos estudantes, dos técnicos ou dos docentes, sempre tiveram essa perspectiva da conversa. Isso era muito Cancellier”, Aureo conta.
O professor abre espaço para uma autocrítica institucional: ele avalia que a UFSC sofreu um choque num primeiro momento da prisão na manhã de 14 de setembro, e que a reação foi tímida. Mesmo assim, a Administração Central, naquele dia, divulgou nota oficial e concedeu entrevista coletiva ainda durante a manhã, com uma nova manifestação sendo divulgada no final do dia.
Aureo relata que o impacto da perda do reitor, em nível geral, foi sentido não apenas pela UFSC, mas por outras universidades e instituições, que se posicionaram em defesa do apropriado rito jurídico. Entendeu-se a intensidade da medida, e a UFSC se fortaleceu na sua própria defesa. Para Aureo, é construindo esse sentimento de reconhecer que não se soube reagir num primeiro momento, dada a violência e a ausência de qualquer justificativa para aqueles fatos, que a Universidade passou a se comportar de uma forma mais preocupada, defendendo a sua essência. “Basta o que fizeram com Cancellier, basta o que fizeram com os outros colegas, não vamos permitir que isso se repita porque a Universidade não pode ser atacada e agredida dessa forma.”
O ex-Chefe de Gabinete lembra que a UFSC incorporou um sentido de coletividade a partir do episódio, como se viu nos anos seguintes quando a Universidade enfrentou Processos Administrativos Disciplinares movidos pela Controladoria-Geral da União (CGU), em 2019, e depois, em 2020, quando foi necessário lidar com os termos impostos pela pandemia de Covid-19. “Acho que fica um legado. A vida na Universidade custou um pouquinho a se restabelecer, mas quando se restabeleceu foi com base nas perspectivas que o Cancellier trouxe para sua gestão no começo de 2016”, tais como o diálogo, a mediação de conflitos e a participação de todas as partes que compõem o todo da comunidade.
Em uma escala mais local, Aureo acredita que o legado de Cancellier é o de contribuir para a consolidação de uma universidade plural. Quando ele foi eleito reitor e compôs uma equipe, deu representatividade para as unidades. Segundo o docente, isso foi mantido. “Ele buscou montar equipes de gestores que tivessem correspondência com essa perspectiva dele do diálogo, da conversa, da composição, de saber ouvir, de tolerar, e de fortalecer os valores e princípios que estavam constantes na proposta de gestão dele.”
Uma das ações de gestão de maior destaque de Cancellier foi a criação da Secretaria de Ações Afirmativas e Diversidades (Saad), mantida por Ubaldo e que hoje, na gestão do reitor Irineu Manoel de Souza, se transformou na Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Equidade (Proafe). Há uma perspectiva que Cancellier estabeleceu de forma muito explícita, e foi respeitada: “acho que essa percepção de que a Universidade é diversa, e é aí onde está a riqueza dela e muitas vezes é onde estão os conflitos”, pondera Aureo.
Cancellier esteve presente, de alguma forma, nos anos de gestão após sua morte. “Nós saímos do período mais crítico da perda, do luto, da resistência à ideia da perda, muitos de nós sofremos com a nossa saúde, mas eu em particular eu tentava fazer uma pergunta fictícia: como ele faria se estivesse aqui?”, o professor comenta acerca da lacuna que Cancellier deixou e sobre o legado que permaneceu. “Da mesma proporção em que a gente sofreu pela perda, a gente teve a disposição para continuar tocando aquele projeto.” E não se trata do projeto de uma pessoa, “mas de um grupo de pessoas, em última análise, um projeto de Universidade em que tinha, o tempo todo, mais alguém na sala.”
Aureo lembra que o processo não acabou, e que o legado de Cancellier motiva a não desistir da busca por justiça. “Eu acho que o Cau continua presente, para dizer para a gente que não desistamos de buscar a reparação a tudo o que aconteceu naquele período. Acho que essa é uma motivação, e eu divido isso muito com um irmão dele, o Acioli, que é uma pessoa incansável. Sempre que tem oportunidade, reitero isso: o Estado brasileiro deve isso para a Universidade. Claro, deve individualmente às pessoas que sofreram esses abusos e arbitrariedades e até que esse momento chegue, deve para a Universidade como instituição. É um percurso necessário que a gente ainda vai ter que fazer – nós vamos ter que atravessar um outro portal para enfim dizer ‘agora fica em paz, porque agora nós todos estamos em paz’”.
Biografia
Quem foi Cancellier
Luiz Carlos Cancellier, o Cau, é descrito por seus amigos e familiares como um mediador, uma figura conciliadora que permanentemente buscou o diálogo, especialmente como gestor na UFSC. O catarinense de Tubarão nasceu em 13 de maio de 1958, filho de uma costureira e um operário, tendo dois irmãos: Julio e Acioli.
Em 1977, ingressou no curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O período era de resistência contra a ditadura militar e luta pela abertura política do Brasil. Engajado no movimento estudantil, Cancellier trabalhou ativamente nas campanhas para a redemocratização do país, mesmo com risco de prisões e morte. Envolvido, parou os estudos para se dedicar integralmente à carreira de jornalista, até ser assessor parlamentar no Senado Federal de 1992 a 1994.
Em 1995, veio à UFSC para continuar nela até o fim. Retomou o curso de Direito, graduando em 1998. Tornou-se mestre em 2001 e doutor em 2003 no Centro de Ciências Jurídicas (CCJ), com a tese A reglobalização do Estado e da Sociedade em rede na era do acesso.
Como profissional, sempre esteve próximo da área de gestão. Durante a graduação, havia trabalhado como assessor da presidência do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE). Especializou-se em Gestão Universitária e Direito Tributário. Em 2003, foi Coordenador Geral da Secretaria de Estado da Saúde. Mas é em 2005 que ele ingressa como professor na UFSC, no próprio CCJ.
Ali, lecionou as disciplinas relativas a Direito Administrativo, tornando-se coordenador do curso e membro do Conselho Universitário em 2008. No ano seguinte, foi eleito chefe de departamento por três anos e, ainda, presidente da Fundação José Arthur Boiteux. No começo de 2012, foi nomeado diretor do Centro de Ciências Jurídicas.
Em 2015, venceu o pleito para reitoria, tendo como vice-reitora a professora Alacoque Lorenzini Erdmann, na chapa “A UFSC pode mais”. Cancellier, como gestor, conquistou o caráter de ser uma figura mediadora e conciliadora, dedicando-se profundamente à Universidade e tendo uma trajetória de rápida ascensão.
“Por mais que as dificuldades surjam, uma palavra de conciliação, de abertura e de diálogo sempre pode trazer uma luz”, disse no ato de posse. A meta do seu trabalho foi de trazer a excelência acadêmica e a eficiência administrativa, apostando na descentralização da gestão e na valorização e participação de todos os Centros e Unidades da universidade nas tomadas de decisão.
O seu mandato teve 858 dias, contados de 10 de maio de 2015 a 14 de setembro de 2017, desde a posse à data de aprisionamento, quando foi afastado. O reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo foi liberado, mas impedido de entrar na Universidade e de ter contato com todos que lá trabalhavam. Afastado do que mais amou e ao que se dedicou em toda sua carreira, tirou a própria vida no dia 2 de outubro de 2017, uma segunda-feira.
A sua gestão foi sucedida pelo reitor pro tempore Ubaldo Cesar Balthazar em 2017, que escolheu dar continuidade ao trabalho e manteve a equipe que Cancellier escolheu. Ubaldo foi eleito reitor em novo pleito no ano de 2018 e encerrou seu mandato em julho de 2022.
Fotografia
A imagem do semblante sereno, que chegou a milhões de pessoas
A imagem mais lembrada do reitor Cancellier estampou matérias sobre sua biografia em notícias e nas redes sociais. O fotógrafo por trás das lentes que eternizaram esse semblante é Jair Quint, conhecido pelos colegas como Pipo. Fotógrafo, servidor técnico-administrativo da Agência de Comunicação da UFSC desde 2013, Pipo tirou essa foto quando trabalhava no Gabinete da Reitoria na cobertura de uma coletiva de imprensa, marcando o primeiro ano de gestão de Cancellier. Era o dia 10 de maio de 2017, menos de cinco meses antes da morte do reitor.
“A coletiva durou bastante tempo, e as fotos ficaram para serem feitas depois. Quando acabou, eu vi que o reitor já estava cansado, com certeza tinha muitos compromissos ainda naquele dia. A sala do Gabinete não é muito bem iluminada, a luz não tem qualidade muito boa para fotografia. Com o equipamento que eu tinha disponível, coloquei ele ali na janela. Olha pra rua, olha pra câmera, fiz alguns cliques”. Foi Pipo quem direcionou o reitor a se posicionar ao lado da janela e a usar a cadeira como apoio.
“Foi coisa de um, dois minutos. Ele estava agoniado, com pressa, e foi muito rápido fazer essas fotos”, lembra o fotógrafo. No dia seguinte, a matéria assinada pela colega de Agecom, Rosiani Bion de Almeida, foi publicada, com as imagens, e Pipo logo notou que o reitor havia escolhido uma de suas fotos para estampar seu perfil pessoal nas redes sociais.
“Eu vi que ele trocou a foto do perfil pessoal do Facebook dele com a foto, e pensei ‘cara, ele gostou da foto!’. A imagem ficou no perfil do reitor por alguns meses, ele realmente gostou, e isso me deixou muito feliz e muito aliviado. Ele gostou, se reconheceu, e é uma imagem que representa muito do Cancellier, uma pessoa serena, que não era tanto do protocolo. Suave, ele de camisa, mas sem gravata, apoiado na cadeira. A foto contribuiu muito para representar quem de fato ele era, e isso foi muito bacana”.
As duas fotos feitas naquele dia, do reitor apoiado na cadeira e posicionado ao lado da janela, ficaram famosas. Apareceram nos grandes veículos nacionais de notícias, e a cada aniversário do falecimento do reitor, elas voltam a circular. “Como profissional, eu fico feliz, mas por outro lado, não queria que tivesse sido nessas circunstâncias o sucesso da foto que eu tirei”.
Pipo também trabalhou fotografando a reação e os funerais de Cancellier no dia 3 de outubro daquele mesmo ano. “O que mais me emocionou foi quando eu fiz a cobertura do velório. Todos, inclusive eu, fotografamos nesse dia com lágrimas nos olhos. Nunca fiz uma pauta tão dura, tão difícil”.
O momento mais marcante viria quando Pipo fotografou a entrada do corpo do reitor para ser velado no hall da Reitoria da UFSC. “Quando entra o cortejo, trazendo o caixão dele, eu ali fotografando, vejo apoiarem o caixão e alguém vem com uma foto, e é justamente uma das fotos que eu fiz dele naquele dia de maio. Aquilo me marcou, me tocou demais. A cada ano, a foto roda o Brasil. Eu tenho muito orgulho de ter feito esse retrato. A fotografia tem esse poder de comunicar sem palavras”.
Todas as fotos desta seção são de Pipo Quint, fotógrafo da Agecom/UFSC
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Documentário “Levaram o Reitor”, de 2021:
Texto:
Mayra Cajueiro Warren / jornalista da Agecom / UFSC
Carolina Monteiro / estagiária de jornalismo / Agecom / UFSC