Pesquisa avalia impacto de intervenção culinária em pessoas com diabetes mellitus tipo 2
Analisar o impacto de uma intervenção culinária, baseada no programa Nutrição e Culinária na Cozinha (NCC) e nas habilidades culinárias de indivíduos com diabetes mellitus tipo 2 (DM2) foi o objetivo de uma pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Nutrição da Universidade Federal de Santa Catarina. O estudo é resultado da dissertação defendida em outubro pela nutricionista Clarice Mariano Fernandes Elpo, sob a orientação da professora Paula Lazzarin Uggioni e coorientação da professora Greyce Luci Bernardo. O trabalho foi apoiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e realizado no âmbito no Núcleo de Pesquisa de Nutrição em Produção de Refeições (NUPPRE) da UFSC.
A amostra foi composta por 44 pessoas com diabetes mellitus tipo 2, adultas e residentes na Grande Florianópolis. Elas se inscreveram voluntariamente por formulário on-line e distribuídas em dois grupos de igual tamanho: um de intervenção e outro de controle. O de intervenção participou do programa Nutrição e Culinária na Cozinha por um período de seis semanas, com três horas semanais, englobando duas oficinas culinárias práticas (Laboratório de Técnica Dietética do Departamento de Nutrição da UFSC), uma oficina de compra e seleção de alimentos e, três oficinas culinárias por meio de videoaulas demonstrativas (gravadas e adicionadas à plataforma YouTube). As videoaulas foram escolhidas em virtude do período de isolamento social visando medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia de Covid-19.
O diabetes mellitus tipo 2 é uma doença crônica caracterizada por açúcar elevado no sangue (hiperglicemia) e a adoção de uma alimentação saudável pode auxiliar no controle deste aumento e na preservação de complicações mais graves decorrentes do distúrbio. O desenvolvimento de habilidades de autonomia e autocuidado é importante para indivíduos com a doença e, dentre essas habilidades, destacam-se as culinárias. Clarice aponta que “as habilidades culinárias podem ser definidas, portanto, como a confiança, atitude e aplicação de conhecimentos individuais para executar funções culinárias, desde o planejamento dos cardápios e das compras até o preparo dos alimentos, sejam esses in natura, minimamente processados ou ultraprocessados. Além disso, vincula-se com a capacidade dos indivíduos em realizar combinações entre os ingredientes, julgando o sabor, cor e textura dos alimentos”. As habilidades culinárias são capazes de contribuir para uma alimentação mais saudável e, podem ser incentivadas por meio de intervenções culinárias, pondera a pesquisadora.
O NCC é um programa de intervenção sobre habilidades culinárias e constitui-se de cinco oficinas culinárias práticas e uma oficina de seleção e compra de alimentos. A finalidade é transmitir conhecimentos sobre nutrição e culinária aos participantes e praticar suas habilidades culinárias para que possam se sentir mais confortáveis na cozinha e mais confiantes em preparar alimentos mais saudáveis em casa, bem como auxiliar nas escolhas alimentares mais saudáveis fora de casa. Elaborado inicialmente para estudantes universitários, o NCC foi adaptado com receitas culinárias para indivíduos com DM2, por meio da substituição de ingredientes de alto e médio Índice Glicêmico (IG), para baixo IG. As receitas culinárias do programa eram isentas de açúcar de adição e adoçantes e, baseiam-se na utilização de alimentos in natura ou minimamente processados, redução de sal e, na utilização de ervas e especiarias como temperos.
Os participantes responderam o instrumento on-line de Avaliação das Habilidades Culinárias e Alimentação Saudável, composto por 8 escalas (1- índice de disponibilidade e acessibilidade de frutas, legumes e verduras (FLVs) em casa; 2- atitudes culinárias; 3- comportamentos culinários em casa; 4- comportamentos culinários fora de casa; 5- autoeficácia em utilizar técnicas culinárias básicas; 6- autoeficácia em utilizar FLVs e temperos; 7- autoeficácia em consumir FLVs; e 8- conhecimento sobre termos e técnicas culinárias), validado e, aplicado em dois momentos: antes e após a intervenção culinária. Além disso, o instrumento continha uma parte inicial de caracterização da amostra, incluindo dados sociodemográficos e pessoais, como tempo disponível para cozinhar, com quem aprendeu a cozinhar, entre outros.
Os resultados demonstraram aumento significativo do conhecimento sobre Termos e Técnicas Culinárias e, apesar de não ter encontrado mudanças significativas nas demais escalas relacionadas às habilidades culinárias, observou-se pequeno aumento em todas as escalas após a realização da intervenção. Além disso, observou-se um aumento mediano de sessenta minutos no tempo disponível diário para cozinhar. O acréscimo, diz Clarice, “é capaz de melhorar a qualidade da dieta, incluindo maior consumo de frutas, legumes e verduras e um menor consumo de alimentos ultraprocessados, ricos em açúcares, sódio e gorduras”.
O programa NCC adaptado para pessoas com DM2 foi pioneiro na realização de intervenções culinárias, com foco primário em habilidades culinárias, com indivíduos com DM2 no Brasil, informa Clarice. “Além disso, as mudanças observadas podem sugerir que mesmo em tempos de confinamento pela pandemia pela Covid-19, o desenvolvimento de habilidades culinárias pode contribuir para o aumento dos conhecimentos culinários”, completa.
A pesquisadora frisa que “os resultados encontrados podem subsidiar a implementação de políticas públicas em alimentação e nutrição, e intervenções com foco no desenvolvimento das habilidades culinárias e alimentação saudável de indivíduos com doenças crônicas. As receitas culinárias preparadas nesta intervenção podem ser aplicadas na prática clínica do profissional nutricionista, como sugestão de baixo índice glicêmico na elaboração de planos alimentares”.