Cientistas pedem mudanças de políticas públicas socioambientais em artigo na revista Nature Ecology & Evolution

03/02/2020 13:19

Um alerta sobre a necessidade de o Brasil restaurar a governança dos serviços ecossistêmicos é o tema de artigo publicado na revista Nature Ecology & Evolution nesta segunda-feira, 3 de fevereiro, com co-autoria de professores e pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina. O manifesto Help Restore Brazil’s Governance of Globally Important Ecosystem Services tem o apoio de 1.230 pesquisadores de diversas áreas e chama atenção para o “desmantelamento das políticas socioambientais do país”.

Três linhas de ação prioritárias são sugeridas no documento: o desenvolvimento de agroindústria sustentável; proteção e restauro de ecossistemas terrestres, de água doce e marinhos; e fortalecimento dos direitos dos povos indígenas e tradicionais.

Os primeiros autores do artigo-manifesto são a pós-doutoranda do Departamento de Ecologia e Zoologia da UFSC Carolina Levis e o pós-doutorando do Departamento de Biologia Vegetal da Unicamp Bernardo Flores. Carolina afirma que a costura para conseguir o apoio dos 1.230 pesquisadores iniciou dois meses atrás, antes da confirmação da publicação na Nature Ecology & Evolution, quando uma versão em português ficou disponível para visualização e assinatura. “Através da nossa rede de contatos (no total, são nove autores), circulamos para o máximo de pessoas possíveis por apenas uma semana, para diminuir o risco dessa mensagem circular antes do artigo ser aceito”.

Garantia das instituições

Muitos dos recuos ocorridos em 2019, segundo a pesquisadora, podem ser revertidos, principalmente aqueles que envolvem a garantia das instituições que lidam com políticas públicas socioambientais. “Elas foram enfraquecidas, mas a gente acredita que o fortalecimento de ações, por exemplo, para combater desmatamentos, incêndios e atividades ilegais podem, sim, ser revertidas se houver apoio e vontade política”. Carolina chama atenção para retrocessos que serão permanentes: “O Brasil lidera o ranking de morte de lideranças ambientais. A morte de pessoas não pode ser revertida, nem a perda de espécies. Se pensarmos nas queimadas na Amazônia, muitas espécies vegetais e animais deixaram de existir no sistema, são prejuízos incalculáveis, que não têm volta”.

A pressão externa sobre o governo brasileiro é uma das necessidades para o retorno de uma boa governança ambiental, de acordo com os autores do manifesto. “Ela pode ajudar a reverter o quadro de enfraquecimento das políticas socioambientais. Por exemplo, quando houve as queimadas na Amazônia, teve uma grande pressão dos países e de acordos internacionais que ajudou a reduzir os incêndios. Foi quando o governo acionou as Forças Armadas para ajudar a combater os incêndios ilegais. Por essa pressão, a gente consegue ações mais imediatas”.

Longo prazo

As perspectivas em longo prazo se as três linhas prioritárias não forem seguidas (agroindústria sustentável; proteção e restauro de ecossistemas; e fortalecimento dos direitos dos povos indígenas e tradicionais), aponta Carolina, é de uma “catástrofe para o Brasil e para o mundo”: “No artigo, a gente mostra um mapa dos ativos ecossistêmicos e o Brasil se destaca muito no mundo porque tem uma riqueza incalculável, tanto de espécies quanto de ativos (estoque de carbono nas florestas, a quantidade de água doce). Se não houver o cuidado devido com a proteção dos ecossistemas, vamos perder grande parte desses ativos, e isso pode gerar uma cascata de efeitos, como acelerar, e muito, o aquecimento global e as mudanças climáticas”.

Da UFSC, também são autores Guilherme Mazzochin (pós-doutorando do Programa de Pós-Graduação em Biologia de Fungos, Algas e Plantas CCB/UFSC), Pablo Borges de Amorim (pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental CTC/FSC), Marina Hirota (Professora do Departamento de Física da UFSC) e Nivaldo Peroni (professor do Departamento de Ecologia e Zoologia). Entre os cientistas que subscrevem o artigo, mais de cem são professores titulares no Brasil; da UFSC, são 71 pessoas, entre professores, técnicos e pesquisadores.

Ações prioritárias

O artigo aponta o desenvolvimento da agroindústria sustentável pode “determinar o destino dos ativos ecossistêmicos do país. O aumento na produtividade sem perda adicional de ecossistemas pode ser alcançado com a promoção do uso estratégico de incentivos para expandir os sistemas de produção baseados na biodiversidade e a agricultura de baixo carbono; a eco-certificação; o fortalecimento dos sistemas públicos locais para o desenvolvimento agropecuário sustentável; o fortalecimento dos sistemas públicos locais de controle sobre o uso de pesticidas; e o investimento em ciência, biotecnologia e inovação baseado na diversidade biológica nativa”.

Proteger e restaurar ecossistemas terrestres, de água doce e marinhos é fundamental para  aumentar os ativos ecossistêmicos. De acordo com o manifesto, “isso requer a efetiva implementação, manutenção e expansão das áreas protegidas; o fortalecimento da resiliência dos ecossistemas e das sociedades locais às mudanças globais; o fortalecimento do sistema público de gestão socioambiental em todos os níveis, para se fazer cumprir as leis ambientais vigentes; a promoção do manejo sustentável da biodiversidade e dos ativos ecossistêmicos pelas comunidades locais dentro e fora de áreas protegidas; o desenvolvimento de cadeias produtivas e cadeias de valor de ativos da biodiversidade manejados localmente, com logística baseada em infraestrutura sustentável para conectar comunidades remotas aos mercados”.

Por fim, o fortalecimento dos direitos dos povos indígenas e tradicionais é essencial para a proteção dos ecossistemas. “Manter sua participação na governança ambiental requer a demarcação constitucional e da desintrusão das terras indígenas e tradicionais; o fortalecimento da resiliência dos sistemas de produção de alimentos indígenas; a proteção das culturas e seu conhecimento ecológico local; a inclusão efetiva dos povos indígenas e tradicionais na tomada de decisões e na gestão pública socioambiental; e o fortalecimento das políticas públicas para povos indígenas e comunidades tradicionais”.

Caetano Machado/Jornalista da Agecom/UFSC

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