Negerplastik: quando a arte africana foi enfim reconhecida
Publicado em 1915 por Carl Einstein (1985-1940), Negerplastik colocou no Panteão da arte universal as artes primeiras da África e da Oceania. Naquele período, quando ainda eram conhecidas como “artes primitivas” e as artes africanas como “artes negras”, Einstein percebeu “as formas plásticas puras conservadas pela escultura negra” e empreendeu a primeira análise formal das artes africanas livre de etnocentrismo.
Segundo Einstein, o juízo escrupuloso das artes de origem africana demonstrou que a imensa maioria das críticas anteriores que a caracterizavam enquanto “primitiva” e supostamente ligada a uma origem perdida e ultrapassada, falavam mais sobre o crítico do que sobre a arte africana, propriamente dita.
Editor de revistas de arte, tradutor, poeta, e autor de roteiro de cinema e peças teatrais, Einstein é também escritor do primeiro romance cubista, “Bebuquin ou os diletantes do milagre”. Mas é em sua atividade enquanto crítico, teórico e historiador de arte na publicação de Negerplastik que ocorre sua consagração.
A obra reúne 111 lâminas de estátuas, máscaras, trompas e outros objetos artísticos de origens diversas: África continental e, em menor medida, Madagascar e Oceania, precedidas de um curto (31 páginas), porém, denso estudo da arte africana em particular, mas da arte plástica, em geral.
Influentes para os cubistas de seu tempo, as obras de arte negra (Negerplastik), como são chamadas por Einstein, ganharam atenção na Europa alguns anos antes do registro e redação de seu estudo. Para o crítico, “a descoberta da arte africana influenciou os pintores de Paris, que assimilaram a ’lição negra’ e fizeram entrar em seus quadros de duas dimensões”.
Partindo da análise formal das esculturas, Carl Einstein define a arte plástica africana como absoluta e fechada, e como solução aos problemas da tridimensionalidade que a pintura e a escultura europeia haviam chegado quando a relação entre os elementos pictóricos se sobrepuseram à plasticidade na criação da identidade do artista e do espectador. Com isso, a arte plástica europeia se encontrava em um estágio em que a escultura tornara-se uma perífrase condicionada pelo efeito subjetivo a ser produzido no diálogo entre escultor e espectador.
Intimamente ligada à religiosidade, a arte africana, por sua vez, se caracteriza por um realismo formal e realismo lógico da forma transcendente, que expressa os próprios deuses, absolutos. Não buscando nenhuma forma de significado, as obras são, por si mesmas, a expressão do culto ao sagrado.
Em suas palavras, “não há, talvez, nenhuma outra arte que o europeu encare com tanta desconfiança quanto a arte africana. Seu primeiro movimento é negar a própria realidade de ‘arte’ e exprimir a distância que separa essas criações do estado de espírito europeu por desprezo tal que chega a produzir terminologia depreciativa” (p. 31). E prossegue, afirmando que a abordagem escrupulosa e desnudada de preconceitos permitiu descobrir que “o que antes parecia desprovido de sentido encontrou sua significação nos mais recentes esforços dos artistas plásticos. Descobriu-se que, raramente, salvo na arte negra, haviam sido postos com tanta clareza problemas precisos de espaço e havia sido formulada uma maneira própria de criação artística. Resultado: o juízo até então atribuído ao negro e à sua arte caracterizou muito mais quem emitia tal juízo do que seu objeto” (pp. 32-33).
Perceber a grandeza e potência absoluta e superar as críticas que vinculavam as artes primeiras ao simples fetiche já faria de Negerplastik uma obra indispensável a todo estudioso de Arte, História e Antropologia, porém, a análise de Carl Einstein é ainda mais profunda e abrange uma crítica teórica da arte em seus fundamentos pictóricos, plásticos, espaciais, de movimento e de perspectiva. Uma obra completa, acessível pela primeira vez ao idioma português e em edição de qualidade ímpar realizada pela Editora da UFSC.
Serviço
O quê: Negerplastik [escultura negra], 304p.
Autor: Carl Einstein
Tradução: Fernando Scheibe e Inês Araújo
Quanto: R$61,00 impresso e e-book gratuito, disponível aqui
Mais informações na página da EdUFSC
Gabriel Martins/Agecom
gabriel.martins@ufsc.br