Profissão Cientista: Sarah se reveza entre UFSC e Noruega para pesquisar segurança alimentar
Cientista. A assinatura de e-mail de Sarah Zanon Agapito-Tenfen é clara e objetiva. A doutora em Recursos Genéticos Vegetais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) compõe a equipe do laboratório do GenØk (Centro de Biossegurança), localizado na Universidade Ártica da Noruega, fundado em 1998 com o objetivo não comercial de prestar informações científicas para o Governo da Noruega tomar decisões que impactam a sociedade.
O contato de Sarah com o GenØk iniciou na época da graduação em Agronomia, também na UFSC. “Conheci os fundadores porque o professor Nodari (Rubens Onofre Nodari), vinculado ao Laboratório de Fisiologia do Desenvolvimento e Genética Vegetal (FIT/UFSC), estava envolvido com a escrita da Lei da Biossegurança do Brasil. Naquela época, como estudante, iniciaram os contatos e a parceria entre a UFSC e a Noruega, que dura até hoje”.
De estudante à pesquisadora que presta consultoria para o Governo da Noruega, Sarah trilhou um caminho longo e assertivo. A rotina dela se divide entre períodos no GenØk e outros na UFSC desde 2014, quando foi convidada para ingressar no GenØk como cientista. A parceria entre as duas instituições é complementar, uma vez que a UFSC tem laboratório forte na pesquisa de genética de plantas e o Centro Norueguês é forte na biologia molecular, microbiologia e vírus. “Percebemos que não seria possível desenvolver as pesquisas na Noruega sem ter e poder crescer as plantas. Assim, no Brasil temos as plantas e na Noruega analisamos a parte genética. Daí a importância da parceria UFSC-GenØk para continuar com os ensaios sobre segurança alimentar”, revela ela.
A fala de Agapito durante a entrevista é repleta de orgulho ao resgatar a sua trajetória acadêmica. “A UFSC fez toda a diferença na minha vida profissional. Quando entrei aqui e comecei a fazer pesquisa, percebi que era isso que eu queria. Aqui temos laboratórios e estruturas incríveis e isso se comprova pelas parcerias. A UFSC fez uma diferença total na minha vida, não teria chegado aonde cheguei sem ter passado por aqui”.
A conversa é acompanhada de perto pelo professor e orientador Nodari. Para ele, o bom pesquisador precisa, antes de tudo, encontrar-se. “Ter competência e investigar um tema desafiador, porque ser cientista é ter uma profissão que exige dedicação. Ser cientista é uma escolha”.
E foi isso que aconteceu com Sarah quando ingressou na graduação na UFSC. Por meio da iniciação científica atuou como bolsista e passou pelo mestrado e doutorado fazendo o que mais gosta: investigar. “Conseguimos avaliar várias alterações metabólicas no milho e agora vamos estudar a soja. A análise das moléculas da planta, em diversos níveis e por inteiro, nos deu oportunidades de descobrir o que está errado na planta”.
A atuação da cientista é no teste da segurança alimentar, principalmente em alimentos chamados de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), tal qual o milho e a soja. “Estamos analisando como esse alimento se comporta, e são poucos os grupos de pesquisa se dedicando a isso, a maioria observa o desenvolvimento dos OGMs”, explica Sarah.
Nodari reforça que esse propósito está amparado na relevância da pesquisa e na sua contextualização social. “A linha de pesquisa com relevância científica e implicações para a sociedade se tornam perenes, estudamos esse assunto há quase 20 anos, pois as tecnologias avançam e nós estamos acompanhando com o mesmo interesse: precisão na segurança e, agora, na questão alimentar. Estamos consumindo alimentos inferiores do que há 20, 30 anos. A cada dia que passa a qualidade fica pior e temos menos produtos in natura”, diz ele.
“Um pezinho sempre ficou na UFSC”
A expertise da Sarah começou a ser lapidada na UFSC. A rede de contatos durante a formação acadêmica permitiu que a sua competência como cientista fosse contratada pela Noruega para um trabalho altamente reconhecido. Infelizmente, ela não foi absorvida pelo Brasil. Na época da conclusão do doutorado foi aprovada para atuar em uma empresa de pesquisa em Santa Catarina, cuja área não tinha relação alguma com o transgênico: o melhoramento de banana.
Foi neste momento que se deu a valorização do seu conhecimento. Assumiu a posição de pós-doutoranda pelo GenØk para trabalhar com a contaminação do milho tradicional pelo transgênico no México.
O México é o centro da origem do milho e a contaminação por transgênico foi descoberta há 15 anos, revelada como uma contaminação irreversível. “Queríamos avaliar a situação daquele país, uma vez que, na teoria, plantar milho transgênico no México é proibido até hoje, mas ele entra clandestinamente”, conta Sarah.
Foram quase dois anos de trabalho no México envolvendo o Brasil, por meio da UFSC, e a Noruega, via GenØk. “Finalizada essa etapa, recebi a oferta de assumir uma posição permanente de pesquisadora-júnior para desenvolver projetos na área das ciências ômicas, ou seja, relacionadas a estudos de DNA (genômica), RNA (transcriptômica), proteínas (proteômica) e metabólitos (metabolômica)”, diz a cientista.
A parceria entre a UFSC e o Centro Norueguês permite que os ensaios de Sarah sejam continuados. “Por isso, digo que sempre tive e continuo tendo um pezinho na UFSC. Trabalhamos muito com o milho e, agora, estamos começando com a soja, que possui um bom mercado na Europa. É na universidade que desenvolvemos a pesquisa e a ciência, onde estão os professores mais capacitados e que podemos desenvolver o pensamento independente. Esse espaço é aberto e as pesquisas aqui têm um impacto positivo para a sociedade”.
A contaminação por transgênicos
A pesquisa da UFSC, ao analisar se as proteínas da soja transgênica são similares as da não transgênica, revelou que o ser humano não sabe o que está consumindo. “A análise consiste em verificar se a planta muda ou não, e essa é a principal contribuição da UFSC”, diz Nodari.
Na Europa os OGMs estão liberados apenas para o consumo animal, isso faz com que os achados do grupo de pesquisa da UFSC tenham um grande peso na comunidade científica. “A Europa se baseia nesses achados para avaliar a entrada ou não dos transgênicos, e é justamente as contribuições de pesquisas científicas como a nossa que fizeram alguns países proibirem a entrada de OGMs para consumo humano”, diz a cientista.
Tanto as agências reguladoras, como parte da sociedade científica, começam a ter dúvidas se o transgênico é realmente a mesma coisa que o convencional, e esse tipo de estudo não pode ser negado. “Esses achados precisam ser oficializados pelos órgãos de controle e, se não fossem os nossos estudos desenvolvidos na UFSC de maneira independente e autônoma, essa investigação não seria possível”, diz a cientista.
A biossegurança alimentar foi assunto da Rio-92 (Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em junho de 1992 no Rio de Janeiro), tratando da necessidade de regular a movimentação e o uso de OGMs produzidos em um país e levados para outro.
A pesquisa de Sarah no mestrado mostrou que o milho transgênico produz proteínas diferentes do milho tradicional, que foi aprofundada no doutorado: essas pequenas moléculas de RNA (ácido ribonucleico) vai interferir na expressão de outros genes. “Com isso, a contaminação da cultura tradicional pela de transgênico pode ser pela água, vento ou pólen trazido pela abelha. Assim, nasce a semente transgênica dentro da plantação nativa, com isso estamos perdendo a riqueza genética desenvolvida pelos nossos antepassados”, explica Nodari.
No Oeste de Santa Catarina há uma região de Guaraciaba com mais de 1.400 variedades crioulas de milho que está sendo contaminada. Os impactos disso estão na perda da diversidade genética, impedindo a produção de orgânicos e agroecológicos, aumentando os resíduos de agrotóxicos, além da baixa qualidade do transgênico.
Uma investigação realizada pelo Grupo de Pesquisa da UFSC em uma cooperativa no Oeste de Santa Catarina identificou, recentemente, que dentro de seis anos 30% das sementes tradicionais de milho estavam contaminadas por sementes transgênicas e a tendência nos próximos anos é aumentar. A instituição em que a Sarah trabalha investe na UFSC para saber o que está sendo comprado e consumido na Noruega; no Brasil o laboratório da UFSC pesquisa e presta informações sobre o perigo dos transgênicos, entretanto as mudanças não são feitas pelos órgãos de controle.
“O protocolo exige que os países criem organismos para avaliar os riscos desses produtos quando chegam ao país. Isso é mandatório. Imagina o problema que será se esse grupo decide que vai regulamentar a edição de genomas a nível internacional e o Brasil, que é signatário e precisa fazer isso, mas nacionalmente tem uma lei que não regulamenta. Vai dar um problema bem grande: ou refazemos a lei, devido a pressão da Europa para regulamentar, ou teremos problemas com os compradores”, explica Sarah.
Os cientistas da UFSC têm questionado se o produto transgênico é seguro para alimentação. Partindo da pesquisa contextualizada, se verifica se a tecnologia é precisa, segura e os efeitos da tecnologia. “Não somos nem contra nem a favor, não entramos neste mérito, estamos vendo as questões científicas, as características da tecnologia. Os cientistas, em especial na área de segurança, estão em descompasso com a sociedade e isso acontece em quase todos os países. O que mantém a Europa segurando ainda é a pressão da sociedade civil”, diz Nodari.
Neste momento, a pesquisa sobre segurança alimentar da UFSC visa construir um modelo para análise de Crisper, com o objetivo de antecipar problemáticas com esse tipo de produto. “O modelo vegetal celular vai testar os efeitos que chamamos de off-target. A conquista dessa tecnologia nos permite modificar no alvo, por isso estabelecemos um modelo para tentar entender como esse processo se estabelece”, revela a cientista.
Por que fazer parcerias?
Segundo os cientistas, o governo brasileiro não financia muito esse tipo de pesquisa, daí a necessidade de buscar fundos do exterior. “Há o interesse em pesquisas como a nossa, que investigada a segurança alimentar dos OGMs, porque são esses países os maiores compradores de soja e milho, por exemplo”, salienta Sarah.
Hoje, a Noruega toma decisões do que comprar de acordo com as orientações do grupo de trabalho em que a Sarah atua. “No Brasil é exatamente o contrário. Vivemos o dilema de ser um país agrobusiness e megadiverso, mas acreditamos que as decisões não estão levando em conta a conservação biológica”, diz Sarah.
Os impactos de invasão do transgênico, a limitação da oferta de variedades de sementes, a falta de regulamentação e controle são alertas que estão sendo emitidos por pesquisas como as desenvolvidas por Sarah e Nodari na área de segurança alimentar. Por isso, as parcerias que fomentam a pesquisa independente no Brasil são cruciais.
As contribuições dessas parcerias, como a mantida com a Noruega, vão além de recursos financeiros, passando pela formação de pessoas (capacitação e bolsas de pesquisa), avanços científicos significativos (contribuindo para aperfeiçoar as normas regulatórias para análise de risco) e equipamentos adquiridos por meio da parceria. “Atividades como essa mostram a necessidade de ter ciência para fazer pareceres sobre os efeitos dos OGMs. Não se trata de ser contra ou a favor, mas de fazer uma análise baseada no processo científico e, também, em questões como a pertinência, os impactos sociais, a convivência com outras tecnologias”, frisa Nodari.
O principal objetivo da pesquisa atual de Sarah é descobrir os papéis dos transgenes na regulação de genes em sistemas de plantas e aplicar esse conhecimento à avaliação de seu uso seguro nos alimentos e no meio ambiente.
Sobre os pesquisadores
Graduação em Agronomia (2003/2007), Mestrado e Doutorado em Recursos Genéticos Vegetais (2009/2010 e 2011/2014, respectivamente). Membro da equipe do laboratório do GenØk, localizado na Universidade Ártica da Noruega. Indicada para a Lista de Especialistas em Biossegurança da ONU em 2013 pelo governo brasileiro. Participou da Rede de Laboratórios de Detecção e Identificação de Organismos Vivos Modificados, hospedada pelo Portal da Câmara de Intermediação de Biossegurança, como parte do Mecanismo de Intermediação de Informações da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica. Ainda, é consultora de vários órgãos governamentais e não governamentais no Brasil e na Noruega. Pesquisa melhoramento de plantas, diversidade e conservação de plantas, e avaliação de risco de organismos geneticamente modificados.
Desde os anos 1990 vem atuando na área de biossegurança de Organismos Geneticamente Modificados (OGM). A partir de 2008, com base no Memorando de Entendimento entre a UFSC e o GenØk vem desenvolvendo e orientando estudos na área de biorriscos diretos e indiretos decorrentes da introdução de OGM no ambiente. Foi Gerente de Recursos Genéticos Vegetais do Ministério do Meio Ambiente no período de 2003 a 2008. É professor orientador e atualmente Coordenador do Programa de Pós-graduação em Recursos Genéticos Vegetais.
Nicole Trevisol / Jornalista da Agecom / UFSC
*Fotos: Ítalo Padilha / Agecom / UFSC