Poeta Cruz e Sousa entra em cena e recebe merecido reconhecimento em Florianópolis

11/07/2019 09:01

Registro de Fernando Crocomo em 5 de junho de 2019.

Tudo começou com três paredes em branco. Elas estavam lá, faziam parte da paisagem do centro histórico de Florianópolis e passavam desapercebidas. De junho para cá elas assumiram forma, cor, identidade e despertaram o interesse do cidadão, do fotógrafo, do transeunte. A transformação dos “rabiscos” em arte foi registrada pelo professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Fernando Crocomo, pela primeira vez em 5 de junho deste ano. Era um retrato de João da Cruz e Sousa nascendo próximo à Catedral Metropolitana e ocupando as paredes alvas do edifício João Moritz.

Ao lado do Palácio (Museu Histórico de Santa Catarina), local que leva o mesmo nome do poeta, Rodrigo Rizo pintou a obra, em preto e branco, que soma 900 metros quadrados chamada de ‘Mural Cisne Negro’, compreendendo uma imagem do poeta, um cisne negro estilizado (que remete a alcunha do poeta de Dante Negro ou Cisne Negro) e o poema ‘Enlevo’.

O lançamento do mural será realizado nesta quinta-feira, 11 de julho, a partir das 18 horas, no jardim do Palácio Cruz e Sousa. A entrada é gratuita e haverá performance e leitura de poemas de Cruz e Sousa (1861 – 1898), ícone da literatura catarinense e precursor da poesia simbolista no Brasil.

Zilma Gesser Nunes, professora do Departamento de Língua e Literatura Vernáculas (LLV/UFSC), explica que a obra despertará a curiosidade da população pelo poeta, dadas as proporções e a localização da pintura. “Colocar Cruz e Sousa em um painel na Praça XV, é dar visibilidade para o poeta de maior expressão da literatura catarinense e um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos. É uma dívida que se paga a Cruz e Sousa, que precisou, em 1889, transferir-se para o Rio de Janeiro, em busca de inserção literária. Homenagem tardia, mas merecida e necessária”.

Na UFSC, a obra de Cruz e Sousa é abordada pelo curso de Letras por meio da disciplina optativa “Literatura em Santa Catarina”, procurada por um número expressivo de estudantes interessados pelo tema. Para Nunes, tratar de Cruz e Sousa no curso é fundamental para a formação de futuros professores de Literatura. “Estamos formando propagadores, que poderão levar o nome do poeta e a boa literatura ao jovem estudante”.

Mural Cisne Negro começa a ganhar cores.

Nascido em 24 de novembro de 1861, em Nossa Senhora do Desterro (Florianópolis/SC), Cruz e Sousa é um clássico da literatura brasileira. Poeta, jornalista, professor, o filho de ex-escravos enfrentou o preconceito racial, sendo recusado para o cargo de promotor público de Laguna (SC) por ser negro. Passou um período no Rio Grande do Sul e, após sofrer represálias, fixa residência no Rio de Janeiro. Em 1893 publica as obras ‘Missal’ (poemas em prosa) e ‘Broquéis’ (poesias), consideradas o marco inicial do Simbolismo no Brasil que perduraria até 1922 com a Semana de Arte Moderna. Cruz e Sousa falece em 19 de março de 1898, em Antônio Carlos, Minas Gerais.

“Rastreando a fortuna crítica de Cruz e Sousa, de 1893, data da sua primeira publicação, até hoje, percebe-se que muito se tem escrito sobre o poeta, especialmente a partir de 1961 com a edição da Obra completa, organizada por Andrade Muricy. Cruz e Sousa representa, para Santa Catarina, o orgulho de ser catarinense o maior poeta simbolista brasileiro, ao lado de grandes nomes como dos franceses Mallarmé e Baudelaire. Para a literatura brasileira, o movimento estético do Simbolismo, deu o passo significativo para a inauguração do Modernismo literário, que ganha expressão com grandes nomes posteriormente”, explica a professora Zilma, estudiosa das obras de Cruz e Sousa.

São diversos os materiais que o pesquisador pode encontrar sobre o poeta, como análises críticas da poesia e da prosa poética do escritor, dissertações e teses em diversas áreas, performances teatrais e adaptações da sua arte. “A frequência das pesquisas sobre o poeta não se restringe à UFSC, Cruz e Sousa é reverenciado em universidades de todo o país. Por mais que já se tenha estudado e pesquisado a obra de Cruz e Sousa, por ser um clássico da nossa literatura, nunca irá cessar de oferecer novas interpretações, novos significados em diferentes formas de manifestações artísticas”, diz Nunes.

Ao leitor, Zilma nos ajudou a selecionar o poema ‘Antífona’, emblemático da proposta simbolista com suas figuras sugestivas, a musicalidade, o apelo a um vocabulário religioso entre outras características em conformidade com essa estética literária.

‘Antífona’ – Cruz e Sousa

Ó Formas alvas, brancas, Formas claras

De luares, de neves, de neblinas!

Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas…

Incensos dos turíbulos das aras

Formas do Amor, constelarmante puras,

De Virgens e de Santas vaporosas…

Brilhos errantes, mádidas frescuras

E dolências de lírios e de rosas …

Indefiníveis músicas supremas,

Harmonias da Cor e do Perfume…

Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,

Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume…

Visões, salmos e cânticos serenos,

Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes…

Dormências de volúpicos venenos

Sutis e suaves, mórbidos, radiantes…

Infinitos espíritos dispersos,

Inefáveis, edênicos, aéreos,

Fecundai o Mistério destes versos

Com a chama ideal de todos os mistérios.

Do Sonho as mais azuis diafaneidades

Que fuljam, que na Estrofe se levantem

E as emoções, todas as castidades

Da alma do Verso, pelos versos cantem.

Que o pólen de ouro dos mais finos astros

Fecunde e inflame a rima clara e ardente…

Que brilhe a correção dos alabastros

Sonoramente, luminosamente.

Forças originais, essência, graça

De carnes de mulher, delicadezas…

Todo esse eflúvio que por ondas passa

Do Éter nas róseas e áureas correntezas…

Cristais diluídos de clarões álacres,

Desejos, vibrações, ânsias, alentos,

Fulvas vitórias, triunfamentos acres,

Os mais estranhos estremecimentos…

Flores negras do tédio e flores vagas

De amores vãos, tantálicos, doentios…

Fundas vermelhidões de velhas chagas

Em sangue, abertas, escorrendo em rios…

Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,

Nos turbilhões quiméricos do Sonho,

Passe, cantando, ante o perfil medonho

E o tropel cabalístico da Morte…

Cruz e Sousa é autor de Missal (1893), Broquéis (1893), Evocações (1898), Faróis (1900) e Últimos sonetos (1905). Mais sobre a sua obra pode ser conferido na Biblioteca Digital de Literaturas de Língua Portuguesa (BDLP).

Um dos últimos trabalhos de Zilma é o livro “Negro”, uma seleção de poemas de Cruz e Sousa, pronto para ser lançado, em breve, pela Editora Caminho de Dentro.

Projeto Street Art Tour

A obra de arte urbana assinada por Rizo homenageia o poeta Cruz e Sousa e é parte do projeto Street Art Tour. O mural começou a ser feito em junho e o artista contou com o apoio de um elevador externo, que o levou a uma altura de até 30 metros. O projeto valoriza ícones culturais de Florianópolis por meio de murais que homenageiam a vida e a obra de nomes importantes para a cidade. Dentro do aplicativo do Street Art Tour é possível mapear e organizar um roteiro para conhecer obras de arte urbana de grandes dimensões: um deles é o mural  assinado pelo artista Thiago Valdi em homenagem a Franklin Cascaes, no edifício Atlas, localizado de frente para a esquina da rua Vidal Ramos com a Deodoro. Outra obra é o mural Leão da Terra, pintado por Rizo em paredão ao lado do edifício Ceisa Center, na avenida Osmar Cunha.

A pintura de Cruz e Sousa é parte de uma segunda etapa do projeto, idealizado pelo artista Rodrigo Rizo e pelos produtores Marina Tavares e Arturo Valle Junior. Além de registro e catalogação em plataforma digital (aplicativo e site) de mais de 100 murais que compõem o acervo de street art de Florianópolis, prevê exposições, pintura de murais em grande formato, festivais, oficinas e debates.

Serviço

O quê: lançamento do Mural Cisne Negro, obra do projeto Street Art Tour

Quando: quinta-feira, 11 de julho

Horário: das 18h às 20h

Local: Jardim do Museu Histórico de Santa Catarina – Palácio Cruz e Sousa (Praça XV de Novembro, Centro, Florianópolis)

Quanto: gratuito

Nicole Trevisol / Jornalista da Agecom / UFSC, com informações de Letícia Kapper e Carol Macário  

*Fotos: Fernando Crocomo / Arquivo Pessoal

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